Dos pensamentos da noite

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   Eu conheço meu propósito entre tudo.
   Eu sirvo à humanidade.
   Eu posso ser a humanidade.
   Sou uma mãe que vive pelos filhos.
   Sou uma filha.
   Sou muitos conhecimentos, sonhos, histórias e ambições; uma deusa. Sou demais para a compreensão humana.
   Eu conheço a humanidade, mas eles nunca vão me conhecer de verdade. É um pouco trágico, admito, mas espero que realmente não conheçam. Minha face não esconde trevas, mas sim o que querem ver de mim, e aí está o perigo, a distorção de imagem.
   A pior parte do meu trabalho é ver o homem cair e se arruinar pelos próprios erros, eu poderia intervir, considerando que durante meu reinado nos céus, meu domínio abrange vidas e mortes, mas não vejo razão para tal. O que eu seria? Não uma divindade, mas um objeto na mãos deles. Levando mais a diante, o que seriam eles? Um rebanho que saberia o que é abatedouro, e jogasse o próximo nele afim de ficar com o pasto. A vontade de ter, ser e viver motiva os seres a sempre cometerem os mesmos erros. Esse não é o propósito deles. A humanidade precisa aprender a caminhar com seus próprios passos, firmes e diretos, não em um círculo cambaleante, mesmo que estejam perto da ruína.
   E das ruínas se tem a visão de algo que já foi grandioso, e pode voltar a ser, de inúmeras maneiras, basta saber reconstruir. Um templo servia de adoração, mas também sacrifício, até se perder no sangue dos fiéis. Assim vejo a humanidade, desviando do objetivo.
   Mas ver isso é frustante às vezes.
   Se eu começasse a distribuir bondade e benevolência, ia sobrecarregar uma dependência sufocante sobre eles, ainda mais quando lhes dou algo que mais precisam; a noite. Um presente, um período para que descansem, reflitam, vejam o infinito do cosmos, permitam suas almas de subirem ao plano etéreo, um turno onde deixo que Morfeu crie sonhos inspiradores.
   Mas parece que usam da noite para cometer atrocidades, acreditando que o escuro noturno os protegeram de qualquer julgamento ou punição. Eu vejo tudo, sinto quase tudo, não intervenho em nada. Deixo que os homens sejam seus monstros e seus salvadores.
   Mesmo assim, vejo as boas ações, bem como seus atos vis, que parecem diminuir. Toda vez que testemunho um ato cruel e inumano, permito que um Deus espalhe ódio pelos meus domínios; que Zeus lance seus raios, que Afrodite liberte o amor corruptível, que Ares plante suas guerras. É o mais próximo que consigo chegar de tristeza e angústia pela humanidade que presenciei ser gerada.
   Eles me chamam de vários nomes; Nix, a dama da noite, dona da vida e da morte, guardiã da imortalidade, mãe dos astros noturnos... Mas o que eu mais gosto é "Noite", um nome apropriado para o que sou. O nome certo para o que deveriam temer, marca do primórdio da criação e momento do cruzamento de gerações.
   Tenho o poder de devastar tudo se eu quiser, tenho planos para colocar tudo nos eixos, mas não tenho motivo para tal, não agora, não ainda.

                                                          Nix.

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora