Capítulo 13

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   - Se concentre – diz a instrutora Cameron. Ela se posiciona atrás de mim e pega nas minhas costas e no meu ombro, forçando esse último para trás afim de ajeitar minha postura. – manusear um arco e flecha é mais complicado do que você imagina, não é algo que você aprende sem prática.
   Ela pega um arco e mira em um pássaro que voa a uma distância de quase dois quilômetros, ele quase fica imperceptível no céu cheio de nuvens. Antes mesmo de eu perceber que é um pássaro, ela solta a flecha, atingindo-o. A ave morre no ar.
   - Essa é uma arma poderosa em mãos habilidosas – ela diz virando pra mim. –  além de que, o arco não é usado somente para atirar flechas, na falta desse, ela pode ser usado como um bastão.
   Cameron me entrega um par de luvas e o arco e uma flecha. Eu coloco as luvas e ajeito o arco nas minhas mãos, já vi várias cenas em filmes de como segurar um arco, então tento me lembrar de como fazer isso. A instrutora percebe alguns erros, como meu braço levantado demais, então eu abaixo na altura do ombro, o arco baixo demais e outras pequenos detalhes.
   - Você deve esquecer o mundo a sua volta, o alvo é prioridade, você deve prever quais os movimentos para que seu tiro seja certeiro – ela aponta para um boneco feio de palha do outro lado do campo. – acerte aquele boneco, não importa a área.
   Eu semicerro os olhos e prendo a respiração afim de não errar, mas antes de eu fazer algo, meu braço começa a doer, um formigamento nos músculos, pesando, a corda é dura, então eu coloco força para puxar, e pra terminar logo isso, libero a flecha. Ela dispara na direção do boneco, pra se cravar no chão além dele, a uns trinta metros.
   - Nunca pense demais enquanto segura um arco – ela diz vendo meu erro. – manusear ele exige força, seus músculos não estão acostumados. Ficar com os braços nessa posição por mais de dois minutos vai te cansar rápido, além de ter que aguentar o peso do arco. Esse ainda é dos leves, então vamos treinar.
   O resto da manhã corre assim. Por sorte, a instrutora Cameron é paciente, e não se irriga comigo. Ela me explica devagar e educadamente, o que me deixa mais confortável. Mas ainda assim não obtive nenhum progresso, não cheguei nem perto de atingir o alvo. O arco escorregava das minhas mãos e eu puxava demais a corda.
   Assim que a instrutora me dispensa, a Helena vem na minha direção. Ela me leva até a margem do rio, onde sentamos nos bancos de areia com um prato cheio de frutas suculentas e maduras. Eu como com uma velocidade impressionante, até então não tinha percebido que estava com tanta fome. Helena ri da minha cara lambuzada e eu dou um murro de leve em seu braço.
   - Para – digo rindo. – onde tem água por aqui?
   Ela franze as sobrancelhas e sorri novamente.
   - Estamos de frente para um rio – ela diz em forma de ironia.
   - Sim, eu sei – digo revirando os olhos com um sorriso bobo no rosto. – mas não se pode beber água assim de um rio.
   - Desse pode – ela diz se levantando e parando na beira do rio, ela coloca as mãos em forma de conchas no rio e tira água, para logo em seguida beber. – esse rio é abençoado pela deusa Ártemis, é seguro beber nele.
   Eu hesito, mas logo cedo e bebo da água do rio. E logo me surpreendo, ela tem o gosto de água mineral, e é geladinha. Algumas caçadoras tentam pescar usando lanças no outro lado do rio. Umas delas joga a lança na água, e quando puxa ela, há três peixes empalados na arma.
   Ficamos assim por um tempo, apenas sentada, sentindo a brisa suave e vendo a vida agitada do acampamento. Até que meu braço começa a doer por conta do exercício com arco. Eu estico ele e massageio, mas meus músculos parecem tensos. Helena não percebe, ela encara o fogo alto que queima no centro da área das cabanas.
   - Aquela fogueira foi cedida pela deusa Héstia – ela diz. – acho que você sabe quem é. Ela simboliza a vida do acampamento, enquanto o acampamento viver, o fogo queima alto, não importa o que – ela para por um tempo e continua. – a deusa Héstia é minha preferida. Como poeta, meu pai escrevia muito sobre o lar, então ele citava muita ela. Eu cresci admirando, e agora ela me lembra dele. Gostaria de conhecer ela um dia.
   - Você gosta mais dela do que de mim? – pergunta uma voz atrás de mim. Viro pescoço para dar cara com a deusa Ártemis.
   Helena se mantém tensa e faz uma pequena reverência. Ela se levanta rápido e arqueja, assustada.
   - Não! – diz. – não, eu quis dizer que... – Ártemis arqueia uma sobrancelha.
   - A reunião acabou? – pergunto tentando livrar Helena disso. Por sorte Ártemis presta atenção em mim.
   - Sim – Ártemis responde. - Peça que Siara mande uma mensagem para Hermes e peça ambrosia – diz Ártemis para Helena. – não irei pro Olimpo hoje.
   - Tudo bem – Helena diz e se levanta em um pulo. Elas faz a reverência novamente e sai me lançando um sorriso, que não é nada confortável, percebo que é forçado, então ela sai em disparada.
   Eu aceno e ela some da minha vista. Eu ergo o braço e massageio o ombro, a dor nos músculos se intensifica e eu faço uma careta de dor. Ártemis não olha para mim, mas ela percebe.
   - Eu cuido disso – ela diz, para logo em seguida tocar meu ombro.
   Por um instante, um formigamento passa por todo meu braço, e logo eu sinto meus músculos rígidos se relaxarem. A dor desaparece. A sensação é boa.
   - Obrigada – sussurro. Mas ela não responde.
   Um silêncio desagradável cai sobre nós. Tenho tantas coisas que quero perguntar, mas tenho medo das respostas. Como o que aconteceu com Hades, ou que guerra é essa que se aproxima. Mas não pergunto, algo me diz que vou ficar sabendo cedo ou tarde, de uma forma ou de outra.
   Ártemis está usando uma roupa diferente. Uma vestido de alça única, com um cinto abaixo dos seios, que desce até acima do joelho e descalça. Uma tiara na testa e braceletes. Algo mais formal para uma deusa guerreira e caçadora. Mas ela ainda segura o arco, sempre pronta. Percebi que ela presta atenção em tudo.
   Uma boa maneira de enganar, quem não conhece ela, não sabe dos perigos que escondem sua aparência calma. Ainda não confio nela, mas pelo menos, não sinto medo.
   - Eu sei o que você pensa sobre mim – ela diz de repente. – e não vou fazer nada pra mudar isso. Mas quero que saiba, que não tenho nada contra você.
   Isso me pega de surpresa. Eu achei que ela não gostava de mim e apenas me aturava por causa da minha mãe. Ártemis parecia querer me matar quando nos conhecemos, mas agora ela está diferente comigo. Porque?
   - Porque está me falando isso? – pergunto encarando ela com a cara fechada.
   - Porque vamos nos ver muitas vezes ainda – ela diz se levantando. – e sinto que muita coisa ainda vai acontecer.
   - Tipo o que? – pergunto confusa.
   - Não sei – ela diz de forma vaga e se levantando – mas até lá, não me faça querer te matar. Não sei se conseguiria me controlar.
   - Você não teria coragem – digo tentando parecer afrontosa, mas sinto medo da ameaça.
   - Faria sem hesitar – ela diz.
   - Você prometeu pelo rio Estige – digo me levantando também. – não pode descumprir a promessa.
   - Prometi não te matar enquanto estamos aqui – ela diz. – aliás, acidentes acontecem não é? – um calafrio medonho passa pelo meu corpo. – vamos, o descanso acabou.
   Ela sai caminhando e eu a sigo. Minutos depois estamos no campo de treinamento com lanças, ela dispensa a instrutora e pega a lança dela e me dar, para logo em seguida jogar seu arco para o alto, ele cai em forma de uma lança dourada. Ártemis o segura com uma precisão incrível. A lança pra mim é mais leve do que o arco.
   - Me ataque – ela diz me encarando.
   - Porque? – pergunto confusa, achando isso absurdo. Não conseguirei atacar uma deusa.
   - ME ATAQUE – ela grita.
   Então como se não por vontade própria, eu avanço na direção dela segurando a lança com as duas mãos. Eu desfiro um golpe pela lateral, mas ela para a minha lança com a dela. Eu rodopio rapidamente para tentar atingir pelo outro lado, mas ela me para com a lança, barrando minha passagem. Minha barriga bate na lança e eu arquejo, jogando a parte de cima do corpo para a frente.
   - Seja mais rápida – ela diz.
   Eu levanto a lança acima da cabeça e tento atingir ela, mas com apenas uma mão, ela desfere um golpe pela lateral da minha mão e faz a minha lança cair.
   - Isso é impossível – digo com raiva e massageando minha mão. – nunca conseguiria te acertar.
   - Quem disse que era pra você me acertar? – ela pergunta. – eu disse pra me atacar.
   Ela pega a minha lança no chão e joga pra mim. Eu ergo os braços, mas a lança toca a ponta dos meus dedos e cai no chão, com a ponta afiada cravada perto do meu pé. Eu puxo ela do chão, colocando força e quando ela sai, eu cambaleio para trás. Ártemis ri e faz vários giros com a lança na mão esquerda, passando ela entre os dedos.
   - Isso é loucura – grito com raiva. Algumas caçadoras param para ver a deusa treinando a novata. Mas todas mantém distância, respeitando nosso espaço.
   - Você não sabe o que é loucura – ela grita de volta. – segure a lança com uma mão e use a outra para manter o equilíbrio no seu corpo. Faça com que a outra mão esteja preparada caso você precise trocar.
   Ela coloca a perna direita para trás e dobra a esquerda um pouco para a frente, então segura a lança com as duas mãos. Uma na parte de trás e a outra no meio. Eu tento repetir a posição, mas não consigo, exige equilíbrio.
   O sol já está no topo do céu e eu começo a suar. A lança fica mais escorregadia.
   - Sua perna não deve ficar muito esticada para trás, só precisa ficar flexível para que você corra – ela diz vindo na minha direção. – a da frente deve ficar alinhada ao seu ombro. E a lança preciso ficar firme em sua mão.
   Quando me dou conta, ela está correndo na minha direção na velocidade de um leopardo. A lança dela apontada pra mim, eu me jogo no chão e ela passa zunido por mim. Meu ombro atinge o chão com força e faz uma dor alucinante atravessar meu corpo, mas a dor se mistura a adrenalina, e começo a prestar atenção na luta. Então prevejo o que ela vai fazer, pois é algo muito comum, atingir o adversário no chão. Eu então seguro a minha lança com as duas mãos sobre o peito, a ponto de impedir que ela me acerte com a dela. Então dou um chute forte na barriga dela e quando ela sai de cima de mim eu rolo para trás e fico de joelhos.
   Algumas caçadoras aplaudem. Eu me sinto confiante, consegui me esquivar da deusa da caça. Solto um sorriso de orgulho. Minha respiração está rápida e minha roupa está suja e cheia de suor, mas não me importo. Então Ártemis vem na minha direção, tentando me atingir na lateral, mas eu consigo parar a lança dela com a minha, como ela fez comigo. Mas não prevejo o próximo golpe. Ela puxa a lança e dar um mortal para o lado, me atingindo pela outra lateral.
   Eu caio no chão. Meu peito sobe rápido, o ar entra nos pulmões ferozmente. A dor explode dentro do meu corpo, mas eu não grito. Então eu fico apenas parada, sentada, olhando todo mundo me encarando. Minha visão borrada por uns segundos. Ártemis vem na minha direção calmamente, com um sorriso no rosto. Algo sincero, como se tivesse sido uma diversão. A lança dela se dobra e vira novamente um arco.
   A deusa coloca a mão no meu ombro calmamente, como uma amiga. Então meu corpo inteiro formiga e a dor some, em segundos.
   - Normalmente eu não faço isso por elas – ela diz. – as caçadoras precisam estar prontas para enfrentar a dor.
   Ela então ergue a mão na minha direção e eu a seguro, ela me puxa para cima e me ajuda a levantar.
   - Porque você fez isso? – pergunto um pouco irritada.
   - Precisava ver se você estava apta para ficar aqui – ela diz me encarando. – e você se saiu bem.
   Eu deixo uma risada escapar. Olhando agora, foi realmente divertido, a lança foi fácil de manusear. Ela é leve e letal, e pode ser usada a longas distâncias.
   - Acho que descobri a minha arma – digo.

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   O resto do dia passa rápido. Ainda treinei com espadas, mas com dificuldade. Ela é pesada demais e exige muita força, algo que não tenho. Diferente da lança que exige mais agilidade. Então ficou decidido que minha arma é a lança e irei treinar com ela com prioridade. Nesse último treinamento, Ártemis ficou apenas observando, atenta, e ela concluiu a mesma coisa que eu. Não tenho habilidade para espadas, mas irei trabalhar nisso secundariamente.
   As caçadoras já estão deixando seus campos de treinamento para ir banhar. Elas banham em uma pequeno lago com cachoeira no lado oeste, atrás das montanhas, mas ainda no limite do acampamento. Ártemis não permitiu que eu fosse. Chegamos nas cabanas e eu me sento em um banco de madeira, e logo em seguida me deito nele, extremamente exausta. Meu corpo dói, e meu coração está acelerado. Ainda sinto a adrenalina em minhas veias.
   Eu sinto o cheiro de comida. De carne assada e algumas outras guloseimas. Meu estômago ronca alto, mas Ártemis não escuta. Ela caminha até a fogueira e levanta a cabeça para o céu, abrindo os braços. A lua já se põe no céu, se destacando no céu noturno e nesse momento, ela começa a brilhar fortemente e a deusa Ártemis também. Seus cabelos castanhos loiros parecem uma cachoeira de estrelas e sua pele parece a própria lua. A luz da lua parece banhar a deusa, dançando sobre sua pele.
   Ela foi venerada por muitos tempos como a deusa da lua. Ela disputava esse posto com a deusa Selene. É lindo de se ver, eu não pisco o olho, fico apenas hipnotizada, encarando seja lá o que ela estiver fazendo. Esqueço até de como respirar.
   - Você precisa ir – ela diz sem me encarar. Sua voz parece solene e potente, mas calma.
   - Mas... – gaguejo, ainda encantada, em transe, focando nela. Minha voz não sai.
   - Vá – ela diz. – nos vemos amanhã.
   Uivos ecoam pelas montanhas e de repente, uma matilha de lobos saem de detrás das cabanas, cerca de dez deles. Eles são altos e fortes, seus pelos cinzas cintilam, e seus olhos azuis encaram a deusa. Eu Estremeço vendo as presas afiadas e as garras pontudas, como adagas. Os lobos fazem um círculo ordenado ao redor da fogueira e ficam lá encarando a deusa Ártemis. Já tinha escutado a história de que Ártemis pediu para seu pai, uma matilha de lobos para a proteger. E aqui estão os lendários.
   Apesar do medo, tudo é magnífico. Eu me levanto como se em um transe e saio dali. É como se eu não mexesse minhas pernas, elas andam por conta própria. Eu sigo pelo patamar das flores e subo a longa escada. Apesar de estar de noite, e haver poucas tochas no acampamento, meu caminho é bem iluminado, como se a lua me guiasse. Eu olho para trás quando já estou quase no topo da escada e levo um susto. Ártemis e seus lobos sumiram, apenas a fogueira crepita alto e forte no centro.
   Eu entro na caverna, e está tudo escuro, não consigo ver nada, mas de repente, tudo fica iluminado com uma luz etérea, eu olho para trás e percebo que a luz vem do céu, mas especificamente, da própria lua. Ártemis, penso.

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora