Capítulo 5

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   Já faz quinze dias desde o estranho amanhecer e doze desde o falecimento da Sra. Marlin. Muitas coisas aconteceram desde então e o mundo está em alerta máximo. Milhares de pessoas já morreram por causa do calor e da desidratação.
   Incêndios gigantescos atacaram florestas, a grande evaporação dos oceanos aumentou o efeito estufa e vários reservatórios de água estão secando. O mais impressionante é a forma como isso ocorre; Quando o sol está de um lado do planeta, o outro continua iluminado normalmente, como se a luz cobrisse todo o planeta. Isso é impossível em todos os sentidos e ninguém sabe dizer o que realmente dizer o que está acontecendo.
  Há várias teorias de deuses, novas descobertas científicas ou teoria de alienígenas.
  Doze dias se passaram também desde a última vez que falei com a Winney, e ela me deu um soco como despedida. Todas as vezes que ligo para ela, ela não atende e quando vou atrás dela, nunca a encontro. Pensei até em ir no colégio para ver ela, mas meu pai me proibiu de ir lá. Ele me disse que iria resolver isso sobre o que aconteceu na sala no dia do meu acidente, não sei o que ele vai fazer.
   Meu pai estava muito ocupado esses dias, resolvendo judicialmente o caso da morte da Sra. Marlin, e sobre o meu acidente. Passei alguns dias indo para o tribunal e fazendo exames, mas acabei sendo inocentada, não foi encontrado álcool e nem algo incriminatório em mim ou no carro, O que aumentou ainda mais a raiva da Winney.
   Fui visitar o túmulo da srta. Marlin, não que eu tivesse o direito, mas eu precisava me desculpar, mesmo que não pudesse sentir o perdão que ela jamais pode me dar. Isso me consome todo dia, a lembrança dela e seu fantasma agora se tornaram os meus e me acompanham a todo momento.
   Nunca mais tive uma visão desde aquela em que vi meu pai com a mulher de capuz, e não contei para ele sobre isso, não quero que ele pense que estou louca ou que estou me preocupando mais do que devo. Ele falou que estava organizando as ideias e que precisava saber o que aconteceu com a minha mãe, que de acordo com ele e minha tal meia-irmã, tinha desaparecido. Não apressei ele em nenhuma dia para que me contasse o que ele tanto esconde, estou tão cheia de dúvidas que o que vier é lucro.
   Apesar de todo esse mistério, tenho uma teoria, que acho pouco provável, mas baseado na última visão, pode ser verdade. Esses negócios de visão, mulheres estranhas, corvo que me persegue, me faz ter medo do que possa ser verdade. Tento recusar essa idéia, mas é uma plausível, na medida do possível.
   O corvo não desgruda de mim nenhum segundo, mas já me acostumei com sua presença. Ele é manso e calmo e sempre me obedece, decidi colocar o nome dele de Raven. Fico o dia todo dentro de casa, sem nada para fazer. Ontem tirei o gesso do braço, o médico falou que me recuperei rápido demais, uma vez meu pai me disse que as moiras me queriam viva, por isso não sofri nada grave, não entendi o que ele quis dizer com isso. Talvez fosse mais um dos suas manias de juntar a mitologia com a vida real.
   Já esta quase na hora dele chegar e com isso, todas as revelações. Durante todo o tempo em que fico em casa, tento entender tudo, principalmente as visões, mas quanto mais eu penso, menos provável de ser real fica. As vezes acho que estou enlouquecendo. Raven está empoleirado na janela olhando para a rua e eu estou deitada no sofá me recuperando dos exercícios que acabei de fazer em casa – descer e subir a escada, abdominais e flexões e agachamento.
   Percebo agora que o Raven está inquieto, ele olha para os lados da rua e para o céu apressadamente. Levanto-me para ver o que está acontecendo, mas fico tonta. Meu estômago se revira e minha cabeça fica pesada.
   Essa sensação não é estranha.
   Então jogo-me de uma vez no sofá, no instante em que minha visão escurece e a última coisa que sinto é meu corpo atingindo com força o sofá.

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    “ É como dormir no ônibus, você não percebe quando adormece, mas acorda em um lugar diferente do que você se lembra da última vez em que esteve acordado. Você olha para os lados rápido para ver se não passou do seu ponto, e sua mente tenta acompanhar o que aconteceu, sendo que você adormeceu só por alguns segundos.
   Agora estou em um lugar diferente das outras visões, mas um lugar diferente e comum, um bar. Não sei porque estou aqui, mas sempre que tenho uma visão, algo estranho acontece. O bar é pequeno e simples, há poucas pessoas e o som está alto na junge box, tocando uma música dos anos 80.
   As paredes são vermelho vinho e uma mesa de sinuca está posicionado bem no meio do bar, não sei onde estou, mas pelo calendário na parede, ainda é quinta-feira.
   Uma pessoa me chama a atenção, uma mulher sentada na cadeira do balcão. Ela está segurando um saco de gelo contra o rosto, que está um pouco inchado do lado direito. Ela veste um vestido azul todo sujo e rasgado na alça e na bainha. Seu cabelo está bagunçado e seus olhos estão vermelhos de chorar e vejo aranhões e marcas de dedos no braço que segura o gelo.
   Um homem mais velho está do outro lado do balcão, provavelmente dono do bar, ele pergunta se ela já está melhor, ela só assente e ele vai se ocupar com outra coisa.
   Um sino toca no alto de uma porta indicando que alguém entrou no bar. Preciso de alguns segundos para reconhecer a pessoa, só a vi uma vez e ela está diferente desde a última vez. A mulher da minha segunda visão.
   Ela não usa mais o vestido amarelo queimado, ao invés disso, usa uma blusa rosa clara e uma jaqueta de couro preta curta, que vai até a altura da cintura, mas de mangas longas. Ela veste uma calça preta apertada, realçando suas pernas definidas. Seu cabelo está solto, não mais em uma única trança.
   Ela caminha até o assento ao lado da moça machucada e senta, com uma postura ereta.
   — O que ela tem? – pergunta para o dono do bar.
   — Não sei – responde ele, limpando um copo com um pano velho. – ela chegou há poucos minutos, e se sentou, perguntei se ela queria ajuda com alguma coisa, comida ou se eu deveria ligar para a polícia, já que eu achava que ela havia sido espancada pelo marido ou algo assim – ele fala rápido demais, fico agoniada por que ele não para pra respirar. –  mas ela disse que só queria um saco de gelo para o rosto.
   A mulher da visão encara a mulher machucada por alguns segundos e vira-se para o dono do bar.
   — Me dê dois copos da sua melhor bebida.
   O homem pega um litro de debaixo do balcão. Vejo que no alto da parede atrás dele, está escrito em uma placa “ TERRY'S BAR” e logo deduzo que Terry é o nome dele.
   — Bom proveito Sra... Qual seu nome? – pergunta enchendo dois copos rasos e gordos.
   — Hemera, pode me chamar de Hemera – responde a mulher da visão.
   Hemera? Como a deusa do dia na mitologia grega? Será coincidência ou...
   Fico ao lado delas, mas a Hemera parece não me notar, nem ninguém aqui. Terry sai de perto e vai atender outras pessoas.
   — Isso você não vai recusar, não é? – pergunta Hemera empurrando devagar um copo na direção da mulher machucada.
   Ela só olha para Hemera e encara o copo, não querendo beber, mas apenas para olhar para algo e não alguém.  
   — Então, qual o seu nome?
   Hemera fica sem resposta de novo.
   — Você é bem difícil – ela toma um gole. – não quer nem contar o que aconteceu com você?
   A mulher apenas encara o copo, ainda segurando o gelo no rosto, vejo uma lágrima solitária descendo pelo seu rosto. As duas ficam em silêncio e Hemera apenas fica tomando pequenos goles da bebida. Outra música toca na junge box, o horário marca nove horas da noite, cinco minutos depois da hora em que eu me lembro antes de entrar nessa visão. Estou no presente.
   O bar está bem iluminado pela luz do dia, não sei se é impressão minha, mas a luz parece dançar sobre a pele de Hemera.
   — Por Deus! Vocês está bêbado de novo! – Grita Terry do outro lado do bar, com um cliente que bebeu demais, tanto que vomitou. – Vá para casa, já passou da sua hora.
   Ele então ajuda o bêbado a caminhar até a porta.
   — Ora por Deus – zomba Hemera com uma breve risada. – Dionísio está mais preocupado em se auto embebedar do que a qualquer outro – ela revira os olhos e ri consigo mesma. – você acredita em Deus ou Deuses?
   A mulher finalmente olha para Hemera.
   — Ninguém merece a minha fé – diz baixo, mas com confiança.
   — Porquê?
   — Porque se não sou importante para ele ou eles, não merecem minha adoração, ninguém impediu o homem que... – ela já está gritando e bate o saco de gelo no balcão. – não acredito nem nos humanos, quem dirá em divindades. Humanos e deuses são cruéis demais para acreditar em algo.
   Mesmo sem o gelo no rosto, não consigo ver direto o rosto dela, uma bochecha está inchada e o cabelo grande cobre uma pequena parte do rosto. Mas consigo ver de relance que ela já deve ter sido muito bonita.
   — Quanto ódio em uma só pessoa – Hemera ri e toma um último gole que esvazia o copo. – eu acredito que não exista só um Deus, mas vários e...
   — Azar o seu – sussurra a mulher.
   — Mas tenho essas mesma dúvidas; por que não nos ajudam? O que fazem além de se alimentar da fé humana? – diz Hemera. Ainda não entendo o sentindo dessa conversa.
   — Se tem tantas dúvidas, porque ainda acredita?
   — Qual a graça de acreditar e não questionar? – responde Hemera com um sorriso.
   — Quem é você?
   — Apenas uma mulher em um bar querendo encher a cara, e você?
   A mulher machucada não responde, apenas respira fundo e coloca o gelo de volta no rosto.
   Hemera coloca a mão dentro da jaqueta e tira algo de dentro, um papel enrolado em forma de pergaminho.
   — Demorei muito para achar isso e saber como fazer funcionar, minha mãe é muito boa em manter suas coisas seguras – ela dar para a mulher. – leia isso.
   Ela hesita mas pega o pergaminho.
   — Está em grego, mas tenho certeza de que você consegue ler, não vai precisar forçar sua mente demais - diz Hemera séria enquanto a mulher ler. – apenas deixe a neblina dissipar na sua mente. Faça com que seu ser se liberte, lembre-se de seu nome...
   A mulher então arregala os olhos e respira mais rápido. Ela se joga no chão com a mão na cabeça, como se quisesse tirar seu cérebro do crânio. O pergaminho também cai no chão e não consigo pegar, mas ele cai aberto então leio o que está escrito. Está em grego, e me lembro de poucas palavras, já vi esse texto em algum lugar, mas não me lembro onde.
   No fim do pergaminho tem um desenho, vários símbolos estranhos, runas antigas formam um círculo e dentro dele há uma estrela e duas meia luas de cada lado, virado para o lado oposto à estrela. Os contornos do desenho brilham.
   A mulher se debate no chão e Hemera apenas olha, impassível, sem demonstrar pena pela mulher. Terry tenta chegar perto para ajudar a mulher mas Hemera impede.
   — A grande Deusa primordial, a dona da vida e da morte de Deuses e homens, a dama da noite – ela tem um sorriso malicioso. – Você é Nix!
    Nix? Como assim? Hemera é mesma a Hemera? Minha cabeça fica bagunçada, tentando absorver tudo.
   A mulher abre os olhos à menção a esse nome. Seus olhos estão completamente brancos, e ilumina mais do que a luz que entra no bar. Ela grita, os vidros quebram e minha cabeça doe. Eu caio no chão e o lugar fica mais iluminado, só escuto gritos. Vejo Hemera de relance, parada olhando para Nix.
   Pontos pretos cobrem minha visão e vejo tudo borrado, vejo uma capa preta em meio a luz, e uma voz forte gritando:
   - HEMERA!
   Só agora me dou conta de onde vi o texto do pergaminho, no templo onde vi meu pai e a Nix. Hoje Nix orou para si mesma, e ela atendeu ao seu próprio chamado.
   Minha cabeça lateja e meu corpo dói com o impacto no chão, um tijolo cai perto de mim e outro e mais outro, logo percebo que o bar está desmoronando e me perco em meio a fumaça do desabamento.”

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora