Capítulo 2

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   Já faz quase duas horas desde que o dia amanheceu antes do tempo. Os jornais não param de falar sobre isso, mais e mais reportagens. Nas redes sociais está lotado de comentários. As pessoas ainda fazem brincadeiras com isso. Outras falam que é o fim do mundo. Por um momento eu também acredito.
   Quanto mais tempo eu passo deitada no sofá olhando pela janela, meu corpo relaxa. Meu cérebro implora para mim dormir, mas não quero. O que eu poderia encontrar quando acordasse? O mundo sendo invadido por alienígenas? Não consigo deixar de rir da pequena possibilidade.
   Minha casa é virada para o oeste, o que me dar uma boa visão do amanhecer. O céu está cheios de nuvens, mas sem o sol. Como está amanhecendo sem o sol? As pessoas ainda aparecem na rua para olhar para o céu, curiosas e intrigadas. Deixo minha mente vagar pela paisagem. Encaro o céu adiante, perdida em pensamentos.
   Dou um pulo do sofá quando vejo um pássaro pousando no parapeito da janela. Ela se apoia com suas grandes e afiadas garras e fica me encarando. Suas penas negras reluzem em cada pequeno movimento. Um corvo.
   Seus olhos são completamente negros e sinto um calafrio estranho atravessar meu corpo. Aproximo-me, já que ele não pode me machucar, o vidro está entre nós. A medida que me aproximo sinto o ar ficando mais pesado. Me sinto hipnotizada encarando seus grandes olhos negros. Ele analisa cada movimento meu, me devorando com o olhar.
   Idiota! É só um pássaro! Que mal pode fazer?
  Por um momento de distração, o corvo desaparece. Diante da minha vista, sem mais nem menos. Sem vestígio de que realmente eu o vi. Procuro pelo céu ou pelas árvores ao redor, para ver se ele não tenha voado, mas não encontro nada.
   Eu prendo a respiração e paraliso de medo quando sinto algo pontiagudo no meu ombro. Arrisco olhar pelo canto do olho e vejo o corvo no meu ombro. Tremo e puxo a respiração. Grito de pavor e logo coloco a mão na boca. Penso logo que ele pode me arranhar ou fazer outro tipo de machucado. Depois do grito, sinto que suas garras penetraram mais fundo na minha carne. Não a ponto de perfurar, mas perto disso.
   O corvo então solta um pio agudo demais e sai do meu ombro, fico perdida no meio do emaranhado de penas que ele deixa voando na minha cara. Quando me viro, me deparo com ele no braço do sofá me olhando. Como esse bicho entrou aqui? Ele estava lá fora agora pouco!
   Sem pensar, corro para a cozinha. Deixo as pernas me guiarem. Meu coração pulsa rápido e eu grito quando vejo o corvo novamente na cozinha. Dessa vez em cima da mesa. Minha respiração sai rápida e ofegante e eu recuo um pouco com a surpresa. Como ele chegou aqui antes de mim? Eu nem vi ele passando por mim!
   Sem conseguir me mexer, fico ali que nem uma idiota olhando para ele, que devolve a encarada. Ele abre as asas e estremeço, me preparando para qualquer coisa. Ele é grande e suas garras são muito afiadas. O corvo inclina a cabeça devagar e leva a asa direita até o peito. Isso é uma reverência? Ele está mesmo fazendo uma reverência? Franzo as sobrancelhas e abro a boca em um meio sorriso, de espanto e curiosidade. Ele então abre o bico e de dentro sai um grito silencioso. Algo que faz uma pressão cair sobre meus ouvidos. Levo a mão até eles.
   Minha visão começa a ficar borrada. Ponto pretos aparecem diante dos meus olhos. Caio de joelhos no chão, arfando de dor. Minha cabeça fica pesada e comprimida. O corvo me encara, mas ele começa a ficar borrado também. Sinto o mundo escurecendo e o par de olhos negros são as últimas coisas que vejo.

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   “ Sinto frio. Abro os olhos devagar e percebo logo que não estou acorrentada dessa vez. Estou em um jardim, flores e rosas azuis escuras  se espalham pelo lugar. A luz da lua ilumina todo o lugar, dando uma beleza natural. Os topos das poucas grandes árvores interrompem a passagem do luar. Pisco os olhos para me orientar e enxergar melhor.
   Um caminho de pedras hexagonais ligam um portão ao resto do jardim, fazendo caminhos até aonde consigo ver, sempre se dividindo em várias direções. Pequenas mudas de árvores se estendem nas laterais do caminho, esculpidas e cortadas em formatos iguais e rítmicas. Um muro Grande se estende ao longo do jardim, sumindo logo em uma curva e em uma neblina.
   Se não fosse pelo medo, eu seguiria o muro para ver até onde ele iria. Logo percebo picos de um grande palácio, onde a parte inteira de baixo está coberta de neblina, então não consigo ver nada. Somente os picos de várias cúpulas grandes. Enquanto passo a admirar os pequenos canteiros de flores ornamentadas com bela criaturas esculpidas em plantas, um barulho me tira do transe de admiração. Viro-me a ponto de ver o corvo, voando na direção de uma pessoa. Ela está de costas, mas consigo ver pelas curvas do corpo e pelo cabelo que é uma mulher.
   Tremo e fico alerta ao pensar que é a mesma mulher da visão anterior, mas quando ela se vira e fica de frente para mim, relaxo mais o corpo. Mas prestando atenção em tudo ao meu redor. Ela não é a mesma mulher de antes, mas é tão bela quanto. Seu rosto é oval e lábios carnudos, os olhos castanhos claros, destacando-se de longe em seu rosto. Seu cabelo é loiro e liso, preso em uma trança perfeita pendendo até metade das suas costas.
   Ela tem a  minha altura e um brilho estranho irradia de sua pele, pairando ao seu redor como brilho de diamante. O corvo pousa em seu ombro, assim como fez comigo, mas com mais delicadeza. Ela nem parece ficar incomodada. A roupa dela é de um amarelo queimado e desce em um vestido simples, que acaba tocando o chão. Com pequenos sóis bordados perfeitamente nas bordas e no centro do vestido.
   O corvo e a mulher me olham, sem piscar. O pássaro encosta o bico no ouvido da mulher, no instante seguinte ela sorri, mais ou menos como um sorriso sarcástico. Até que ela começa a caminhar na minha direção. A cada passo que a mulher dar, eu dou Dois para trás. Mas ela interrompe a caminhada e olha para o chão e depois volta a me olhar com os olhos semicerrados e vira de costas novamente. Percebo que seus movimentos são calculados, como se tudo fosse feito com um propósito.
   O corvo vira a cabeça e fica alternando o olhar entre mim e a mulher, como um sinal de confusão. Ele sai de seu ombro e voa na minha direção ao passo em que a mulher desaparece dentro da  grande neblina, e por mais que eu tente, não consigo ver além.
   Começo a correr em direção ao portão. Sem pensar em mais nada, em somente sair dali. Desvio de algumas plantas e piso em outras, e não percebo quando saio da trilha, até que caio de cara no chão quando tropeço em uma raiz de árvore exposta. Minha cabeça lateja com o impacto, e bolhas negras surgem na minha visão. Sinto o ar escapando furioso dos meus pulmões. A dor percorre meu corpo e minha respiração começa a ficar devagar. Não consigo ver mais nada. "

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora