Meu corpo treme como se estivesse sendo esmagado por um caminhão. Meu coração se aperta e sinto o ar saindo dos meus pulmões, de repente tudo parece mais frio. O que eu temia está se tornando realidade. Uma guerra se aproxima. As caçadoras cochicham entre si, em um murmúrio baixo. Sinto tensão na voz delas. O acampamento parece mais sombrio, ainda mais com as enormes sombras das montanhas. O fogo crepita forte e as chamas fazem um jogo de luz e sombra estranho sobre nós, parece observar o que está acontecendo.
— Já faz muito tempo desde a última vez – comenta uma delas.
A caçadora Ellie aparece do meu lado. Ela não parece preocupada, seus olhos azuis vasculham a multidão. Ela olha para a fogueira e logo em seguida para o céu.
— Isso está estranho – diz em quase um sussurro. – quando há uma reunião de guerra, é sempre de noite.
O que me faz ficar mais receosa. Eu olho assustada para os lados, e tudo parece mais lento. O vento sopra mais devagar agora, e a fogueira cria sombras assustadoras nos nossos rosto. Ellie morde os lábios, mas ela não parece assustada. Não sei se já estava preparada ou está pensando nas possibilidades. Talvez a segunda opção. Ela e Helena se encaram por um momento, como se estivessem decidindo algo. O que me faz sentir estranha, estou a pouco tempo aqui e já vou participar de uma reunião de guerra.
Alguns poucos minutos se passam, os cochicham diminuem, mas a tensão não. As caçadoras não seguram suas armas. Até que todas desviam a atenção para a casa branca onde Ártemis fica. Dela, saem a general Tânia e as outras caçadoras da assembleia. Não vejo a deusa Ártemis em lugar nenhum.
A general Tânia se destaca das outras caçadoras. Sua capa dourada voa atrás de si, sua armadura dourada cintila com a pouca luz do sol, se destacando, como uma aurora ao seu redor. Mas o que mais me assusta é o seu rosto, ela nunca me deu medo, mas hoje, ele parece diferente. Seus olhos são negros profundos, como se estivesse acordado por dias e parecem cortar o ar a sua frente e seu rosto é duro, sua boca está tão apertada que parece uma única linha. Ela caminha determinada, com passos largos e pesados.
Sua lança está presa nas costas, ameaçando cortar o ar de tão afiada. Ela carrega o semblante de alguém que já viu muita coisa e que não parece se abalar mais com nada. Agora sei porque a Ártemis escolheu ela como general, ela coloca medo em qualquer um. As outras a seguem no mesmo ritmo, e além das roupas, elas só tem uma coisa em comum. Elas carregam determinação no olhar.
Todas nós afastamos para fazer um pequeno corredor até a fogueira.
— General Tânia – diz Ellie fazendo uma pequena reverência, não é a mesma que fazem para a deusa Ártemis. Ela parece ser mais velha do que a Tânia, mas respeita a general. Aparência não é nada aqui, muito delas tem mais de cem anos, mas com a imortalidade, não envelhecem. – onde está a deusa Ártemis?
Sem olhar para ela, Tânia responde de forma fria, como se já esperasse essa pergunta.
— Em uma reunião com a deusa Héstia na grande casa – ela para de repente e gira o pescoço. Seus olhos encontram os meus e sua boca se fecha em uma linha tênue, deixando seu rosto estranho e mais perigoso. – Sara Sintuell – diz com a voz pesada, eu me limito a estremecer e encarar seu olhos. – sua presença não é necessário aqui no momento.
Franzo as sobrancelhas confusa. As caçadoras desviam os olhares na nossa direção. Agora sou o centro das atenções novamente.
— Volte para o palácio de sua mãe – ela diz. Seus olhos encontram os meus e parecem carregar uma raiva imensa de mim. Eles parecem profundos, como se carregasse a preocupação do peso do mundo neles. – você não é necessária nessa reunião.
— Mas... – protesto. Porque ela está me tratando tão estranho? Ártemis nunca foi com a minha cara, mas sempre me respeitou e nunca me impediu de fazer nada. – eu tenho o direito de ficar! - falo da boca pra fora, porque não sei se realmente tenho esse direito.
Ela caminha na minha direção, o chão parece tremer com seus passos. As tensão aumenta ainda mais, por instinto eu dou um pequeno passo para trás. Tânia para na minha frente e apesar de ser alguns poucos centímetros mais baixa do que eu, parece maior agora, e capaz de me destroçar.
— Primeiro, você não é uma caçadora - diz, suas palavras saem tão rígidas e pesadas quanto tijolos. – Segundo, não confio em você para ouvir o que vamos falar, e terceiro – nesse instante ela encara meus olhos e eu fecho a mão para não socar seu rosto. A raiva me faz devolver a encarada. – a decisão não é minha, é da deusa Ártemis, mas se fosse minha, você nem sairia daqui – ela se vira e diz. – pois morreria aqui mesmo.
Sinto como se meu coração tivesse parado. Por um instante, paraliso de medo, suas palavras me abalam mais do que eu achava que faria. Eu só consigo pensar em avançar em cima dela, mas fecho os olhos e respiro fundo. As caçadoras me olham, mas não parecem com pena, elas apoiam a Tânia e parecem achar que ela está fazendo o certo.
— A porta vai ficar aberta para seu retorno depois – diz por fim, antes de chegar na fogueira. – você já sabe o caminho.
Helena segura minha mão. Ela parece nervosa, mas não a culpo.
— Desculpe – diz como se a culpa fosse dela, mas eu sinto pena. – vai dar tudo certo, ainda vamos nos ver.
Minha raiva é tanta, que não tenho coragem nem de abraçar ela, porque acho que irá parecer que não vou voltar, mas irei. Digo um breve “tudo bem” e me viro, antes de sair olho para Ellie e ela faz um pequeno aceno de cabeça. Seus olhos parecem dizer mais do que ela fala. Não me viro para encarar Tânia, que provavelmente está me olhando sair.
— Vocês duas – escuto ela dizendo. – acompanhem a Srta. Sintuell até a porta.
Minha cabeça parece que vai explodir de raiva. Caminho de forma pesada e rápida, respirando fundo, me segurando para não voltar correndo e pular no meio da multidão. Escuto passos atrás de mim, das duas caçadoras que me seguem. Não me viro pra ver quem são, mas pela sombra delas, vejo que as duas carregam espadas.
Subo a escada devagar, para provocar. Degrau por degrau, com a respiração voltando ao normal. O que pode ser tão importante que eu não posso saber? Ela falou de um jeito tão estranho, que parecia que eu tenho culpa de alguma coisa. Mas se Ártemis não me quer por perto, sei que é algo sobre minha mãe. Quando chego no topo da escada, lembro de algo; Tânia disse que a deusa Ártemis está em uma reunião com a Héstia, e ambas estavam apoiando a Nix quando ocorreu a reunião no palácio. Mas se é algo sobre uma guerra, será contra quem? O Olimpo? Não, pouco provável, Ártemis e nem Héstia apoiariam isso.
Não sei o que está acontecendo, mas sinto que irei descobrir em breve.
Chego na entrada da caverna e finalmente olho para trás. As duas caçadoras param e me olham, eu me demoro encarando elas, analisando seus olhares. Conheço elas, uma delas é a Sabrina, a caçadora que venceu a luta na primeira vez que vim aqui. Seus olhares focam em mim e eu devolvo-os. Gosto de fazer isso, é viciante, parece que a qualquer momento a pessoa vai ceder e se quebrar diante de mim.
Por fim, me viro e atravesso a porta e ela se fecha assim que eu passo por ela, e a última coisa que vejo são as duas caçadoras na entrada da caverna vigiando a porta caso eu volte.< >
Atravesso o corredor a passos largos, movida pela raiva. Ainda não acredito que fui rejeitada assim! Eu estou a mais de um mês lá e me expulsam sem mais nem menos. Se não posso fazer nada no acampamento, vou tentar descobrir as coisas por aqui mesmo.
Estou quando chegando no meu quarto, quando escuto vozes vindo de um cômodo. O que me surpreende, pois é a primeira em um mês que escuto isso. Paro e tento me concentrar, fecho os olhos e presto atenção. As vozes são de um homem que não reconheço e de uma mulher, que eu conheço bem. Hemera.
Sigo o corredor a passos leves, me aproximando do salão de onde eles estão. Não me lembro dessa parte do palácio, mas como tudo é igual e eu ainda não explorei nem metade desse lugar, não me importo. Começo a caminhar devagar, e ao mesmo tempo sinto meu corpo pesado.
Sacudo a cabeça e sigo em frente, achando ser só impressão minha. No fim do corredor, consigo ver a porta entre aberta. Ela é enorme, de carvalho vinho, ordenada em um arco celestial, com detalhes cravados em ouro, destacando o ambiente. Não lembro dessa porta.
Me esgueiro pela parede, mas tudo parece mais estranho a cada passo que dou. Meu corpo fica pesado e minha visão mais turva. Minhas pálpebras ficam pesadas e meu corpo parece mais relaxado. Respiro fundo, mas acabo bocejando. O ar parece mais frio e confortável, como se me chamasse pra ir dormir.
Alcanço a porta relutando, me apoiando na parede para não cair, e a cada passo eu bocejo. Minhas pálpebras pesam cada vez mais e tenho que me concentrar para não fecha-los. Até que consigo ouvir a voz mais nítida, porém mais distante, quase em um sussurro carregado pelo vento.
Escorrego pela parede, fraca e cansada, meus músculos parecem relaxados demais e ao mesmo tempo pesados. Sento no chão, encostada na parede e tento escutar as vozes:
— Ela deve confiar muito nisso para ter libertado ele - diz a voz masculina. Ela é forte e rouca, mas ao mesmo tempo confortável, parece fazer com que uma neblina cubra meu cérebro.
Lembro de já ter escutado ela em algum lugar, mas não lembro onde, não estou em condições de pensar.
— Você não devia duvidar dos planos dela - responde Hemera. Pelo menos é como eu acho que ela responde, pois não consigo me concentrar. Bocejo mais uma vez, dessa vez mais longa. – também fiquei surpresa, mas finalmente encaixei as peças. Como eu suspeitava, a volta dela a ser uma deusa teve suas consequências, temporária, mas ainda assim. Ela esteve se reservando esse tempo todo, a maldição está mais poderosa, creio ele seja só mais uma peça. Espero que você não questione.
— Não sei até onde isso vai, ela sempre foi boa em manter seus planos consiga mesmo - a voz dele me faz ficar mais sonolenta e quando me dou conta de quem é. Só um deus pode deixar alguém assim. Hipnos, o deus do sono. – mas estou cumprindo minha parte, já está tudo alinhado. Só não podemos nos esquecer das traidoras, Ártemis e Héstia...
E então minha visão fica escura e eu nem percebo que adormeço.
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Nix - A dama da noite Vol.I
FantasyTodos temos segredos e muitas vezes, nem nós mesmo os conhecemos. Sara sempre foi muito apegada ao pai, longe de uma figura materna. Quando criança, seu pai sempre a entretia contando histórias sobre a mitologia grega. Mas Sara se ver mais dista...