Capítulo 17 - Observador

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|Observador|

   Havia muito tempo desde que eles haviam se encontrado. A última vez foi quando Tifão foi banido para a prisão embaixo do vulcão Etna, embaixo das antigas forjas do deus Hefesto. Nix não participou da luta contra ele, nem mesmo considerou essa possibilidade, preferiu apenas observar.
   Ela ficou impressionada com o filho dos seus irmãos Gaia e tártaro, admirou quando sua mera presença fez os deuses fugirem do olimpo. E impressionar a primeira deusa primordial não era nada fácil, mas Tifão o fez, e Nix o achou digno de respeito. Por isso preferiu ver de perto seu banimento, e uma das últimas coisas que Tifão viu antes de se isolar na prisão foi o rosto da deusa noite.
   Mas Tifão não guarda rancor por sua tia não o ter ajudado, tem coisas mais importantes com a qual se preocupar. Ele observa que o tempo está estranho, o ares mudaram, o vento sussurra ameaças, o céu transborda furioso. Tifão sabe que tem algo acontecendo, sabe que o equilíbrio foi desfeito e que é apenas uma questão de tempo para que tudo desmorone.
   — A dama da noite veio ter certeza de que ainda estou aqui? – pergunta Tifão. Ele gira os punhos nas algemas feitas pelo Hefesto e seus tentáculos se contorcem.
   — Serei a primeira a saber caso você saia – responde Nix saindo de dentro do portal.
   — Você fala como se fôssemos inimigos – Tifão rosna.
   — Não conheço uma definição melhor para nós – Nix rebate, com a voz segura. Ela dar alguns passos e para.
   — Ainda não.
   A voz dele é grave e ecoa, é tão áspera que arranha o vento, forte como um dos trovões de Zeus. O vulcão ameaça romper em erupção, o chão treme. Nix não responde, apenas permanece calada, encarando as costas do pai dos monstros. Sua mente calcula as possibilidades daquilo. Tifão em nenhum momento se vira para encarar a deusa, ele também reflete suas palavras.
   — Como você se sente? – ele pergunta friamente.
   Nix hesita, não surpresa, mas achando interessante a audácia da pergunta.
   — Como deveria me sentir?
   — Não sei, quem foi pega pela própria maldição e virou humana foi você.
   Nix respira fundo, mais de surpresa do que de medo, deixando-a abalada. A escuridão do lugar e seu capuz escondem isso, e ela fica aliviada. Não pode demonstrar nada por enquanto. Ela então franze as sobrancelhas e libera um sorriso cínico.
   — Você sabe demais para um prisioneiro – ela diz.
   — Mais do que você imagina – ele diz vagamente. A voz dele deixa o ar pesado.
   A deusa da noite não comenta. Ela sabe que tem que ir direto ao assunto, mas ela hesita. O que Nix quer é arriscado, mas no momento, a determinação é mais forte do que o medo da probabilidade. Ela dar mais alguns passos para a frente, chegando perto demais de Tifão. Se ele quiser, pode atacar ela com seus tentáculos, mas não o faz, sabe que é um provocação. Ele se controla ao máximo, tanto porque sabe que seria inútil, e também porque sabe que se a deusa primordial da noite apareceu de repente, deve ser algo que valha a pena.
   — Então você sabe para o que vim – pergunta Nix.
   — Suspeito.
   Ela dar um leve risada, agora de deboche.
   — Não sabia que Gaia e tártaro tinham te dado inteligência.
   — Eles não me deram inteligência – Tifão diz seco. Um de seus tentáculos se enroscam nas correntes das algemas.
   — Não?
   — Milhares de anos de aprisionamento mudam qualquer um – ele diz. – alguns para pior, outros para melhor, ainda estou tentando me classificar. Mas o fato é que, no isolamento, você aprende a ver as pequenas coisas, os mínimos detalhes.
   — Eu sei como funciona, aprendi a ver coisas que são apenas possibilidade para o destino, aprendi também a ver os segredos perdidos no tempo, é algo fascinante, admiro sua evolução - ela olha ao redor, à procura de algo, analisando as circunstâncias. Tifão respira fundo, cada momento parece explodir dentro dele. – Assim como sei que você não está sabendo disso por conta própria, presumo que por ser uma boa mãe, Gaia está te mantendo informado – o monstro não responde.
   Nix não ver muita vantagem nisso, não pelo menos para seus planos. Gaia é inteligente, mas não tem experiência, sempre dependeu dos outros para seus planos, e não representa ameaça para a noite. Mas tem muita coisa em jogo e Nix sabe que é mais inteligente do que Tifão, sabe como manipular ele melhor. Como a primeira deusa a surgir do primordial Caos, ela entende o que a solidão faz. Sabe que deve temer perder algum detalhe por conta de sua raiva, mas é algo que ela irá analisar com o tempo. Nix dar uma risada leve.
   — Você está falando como Cronos – Nix usa o nome do irmão de Tifão para atingi-lo. Tifão se remexe e seus tentáculos se dobram, comprimindo o ar. – você e Equidna geraram descendentes fortes. Admito que temo por alguns de seus filhos, não por mim, claro, mas pelo o que eles podem fazer – Nix levanta a voz, para que ele escute bem. – sei que se comandados bem, vocês conseguiriam muitas coisas, como dominar o Olimpo e fazer os deuses orarem por salvação.
   — Veio aqui me contar o que eu poderia fazer? – pergunta Tifão já irritado.
   — Vim para contar o que você pode fazer – ela rebate.
   Isso aumenta a ira de Tifão. Os ventos sopram furiosos, o vulcão acima deles explode em lavas, o chão treme com rigor. Nix não se importa com o vento quase arrancando sua capa, isso tudo agrada ela mais do que assusta, ela não se deixa intimidar. Jogar na cara de Tifão que ele pode fazer muita coisa, mas ao mesmo tempo não pode por estar preso por causa dos deuses, faz ele aumentar a ira e o ódio que sente por tais.
   E é isso que Nix quer.
   — Preciso de você – ela admite em meio ao vento.
   — A deusa primordial noite precisa de mim?
   — Não tanto quanto você precisa de mim para sair daqui – ela rebate.
   As palavras dela pairam pelo ar como ameaças. Tifão tenta se acalmar, mas o ódio ainda corre por suas veias. Ele gira novamente os punhos, para aliviar a tensão. Seus enormes e perigosos tentáculos parecem prender o ar ao se mexerem.
   — Então é você – ele diz com a voz pesada. – você é a portadora da próxima guerra.
   Nix franze as sobrancelhas. Ela já tinha planos para fazer o que pretende antes mesmo de ser pega pela maldição. Mas depois disso, as coisas mudaram. Os motivos aumentaram e ela não se importa com as consequências. São coisas que ela sabe que conseguirá lidar no final. Nix não quer uma guerra, pelo menos não acha que uma irá ocorrer com seus planos já em ação.
   — Só há uma guerra quando dois lados lutam para vencer – Nix diz erguendo o queixo, mostrando superioridade. Mesmo Tifão não olhando para ela, Nix sabe que ele sente a confiança dela. – nesse caso, já tem um lado vencedor.
   E então Tifão ri. A risada estranha e grave dele ecoa com tormentas, fazendo o chão tremer e o mar se agitar. A risada é antinatural, pois não é pra estar ali. Ela corta os céus e enfurece os ventos.
   A risada apavora mais do que a fúria de antes.
   Nix não entende o porque de ele estar rindo.
   Tifão não conta sobre o que sabe. A probabilidade terrível da reviravolta que rodeia o destino já decaído.
   E isso faz um calafrio passar pela Nix...
   ... De medo.

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora