Capítulo 4

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   Por muitas vezes, questionei a vida e a morte. Se somos seres superiores, por que morremos? Se existe um paraíso ou um inferno, qual a necessidade de passar pela vida? Sofrer e morrer.
Por muito tempo na infância, fui uma menina fascinada por Deuses que moldam nosso planeta e nossa vida. Depois que cresci, percebi que não passavam de imaginação de outras pessoas tentando dar um sentindo a tudo, mais ou menos como a morte, tentando dar sentido a vida.
   A morte para muitos significa uma passagem e para outros apenas o começo, levando a crer que não importa o que ela é, sempre há algo mais. Fico imaginado um futuro onde tudo é resolvido; doenças, catástrofes e até a morte, mas também penso: Se em um futuro onde morrer é uma coisa primitiva, o que resta ao ser humano fazer?
   É nisso que eu acredito. A morte não é só uma passagem, é um desafio necessário para nossa própria utilidade. Necessário para que tenhamos o gosto de viver, não é uma ciência, é a própria vida. E é a morte que sinto enquanto o carro capota.
Não sei quanto tempo se passou, Mas tenho certeza que não estou bem. Minha cabeça dói como marteladas de dentro para fora e meu corpo também, como elefantes pisoteando-o. Ouço vozes distantes, gritos e luzes. Não sei se estou morrendo.
   Tento me mexer, mas sinto coisas perfurando minhas costas e meus braços. Estou de cabeça para baixo e tento olhar ao redor, mas só consigo ver borrões. Tiro o cinto de segurança e me mexo um pouco, quando tento mexer meu braço direto, que está contorcido de uma forma estranha, uma dor insuportável sobe pelo ombro e atravessa todo o corpo.
   Eu grito forte e alto.
   Sinto sangue na boca e logo vejo que tenho cortes por todo o corpo, só não sei se são profundas para causar sérios danos.
Não lembro-me bem do que aconteceu. A pessoa na estrada, o carro capotando, foi tudo tão rápido. Minha cabeça dói ainda mais ao tentar lembrar direito.
Ainda escuto as conversas do lado de fora do carro. Com muito esforço, consigo jogar metade do meu corpo para fora do carro pela janela do lado do motorista e grito novamente de dor quando meu braço quebrado bate em algo.
   Mesmo com a claridade que me atinge com força, consigo ver algumas pessoas aglomeradas. Um homem me ver e logo corre para me ajudar, ele bota os braços ao redor do meu corpo e me puxa com cuidado, mas mesmo assim alguns pedaços de vidros ainda me arranham na barriga.
Ele tenta me carregar mas eu digo que consigo ficar de pé. O homem então me solta.
   — Você não está bem, seu braço... - ele diz preocupado.
   — Vou ficar bem - só então me lembro da pessoa que atropelei. - cadê? Cadê a pessoa?
   Então atrás do homem, vejo que uma multidão de pessoas fazem um círculo ao redor de algo. Caminho o máximo que posso, mas a dor é alucinante, minhas pernas fraquejam a cada passo, seguro meu braço quebrado no peito com a mão esquerda. As pessoas vendo minha condição deplorável me deixam passar.
   — Saiam do meio - eu balbucio. - eu preciso...
   Quando chego no centro do círculo e vejo o corpo, minha mente gira. Ela está jogada no chão como uma boneca, o sangue se espalha pela pista. Não sei se está viva.
   — A ambulância já está chegando - diz alguém.
   As pessoas comentam e falam várias coisas que não consigo entender, pois minha cabeça começa a se apagar. Lágrimas enchem meus olhos e um peso de consciência cai sobre mim. Não posso acreditar que matei ela. Eu matei a mãe da Winney.
   Meu corpo fraqueja e eu desmaio. Ainda sinto o impacto do meu corpo no chão duro. Escuto um sino distante de ambulância.
Vejo clarões. As vezes ouço vozes que ficam mais distante a cada vez que fecho os olhos. Uma hora vejo um teto branco e um homem com uma máscara de enfermeiro e um barulho de motor e de sirene, até que tudo escurece.
   Vejo várias lâmpadas e sinto que estou sendo carregada deitada, em uma maca suponho eu. " como ela está?", " Chequem a pressão!", escuto vagamente.
   A imagem do corpo da Sra. Marlin não sai da minha cabeça. Eu tirei da Winney aquilo que ela mais amava, a sua mãe. Como vai ser daqui em diante? Ela irá me perdoar? Eu conseguirei me perdoar?
   Ainda me lembro da cena na sala de aula e da expressão de horror no rosto de todos, e isso me deixa mais agoniada. Não sei o que está acontecendo na minha vida e tudo parece piorar, por isso desejo no fundo do meu coração, que eu tivesse Morrido naquele acidente.
   Acordo sentindo-me exausta, como se estivesse completamente drogada e com a visão turva. Minha cabeça dói, mas não tanto como antes.
   — Querida! – escuto alguém falando. Meu pai. – Ainda bem que você acordou, estava preocupado.
   — Onde estou? - pergunto quase em um sussurro.
   — No hospital - ele responde.
Olho ao meu redor e vejo claramente que estou em um quarto de hospital. Com um vestido cinza de paciente e uma agulha enfiada no meu braço ligado a um soro. Meu braço direto está engessado.
   — Eu tive tanto medo quando soube – meu pai diz.- Pensei que perderia você...
   — Cadê a mãe da Winney? – pergunto lembrando-me do seu corpo jogado na pista.
   — Não se preocupe com isso...
   — O que aconteceu com ela pai? - digo mais alto.
   — A Sra. Marlin está em um quarto no fim do corredor - responde ele com um suspiro.   – Não vou mentir pra você, a situação dela não é das melhores.
   — Ela tá viva? - pergunto espantada. Uma pequena esperança surge em mim. - a Winney já sabe? Preciso ver elas.
Tento me levantar, mas meu pai me empurra devagar de volta para a cama.
   — Não, nada disso, você precisa se recuperar.
   E realmente noto que preciso, pois quando tento levantar, sinto um pouco de tontura. Fico encarando o teto por um bom tempo, viajando nos meus próprios pensamentos estúpidos e nas minhas próprias culpas.
Sinto que meu pai está me encarando, e não demora muito até ele falar.
   — Sobre aquela briga Sara, eu quero pedir desculpas. Eu sei que não fui muito honesto com você.
   Não estava mais nem me lembrando disso, mas foi bom que ele tocou no assunto. Não concordo com o mistério que ele fez, mas todo mundo deve ter seus segredos, não?
   — Não precisa pedir desculpas - eu viro o rosto pra ele e uma lágrima escorre pelo meu rosto. - Eu que preciso.
Ele então sorri e me dar um beijo na testa. Olho para a janela e vejo os raios solares iluminando o quarto.
   — Quando tempo fiquei desacordada?
   — Um dia e meio - diz ele olhando para a mesma janela que eu.
   — E a noite nunca voltou? - pergunto virando minha cabeça para conseguir vê-lo.
Ele hesita um pouco e suspira.
   — Sara, eu preciso conversar com você sobre uma coisa. Creio que é meu dever agora, pensando bem - ele me encara sério.   – Não aqui pois não é um lugar para se conversar sobre o que eu vou te falar, mas em casa quando você estiver melhor.
   — Eu também preciso conversar com você - digo devolvendo o olhar sério.
Depois de um tempo tentando decidir como conversar e procurando as palavras certas, eu conto tudo para ele; Sobre a primeira visão no estacionamento, o corvo que apareceu logo depois do estranho amanhecer, sobre a visão na escola e o que aconteceu na sala e o motivo de eu não ter visto a mãe da Winney na pista.
   Ele não demonstra nenhuma surpresa, apenas encara algum ponto no chão enquanto escuta o que eu falo, em alguns momentos até me questiono se ele está prestando atenção.
   Lembrar de tudo que aconteceu ainda é um choque pra mim. Cada detalhe, cada terror daquilo que imaginei ser real, e de cada dor sentida. Das mulheres e principalmente daquela de capuz. Quando menciono ela, meu pai se enrijece um pouco.
   — Você sabe alguma coisa sobre isso? – pergunto terminando a história.
   — Mais ou menos - responde entres suspiros. – Mas não se preocupe, vamos resolver tudo.
   Por um instante penso em me irritar novamente, mas percebo que isso não vai dar em nada.
   — Pai, na escola, aconteceu algo... – começo a falar lembrando do que aconteceu.
   — Não precisa me falar nada, já fiquei sabendo, vou resolver tudo filha, tudo no seu tempo. – ele coloca a mão dele sobre a minha, em um sinal de preocupação.
Depois de pensar muito, acabo adormecendo. O cansaço me atrai.
Acordo algum tempo depois com uma enfermeira colocando algum remédio no meu soro. Ela pergunta se estou bem e eu digo que sim, ela então sai com um sorriso no rosto.
   Pouco tempo depois um médico entra no meu quarto. No seu jaleco está escrito Doutor Kenny. Ele checa minha pressão e pergunta como estou me sentindo. Sou sincera e digo que ainda sinto um pouco de dor de cabeça e na coluna e que o gesso incomoda. Ele sorri.
   — Isso é normal, mas pela gravidade que ficou seu braço depois do acidente, o gesso vai ficar aí por pelo menos um mês - ele entrega alguns papéis para o meu pai. - Mas se você continuar do jeito que está, não vai passar de duas semanas.
   — O que você quer dizer? - pergunto encarando ele.
   — Suas lesões foram horríveis Sara, uma pessoa normal não sobreviveria naquele acidente com os ferimentos que você teve, principalmente na coluna e na cabeça - ele me devolve o olhar. – Você deveria ter ficado paraplégica e na pior das hipóteses, ter tido um traumatismo craniano, Mas você ainda conseguiu sair do carro andando. Pelos exames, você está se recuperando muito rápido.
Meu pai termina de analisar os papéis e olha para mim e logo depois para o Kenny.
   — Isso que dizer que ela já pode ter alta?
   — As dores que ela ainda sente são normais, e vão passar dentro de um dia ou dois - ele pega os papéis que estavam com meu pai. Enquanto ele se move, percebo que é bonito. Barba bem feita e o cabelo ajeitado. Olhos verdes e um porte ereto, imagino que deva ter mais ou menos trinta anos de idade. - E ela já está fora de risco, então pode sim ser liberada.
   Ele entrega para o meu pai uma lista de remédios que devo tomar e diz que dentro de três semanas devo voltar ao hospital para ver se já pode ser retirado o gesso, e sai do quarto dizendo que qualquer coisa podemos ligar para ele. Cerca de dez minutos depois a mesma enfermeira de antes vem e tira o soro e a agulha do meu braço.
   Meu pai me entrega algumas roupas que ele tinha pego em casa e eu vou para o banheiro me trocar.
   Enquanto me olho no espelho, vejo o quanto estou horrível. Meu cabelo está bagunçado, cicatrizes ficam á mostra no meu rosto e meus olhos estão inchados de tanto chorar. Minha pele está mais branca do que o normal, certamente porque não como direito há muito tempo.
Coloco um vestido azul comprido e leve. Jogo água gelada no meu rosto e saio do banheiro.
   — Vamos para casa? - pergunta meu pai me olhando da porta.
   — Não - digo. - tenho que ver uma pessoa antes.

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora