Capítulo 22

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   Pouco me lembro sobre o Tifão, meu pai já havia falado sobre ele, mas faz muito tempo. Tudo o que eu sei é que ele é filho de Gaia e é um monstro tão poderoso que sua presença fez os deuses fugirem para o Egito de medo. Ele estava preso no vulcão Etna e agora está solto. Minha mãe o soltou e o mandou para destruir o Olimpo. Porque ela fez isso?
   — Nix não precisaria do Tifão para destruir derrotar os deuses – pergunto tentando criar uma linha de raciocínio, minha cabeça gira cada vez mais. – ela é uma primordial, é mais poderosa do que qualquer um ali.
   — E mesmo assim ela o libertou – Ártemis diz de forma vaga. Seus olhos vagueiam pelo meu rosto, até que ela retrai o rosto, em sinal de desgosto. – desde que ela voltou a ser deusa, não é mais a mesma – Ártemis está sombria.
   Ela segura meu rosto com as duas mãos e concentra seus olhos no meu, seu olhar carrega fúria e determinação, brilham intensos e confiantes.
      — Sara, escute bem – Ártemis diz. – preciso que você saia nessa missão e encontre as asas.
   Os gritos me fazem duvidar de que realmente escutei certo. Arqueio a sobrancelha, confusa e dou um passo para trás, assustada.
   — Como assim? NÃO! Eu não posso ir – gaguejo e minha voz quase é inaudível. Meu corpo treme de medo. – eu tenho que voltar pro palácio, meu pai está me esperando. Isso é absurdo, eu não posso procurar essas asas, você está louca? Porquê você não vai? Qualquer uma aqui pode ir e fazer melhor do que eu!
   O tapa que ela me dar, me faz recuar, mais de surpresa do que de dor. Isso parece me trazer para a realidade. A neblina na minha mente parece se dissipar um pouco.
   — Se atente aos fatos, Sara – Ártemis diz virando de costas pra mim, ela se volta para a multidão de caçadoras esperando suas ordens.  –  cedo ou tarde a maldição de sua mãe irá me pegar, e com isso, minhas caçadoras também serão afetadas e perderão qualquer memória em relação a mim.
   Como se saísse do ar, um cavalo chega trotando até Ártemis e eu. Ele é lindo, com pelo dourado, crina branca, quase prateada e forte. Ártemis assoviou para chamar ele. O cavalo chega perto de nós e relincha alto, Ártemis levanta a mão e ele se acalma, ela grita para as caçadoras em todo o acampamento.
      — CAÇADORAS DE ÁRTEMIS – a deusa grita. Por incrível que pareça, sua voz se sobressai sobre tudo, forte e poderosa, ecoando entre as montanhas. Ártemis não se abala–  com a tempestade furiosa e os ventos cortantes. – VOCÊS TÊM A MINHA BÊNÇÃO – cada frase parece me despertar, como algum efeito na voz dela. – PROTEJAM UMAS ÀS OUTRAS, PROTEJAM O ACAMPAMENTO COM SUAS VIDAS – Ártemis levanta o arco e uma incrível determinação passa pelo seu rosto, junto com a raiva que a motiva. – ATACAR!!!
   Olho para trás e quase cambaleio. No topo das montanhas, vejo silhuetas negras, grandes e horrendas. Não consigo ver o que são, mas seus urros roucos e horríveis me dão uma noção. Em muitos deles, vejo chifres e caudas longas, além de terem os corpos grandes e fortes. Acima deles, criaturas de asas longas e asquerosas voam a toda velocidade na nossa direção. Seus gritos estridentes e finos causam dor de cabeça.
   Meu coração parece parar por um momento e meu corpo congela. Não consigo me mover, apenas encaro aquelas criaturas descendo a todo vapor as montanhas, como se fossem apenas um morro qualquer. Seus passos fortes e pesados fazem o chão tremer, as montanhas vibram.
   Eles parecem um mar negro, são milhares deles, todos enormes e poderosos. Não consigo nem descrever, parecem tão surreais que não consigo absorver. Lágrimas se acumulam nos meus olhos, de medo. Calafrios atravessam minha espinha, me fazendo paralisar. Começo a respirar mais rápido, mas não parecem o suficiente para encher meus pulmões.
   — Os monstros filhos do Tifão e da Equidna – Ártemis explica, mas mal escuto sua voz em meio ao caos. – ARQUEIRAS AO NORTE E SUL, AS PEDREIRAS DAS MONTANHAS CENTRAIS – Ártemis grita dirigindo sua voz rígida para que todos escutem.
   A general Tânia grita berros de ordens, as caçadoras se movem rápidas e precisas, com armas na mão e olhares afiados, seus movimentos são rítmicos.
   — SEGUNDO BATALHÃO, FAÇAM A MURALHA DE FOGO NAS BASES DAS MONTANHAS – Grita ela. – O RESTO, EM SUAS POSIÇÕES, JÁ!
   As arqueiras a quem a Ártemis se dirigiu, se aglomeram em uma fila nas torres do pico de duas montanhas, e miram suas flechas na direção do inimigo. Ártemis grita a ordem e as flechas disparam em uma saraivada que não atinge os monstros, e sim a encosta de outras montanhas mais adiantes. E é quando eu entendo o porque, as flechas explodem assim que tocam nelas, liberando uma avalanche de pedras enormes, do tamanho de casas e que descem violentamente encostas abaixo, destruindo tudo pelo caminho.
   Os monstros são atingidos e muitos se dispersam. As pedras se encontram na base e formam uma barreira de toneladas de peso. Aquilo não vai impedir eles, mas vai atrasar um pouco. Os monstros de asas voam na direção das torres, e é quando em um estrondo enorme, uma delas explode.
   As lágrimas que se acumulam nos meus olhos me fazem pensar no meu pai, o medo cresce no meu peito. Então sem pensar, eu corro na direção de uma passarela. Preciso chegar até ele, tenho que sair daqui, salvar ele. Porque estou sendo tão covarde?
   Eu corro sem pensar, meus pés se movem rápidas e eu tento ignorar toda a confusão que ocorre ao meu redor. Mas assim que chego na passarela, Ártemis me alcança. Ela segura meu pulso com força, seu olhar diz que ela está prestes a me matar. A chuva deixa nossos pés em uma situação precária. A primeira baixa é por queda, uma das criaturas de asas agarra uma caçadora e a joga para fora da passarela, fazendo- a despencar por uns dez metros.
   Ártemis solta meu pulso e em um segundo atinge o monstros à distância, a flecha perfura seu crânio e o monstro despenca do céu. Ela fez isso sem nem ao menos piscar.
   — Você é estúpida – ela berra me puxando de volta para onde estávamos. Ela é forte demais e estou atônita para alguma resistência. – Você precisa achar aquelas malditas asas e procurar o titã Hélio...
   Uma segunda explosão acontece, dessa vez causada pelas pedras que os monstros estão usando como armas. Muitos deles erguem as toneladas de rochas e jogam contra o acampamento, enquanto o restante desce enfurecido as montanhas. Saímos da  passarela e chegamos novamente na parte baixa. Meus pés tropeçam um no outro, Ártemis me puxa furiosa. Eu tento absorver tudo que acontece, pareço entorpecida.
   Meus pensamentos se perdem entre meu pai e esse ataque. Ártemis grita ordens a cada momento e a general Tânia mantem as caçadoras ocupadas, o que parece estar dando certo, muitos dos monstros enfrentam dificuldades na descida, mas ainda são muitos e isso não vai durar pra sempre, em alguns segundos eles vão conseguir entrar no acampamento. A pior parte vem dos céus, as criaturas de asas voam sobre o acampamento e matam as caçadoras com tanta precisão quanto são abatidos, as flechas delas os atingem em cheio.
   Consigo ver um deles com mais precisão, suas asas são retorcidas e eles possuem bicos longos, mas com dentes. Suas patas se projetam tortas para a frente e seu corpo é áspero, sem penas ou pelo, eles possuem quatro olhos negros, dois em cada lado da cabeça, que possuem uma protuberância para trás. Eles são como uma versão doentia de pterodátilo.
   Alcançamos o cavalo de Ártemis aos tropeções, o ar está envenenado de poeira e cinzas, as nuvens pretas trovejam e o som reverbera nos meus ossos.
   — Sara, preciso que você entenda tudo o que eu disse – Ártemis segura meus pulso com mais força, sua voz furiosa não reflete nos olhos preocupados. – o que estamos tentando fazer aqui não é vencer uma guerra, é salvar toda a humanidade, incluindo os deuses.
   Ele fala essa última parte com ênfase, o que dar a impressão de que isso é algo que ela não presenciou antes, que o destino de todos vai além desse acampamento, que a guerra é mais profunda e perigosa.
   — Meu pai... Eu não posso – o medo toma conta da minha voz, e a preocupação me faz perder nas palavras. – Ele corre perigo tanto quanto eu... Estávamos quase conseguindo...
  — Não importa o que iria acontecer, planos mudam – ela finalmente solta meu pulso. – enquanto ele estiver naquele palácio, ele estará bem, pode ter certeza, Nix está ocupada demais para pensar nele, ele não é uma ameaça. Tudo será em vão e for não encontrar asas.
   Isso me conforta de certa parte, mas a ideia de abandonar ele me destrói mais do que a missão em que Ártemis quer me jogar.
   — Agora suba nesse cavalo, vá e ache as asas, depois disso use as para procurar hélio – Ártemis diz. Ela olha para a bolsa de couro marrom presa na cela do cavalo, média, mas não parece caber muita coisa. – nessa bolsa tem tudo o que você pode precisar, ela é mágica, tem muito mais do que aparenta, e tem o meu pergaminho – ela volta o olhar pra mim novamente, dessa vez mais intensos, capaz de transmitir uma ordem mais forte do que sua voz. – nele estão escritos séculos de tudo o que eu descobri sobre as asas, eu estava perto de conseguir encontrar se não fosse por sua mãe.
   — Porque você queria as asas? – pergunto curiosa.
   Ártemis não responde, ela espreme os lábios e ergue o arco para a minha cabeça. Tenho certeza de que vai me ameaçar. Uma flecha se materializa rapidamente, ela dar alguns passos para a frente e me empurra para o lado, eu cambaleio com a força. Quando olho para trás, vejo a flecha de Ártemis atingir a cabeça de um monstro que estava vindo na nossa direção. A cabeça explode como um balão, jorrando sangue preto pra todos os lados, o corpo cai do céu como um boneco.
    — GENERAL TÂNIA – Ártemis grita para a multidão.
   Apesar de estar ocupada, a general parecia estar pelas redondezas, esperando Ártemis chamar ela. Em questões de segundos ela aparece correndo na nossa direção, suada e ofegante, sangue preto e vermelho mancham sua armadura, mas ela não esta machucada. O sangue não é dela e me pergunto quantas de suas amigas ela viu morrer. A dor que passa pelo meu coração me faz odiar menos ela.
   — A segurança da sara é sua prioridade agora – Ártemis diz. – ajude a sair do acampamento pelo rio a salva, após passar a barreira leste, retorne – Ártemis se vira para mim. – depois disso você estará por conta própria.
   Sua voz antes furiosa, agora me atinge fria. Tânia me olha com escárnio, mas suas sobrancelhas relatam confusão, ela está em dúvida, mas não questiona.
   — Faça como ela – Ártemis diz passando por mim e indo na direção da verdadeira batalha. – e não questione meus motivos.
   — Espere... – grito para a deusa. Mas ela me ignora, ela mantem a voz gritando ordens.
   — Suba no cavalo – Tânia diz.
   Ela me ajuda a subir rapidamente e assobia, um cavalo vem trotando até nós rapidamente. Antes que ele chegue até nós, gritos de pavor ecoam, uma explosão ocorre em algum lugar, o chão treme e o rio começa a ondular mais furioso. Ouvimos berros e estrondos vindo da parte alta do acampamento, de perto das montanhas.
   Olhamos para lá e vemos o massacre se iniciando. Os monstros conseguiram ultrapassar a barreira de fogo e agora avançam violentos contra o acampamento. A multidão de caçadoras se movimenta rápido, uma maré mudando. Um dos monstros cai sobre uma cabana e a destrói como se fosse manteiga, as madeiras desmancham em uma pilha de destroços. Ele berra, revelando suas presas grandes como minha cabeça, ele pega as ripas de madeiras e usa como arma, ao tempo em que as outras criaturas destroem as outras cabanas. É possível ver eles surgindo de todas as direções.
    — Não pare – Tânia sibila. Ela amarra uma lança nas minhas costas e bate na traseira do meu cavalo e ele começa a correr. Quase me desequilibro, mas seguro as rédeas com força, nunca andei de cavalo, mas esse parece saber disso e está me ajudando de certa forma. Olho para trás e vejo que o cavalo que a general chamou corre a toda velocidade.
   O cavalo não para quando passa por ela, e mesmo assim com um pulo incrível, ela consegue subir nele e se equilibrar. A agilidade delas ainda me fascina. Enquanto passamos o acampamento, vejo que as evidências da carnificina estão por toda parte; corpos partidos, pescoços quebrados, crânios amassados, membros retorcidos ou arrancados. Fecho os olhos e sinto a bile subindo pela minha garganta, meu estômago se aperta.
   Cortinas de fumaças sobem ao céu como torres, os monstros caem no chão quando as armas mortais das caçadoras dilaceram seus corpos. Eles atacam com tudo o que tem, mas elas revidam na mesma intensidade, com determinação. As criaturas saltam os escombros, descontrolados e furiosos, eles não parecem lutar e sim brincar com a destruição.
   As formações das caçadoras logo se desfazem, mas elas parecem conseguir controlar. Em um patamar, vejo uma delas atirar uma flecha em uma passarela alta, a construção explode e as criaturas que passavam por ela despencam de uma altura horrível, seus corpos se amontoam em chamas.
   O acampamento se perde em fogo, fumaça e sangue. As de arco e flechas mantém os controles das montanhas, atirando nos que tem asas, mas eles atacam com mais rapidez, capturando caçadoras e as destroçando em pleno ar. Não vejo Helena em lugar nenhum, meu coração se aperta ao imaginar que ela pode ter morrido.
    Seus movimentos parecem danças letais, elas atingem dois monstros em um só golpe. Os filhos do Tifão matam alguns caçadoras como se fossem bonecas, suas garras atravessam elas como um papel. Seu tamanho grande e força inumana, fazem o chão tremer. Mas muitos deles morrem sem nem ao menos fazerem uma vítima.
   Olhando ao redor enquanto saímos do acampamento, vejo a fogueira. Ela está mais fraca, diminuiu de tamanho vigorosamente. Não está mais forte, isso quer dizer que o acampamento está morrendo.
 

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora