Capítulo 21

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   Eu não tenho senso de direção.
   Abro os olhos em longos intervalos de tempo, e minha visão está embaçada em todas as vezes. Minha barriga está doendo, uma dor aguda e incômoda, mas nada comparado ao meu queixo. Sinto gosto de sangue na boca e não consigo me mover. Minha cabeça rodopia e eu adormeço de novo.
   Quando abro os olhos novamente, demora para que minha visão foque em algo. Até respirar dói, o ar entra com dificuldade, como se eu respirasse só por uma narina. A dor na minha barriga já aliviou, mas ainda sinto o impacto no queixo. Quando olho para os lados me lembro de tudo o que aconteceu.
   O céu estava desabando. Meu pai e eu nos separamos. Íamos fugir do palácio. As memórias retornam aos poucos, enquanto eu fecho os olhos e tento me lembrar onde estou. Fui no acampamento. As caçadoras quiseram me prender. E é quando eu recebo o choque de realidade. Uma energia atravessa meu corpo, me deixando ativa, até que eu me levanto em um pulo, ignorando a dor que passa pelo meu corpo.
   Na parede oposta de onde eu estou, tem uma janela de vidro com uma porta de ferro do lado. Estou presa, as caçadoras me prenderam a mando da deusa Ártemis. Não posso ficar aqui, tem algum engano. Não tenho nada a ver com o que está acontecendo. Em um momento de choque e raiva repentina, me jogo a porta em vão, metendo o ombro no ferro sólido.
   Meu ombro lateja com cada impacto, a dor ultrapassa meu corpo inteiro, mas eu tento ignorar. Esmurro a janela com toda a força que consigo reunir, mas o vidro é muito grosso e forte. Ouço apenas o estalar dos meus próprios ossos, meu sangue escorre pelo vidro, formando uma imagem feia da minha derrota.
   Olho para trás, procurando alguma coisa pela cela, mas a única coisa que encontro é uma cadeira de metal um pouco velha e enferrujada. Desesperada eu pego a cadeira e arremesso contra a janela, meu ombro dói com a força que boto. A cadeira atinge a janela mas cai em um banque alto, não causando nem um arranhão, apenas uma pequena rachadura, quase imperceptível, na parede perto da janela.
   E então eu grito. Grito como se fosse a última coisa que eu fosse fazer na vida. Minha garganta dói, arde e eu perco o ar dos pulmões, mas não ligo, meu grito enche logo a cela por muitos segundos. Um grito e vários urros indecifráveis de frustração. Quando acabo, respiro fundo, como se tivesse corrido uma maratona. Olho para os lados e percebo o meu erro, não posso ficar gastando energia, preciso conservar, e então pego a cadeira com uma perna torta e sendo no centro do cômodo.
   Fecho os olhos e me concentro na minha respiração, esperando não surtar. Puxo ar e solto devagar. Analiso a situação com calma. Ártemis me dispensou e agora me prendeu. O céu mudou tão rapidamente que parecia prestes a desmoronar. Meu pai ficou no palácio, ele deve estar muito preocupado comigo. Não sei por quanto tempo fiquei inconsciente. Já pode ter passado das seis e eu aqui.
   Se acalma Sara, se acalma. Não posso fazer nada, alguma hora alguém tem que aparecer. Se eu perder energia vou ficar mais vulnerável, então tudo o que posso fazer é orar para que eu saia logo daqui e que seja antes das seis. A umidade do cômodo se intensifica e se junta ao frio que penetra meus ossos. Estremeço, mas não se é por conta disso ou do medo.
   Parte de mim quer rir da situação. Sempre gostei do acampamento, quis vim aqui uma última vez e agora estou presa. E ainda fui traída, Helena apoiou me prender e pensar nisso dói mais do que causa raiva. Tudo o que eu quero é socar seu rosto agora. Respiro fundo novamente e solto o ar aos poucos.
   Não percebo quando adormeço novamente encostada na parede, nem me lembro quando me sentei no chão, mas quando abro os olhos vejo que é hora de comer. Um prato de peixe cinzento com uma sopa de batatas está encostado perto da porta. Normalmente eu não comeria por estar com raiva, mas não resisto. Devoro o prato tão rapidamente que me pego desejando mais.
   Ártemis foi esperta ao mandar um prato de plástico para mim, não posso quebrar e usar os cacos como arma. Me sento novamente no chão, encostada na parede encarando a janela. Meus pensamentos invadem minha cabeça e eu faço de tudo para expelir. Lembrar de tudo só me machucaria mais, não posso me torturar desse jeito.
   Mas antes que eu possa adormecer de tédio, escuto barulhos de bota e eu bufo de irritação. Estou quase levantando quando me dou conta que não posso dar o prazer de me levantar para quem quer que seja. Faço o possível para me manter impassível quando a deusa Ártemis aparece na janela. Não quero lhe dar nenhum prazer da minha raiva, mas quando Helena aparece atrás dela, fico tentada a pular no seu pescoço. 
   Ártemis passa algum tempo me observando e eu faço o mesmo e é quando percebo o quanto ela está diferente. Seu cabelo castanho claro está preso em um rabo de cavalo, e uma coroa de meia lua está posicionado na sua cabeça, mas seu cabelo está bagunçado, seus olhos escuros parecem cansados e mais fundos, vejo sua respiração oscilante. Um pequeno corte na lateral da sua boca revela seu sangue dourado. Ela usa uma roupa diferente ao habitual, ela está vestida com uma armadura dourada com detalhes longos e sinuosos em prata, o símbolo do arco e flecha está no seu peitoral.
   Ela usa uma saia branca um pouco acima do joelho, que está machada com sangue dourado, não sei se é seu e uma bota de ouro. Seu arco está preso em suas costas. Ela ergue os dedos na direção da porta e escuto ela se abrindo. Eu fecho a mão com força, me controlando ao máximo, a raiva explode dentro de mim.
   — Levante-se, por favor, Sara sintuell – ela diz, sua voz autoritária parece cansada, mas ainda assim causa medo.
   Fecho a cara e hesito, isso seria como lhe dar autoridade, mas não tenho muito o que fazer. Me levanto encarando ela, Helena se põe atrás dela, não com medo de mim, mas para evitar ficar igualada com a deusa Ártemis, lhe dando autoridade.
   — Sei que sua vontade é de me estrangular, mas espero que tenha a mínima noção de que não conseguiria nem por um dedo em mim – bufo de desgosto, apesar de ela ter razão. Não adianta eu tentar me iludir, não tem chance de eu fugir da Ártemis. Cuspo no chão para mostrar o desprezo e ela ignora o desacato. – espero que esteja preparada Sara, temos uma guerra para travar.

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora