Capítulo 1

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   “ Eu considero minha origem desconhecida, literalmente. Eu sei como todos nós nascemos, mas para mim a maior dúvida é: de quem eu nasci?
   Meu pai me disse que logo após o parto, minha mãe desapareceu, ele diz que não sabe de nada, mas se sabe evita me contar. Às vezes sinto falta dela, falta de alguém que nunca conheci. Meu pai é professor do museu central e sempre se interessou pela Grécia e sua mitologia. Costumávamos passar tardes conversando sobre isso, os grandes Deuses e semideuses, seus monstros e criaturas.
   Sempre me senti fascinada, querendo sempre explorar e descobrir. Coisa de criança. Ele diz que vou acabar descobrindo os segredos do mundo, bem irônico não? Já que nunca sai da cidade.”
   Não gosto da atenção de todos e quando a sala inteira me olha, sinto como se o mundo caísse sobre mim. Meu estômago se contorce toda vez que tenho que falar em público, por menor que seja. Nesse caso o mais ridículo não é apresentar e sim o trabalho a se apresentar: um resumo sobre a vida pessoal.
   Esse é um tipo de trabalho que se passa para crianças, não para alguém do terceiro ano do ensino médio. O professor sempre foi maluco, mas desta vez ele se superou. Ele diz que é melhor, assim seria mais fácil fazer amizades. Me sinto uma idiota contando minha vida, poderia ter inventado a parte da minha mãe. O que eu esperava? Que eles sentissem pena de mim? Idiota. Idiota.
   Só quando paro de falar que percebo que minhas pernas estão tremendo e estou começando a suar.
   — Muito bem Sara! Já pode ir sentar-se – Diz o professor Wilbert me tirando dos meus pensamentos.
   Sinto um alívio gigantesco, como se um caminhão fosse tirado das minhas costas. Ninguém aplaude, mas também não espero por isso. Winney é a Única que tem coragem de aplaudir, minha melhor amiga. Em seguida todos acompanham e aplaudem, não por terem gostado, mas por educação.
   — Todos vocês foram bons – diz o professor, a voz dele silencia a turma e ele solta uma leve risada. Ele não sabe esconder a ironia. - mas o da Sara me interessou, apesar de tão... Simples.
   Ele gostou da minha história? Simples é o máximo que ele pode dizer desse texto. Alguns me encaram por alguns segundos e outros nem se dão o trabalho, eles também não sabem esconder a antipatia.
   — Como só vamos começar o assunto oficialmente na próxima semana e vocês precisam completar a nota, vou passar um novo trabalho – continua. – Pesquisem sobre os Deuses da mitologia grega, cada um escolhe um Deus ou Deusa e fale sobre o mesmo – termina de falar para depois se concentrar em ler a sua revista.
   A turma começa a resmungar e cochichar, claramente sobre mim. Alguns altos demais para que eu escute. Tento ignorar e me concentro em ver o pátio através da janela.
   — Se preocupa não, ele com certeza passaria um pior – comenta Winney ao lado, com um meio sorriso e expressão de deboche. Isso não me conforta, mas ela tentou.
   Todo o tempo que se segue apenas os cochichos da turma se espalham pela sala, até que o sinal toca e todos se levantam apressadamente e a sala fica vazia rapidamente. Winney diz que precisa ir no banheiro, eu aceno com a cabeça. Enquanto guardo o material, fico olhando o pátio arborizado pela janela, ele fica tão bonito a noite. Com bancos de concreto espalhados desorganizadamente nas beiras dos caminhos de pedra e os postes espalhados ao redor do pátio, dando uma beleza de mistura verde das folhas e azul das luzes dos postes.
   O corredor já está praticamente vazio, todos estão com pressa de chegar em casa, cansados da velha Rotina. Algumas pessoas ainda estão pegando alguma coisa no armário ou indo para a sala de informática. Melhor assim, não gosto de tumultos.
   Quando abro a porta principal do colégio, o Frio noturno me envolve bruscamente, fazendo-me estremecer dentro do casaco, meu cabelo voa com a brisa suave. O céu está lindo, com várias estrelas até aonde minha visão alcança, a lua está cheia. Encontro meu carro no fim do estacionamento. Tenho dezoito anos, repeti de ano uma vez no primeiro ano do ensino médio, uma decepção que pretendo não fazer acontecer novamente. Já tenho idade para dirigir e tirei a habilitação há um mês atrás.
   Quando entrei no ensino médio, minha vida mudou de cabeça para baixo. Meu pai que sempre estudava comigo e me ajudava nas lições, arranjou um emprego no museu, ele passa o dia todo trabalhando, então tive que me virar sozinha. Essa mudança repentina me mudou, já que eu era muito próxima dele.
   Nesse período, Winney estava enfrentando uma crise horrível com a mãe dela e de alguma forma ela buscava abrigo em mim. Eu passava noites acordadas com ela e faltávamos aula apenas para passear, aliviar um pouco a mente. Perdi o interesse nos estudos e Minhas notas caíram muito, a ponto de eu reprovar sem nem entrar na recuperação. Winney era um ano atrás de mim, e mesmo com notas baixas, passou na prova final.
   Meu pai percebeu que ele era um dos motivos e no ano seguinte voltou a se aproximar, me ensinou até a dirigir. Senti o peso da reprovação e passei a me esforçar mais, sem ou com meu pai. Ele não pode ser a causa do meu futuro, eu tenho que tomar conta de mim mesma.
   Apesar da iluminação dos postes, tenho medo de passar pelo estacionamento a essa hora, nunca se sabe quem está a espreita nas sombras. Coloco a bolsa no banco de trás e escuto alguém gritando meu nome, viro me e vejo a Winney correndo em minha direção.
   — Ainda bem que você ainda não foi embora – diz com a respiração ofegante.
   Ela se apoia no carro e espera as energias voltarem.
   — Minha mãe está bêbada de novo – diz revirando os olhos. – e os ônibus a essa hora da noite demoram muito.
   Já sei o que ela quer, então só aceno com a cabeça e digo pra ela entrar. A  mãe dela tem certos problemas com bebidas, o que me faz ter o dobro de atenção com a Winney, pra ela não cair no mundo e se envolver com coisas perigosas.
   Ela joga a bolsa no banco de trás e senta ao meu lado.
   — Você ainda não colocou som nesse carro? – pergunta fazendo bico. – que deprimente.
   — Ah, não enche – digo e nós duas rimos.
   Ligo o carro e preparo para sair do estacionamento. Estamos quase chegando na avenida quando sinto minha mente começando a pesar, como se estivesse sendo imprensada. Meu corpo fica frio e minha visão escurece. Uma onda de calor e energia passa pelo meu corpo, sinto meus músculos queimarem, fazendo meu coração pulsar rápido. Consigo frear o carro bruscamente e a última coisa que escuto é a Winney gritando meu nome.

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora