Capítulo 14

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     A porta está lá, fechada, mas não trancada. Eu a abro e entro. Eu viro a esquerda e subo uma escada, e caminho mais algum pouco, claramente perdida. O lugar está vazio, apenas o frio passa pelos corredores. Até que de repente, dou de cara com a porta do meu quarto. Ela está entre aberta, eu coloco a cabeça para ver se tem alguém dentro, mas não vejo ninguém.
   Até que algo passa pela minha mente. Meu pai. Cadê ele?
   Por instinto, eu começo a correr. Os corredores parecem se alargar ao meu desespero. E eu não chego a lugar nenhum, não escuto vozes ou passos. Acho que a Nix não está no palácio. Eu grito por ele, mas não recebo resposta, meu coração bate rápido e eu encosto em uma parede cansada. Minha cabeça com a doer.
   — Quando vai parar de se preocupar com ele? – pergunta alguém. Eu me viro para encarar Hemera.
   Não vejo ela desde ontem. Ela está usando um vestido marrom claro longo e uma trança desce em suas costas. Ela me encara ao tempo em que me avalia. Seus olhos vasculham meu corpo, e sua boca se contorce em um pequeno sorriso.
   — Como foi no acampamento? – pergunta. – é um belo lugar. Acompanhei você o dia todo, vi sua lutinha contra a Ártemis. Você sabe que ela não usou nem um por cento da força verdadeira dela, não é? Se não você seria destroçada.
   — Isso não é da sua conta – retruco. As palavras saem rápido da minha boca.
   — Porque essa raiva? – ela diz franzindo uma sobrancelha.
   — Cadê meu pai?
   Ela revira os olhos.
   — Isso já tá chato – ela diz. – ele já é um adulto, não precisa que a filha cuide dele.
   Isso me atinge, pois tem um pouco da verdade. Eu me preocupo demais com ele, como se ele não pudesse cuidar de si mesmo. O que eu poderia fazer se um deus ou outra pessoa atacasse ele? Realmente, estou sendo chata em relação a isso. Meu pai é inteligente, sabe se virar, pode não ser forte, mas ele sabe contornar algumas situação usando a inteligência. Mas não deixo isso transparecer.
   — Como não deveria me preocupar? Os deuses são perigosos.
   — E porque um Deus iria querer matar ele? Qual a relevância?
   Uma onda de raiva passa pelo meu corpo, ela está dizendo que meu pai é insignificante? Cerro os punhos e enterro as unhas na palma da mão, para conter a raiva. Hemera respira fundo também, ela olha para os lados e finalmente me encara, por incrível que pareça, seus olhos parecem tristes. Seu rosto fica mais preocupado.
   — Sara, preciso falar com você. Eu não sei o que está acontecendo – ela diz com uma voz suave e tensa. Hesitante ela continua. – tem várias coisas erradas, mas eu quero te ajudar.
   Não consigo evitar uma pequena risadinha. Não confio nela e não sei porque ela disse isso, mas não acredito. Mas deixo com que continue.
   — Eu posso te ajudar a sair daqui – ela diz com o olhar tenso. – só tenho que saber o dia certo e o momento certo, sem que a nossa mãe descubra.
   — Sua mãe – retruco.
   — O fato é que, você só tem chance de sair daqui com a minha ajuda – ela diz séria.
   Avalio seu rosto, em busca de algum traço de ironia, alguma falsidade. Mas não encontro, se ela estar mentindo, sabe mentir bem. Uma parte de mim quer acreditar nisso, com ajuda da Hemera conseguirei realmente sair daqui. Mas não confio ainda. Quero ver onde isso vai dar.
   — Porque me ajudar? Você não é fiel à Nix? – me encosto na parede e cruzo os braços, tentando não parecer animada com essa ideia, apenas desconfiada.
   — Sou, mas agora sinto que estou sendo fiel às cegas, e eu também tenho princípios – ela balança a cabeça e solta um estalo de preocupação. – desde aquilo que aconteceu com ela, as coisas mudaram, Nix está diferente, está mais misteriosa, sei que ela tem planos, e eu temo isso.
   O tom de voz dela, me deixa preocupada. Não sei se o que a Hemera diz é verdade, mas sei que a Nix tem muitos planos mesmo, e não são bons. Se até a deusa do dia está preocupada com o que o futuro aguarda, quem sou eu pra não me preocupar?  Mas ainda assim, não posso confiar totalmente nela. Hemera caminha na minha direção confiante, ela para alguns centímetros de mim e me encara com seus olhos amarelos reluzentes.
   — Sei que não confia em mim, mas se quiser sair daqui vai ter que arriscar – ela diz. – não sei porque a Nix te quer aqui, mas não deve ser nada bom, temo que ela queira usar seus poderes para algo perigoso.
   E de repente, um pensamento passa pela minha mente. E se ela quiser libertar o irmão do tártaro? Não sei se sou poderosa para fazer isso ou pelo menos ajudar, mas ainda assim, posso ser uma peça importante. Ele não está preso lá a toa, ele é o Deus mais perigoso que existe, tanto que precisou de Zeus, Hades e Nix para que fosse preso, e mesmo assim, só derrotaram ele, porque usaram águas de alguns rios do submundo, deixando-a fraco e sem poderes.
   O que a Nix poderia querer com a liberdade dele, se ela mesma o prendeu?
   — Temo que seja isso mesmo – Hemera diz, me tirando dos meus próprios pensamentos.
   — O que? – pergunto confusa, piscando os olhos rapidamente. – Como assim?
   — Eu li seus pensamentos – ela diz com um pequeno sorriso. – Você pensa alto demais.
   A raiva passa por mim como uma onda. Não tenho privacidade nem na minha própria cabeça.
   — Não entre na minha cabeça – digo irritada. – Nunca.
   Hemera solta um pequeno sorriso.
   — Você exige muito contra quem tem mais.
   Realmente, Hemera poderia me destruir com uma simples pensamento, mas não o faz. Eu percebo que, trato os deuses como se fosse pessoas normais, não me sinto tão intimidada – além da Nix –, mas esse meu impulso ainda vai me fazer morrer.
   Acho que as histórias que meu pai contava, de certa forma me deixaram mais próximas deles, eu via os deuses com bons olhos, acho que essa inocência ainda se mantém em mim. Mas até agora já presenciei muito do lado ruim deles. Mas ainda assim, eu sei a história deles, sei quem são, e acho que isso tira a tensão.
   Mas ainda assim não me deixo enganar, eles são deuses, são perigosos. Governam a terra com mão de ferro. Fazem tudo funcionar, e são capazes de fazer tudo parar. Acho que parte dessa intimidade, se dar ao fato de eu não ter visto ainda o lado perigoso deles.  As palavras dela ainda ficam na minha mente, me rondando, pois eu sei que ter a ajuda da Hemera seria de suma importância. Mas não sei se devo confiar nela. As probabilidades são muitas.
   — E se eu conseguir sair daqui – pergunto. – o que impede que a Nix me encontre novamente?
   — Assim que você sair, irei alertar o olimpo sobre isso – diz. – os deuses terão que te proteger, ao menos te esconder, espero. O fato é que você não pode ficar aqui, de mão beijada para ela.
   Eu estico os dois cantos da boca, um costume que tenho quando fico em dúvida sobre algo. Hemera me encara, pacientemente. Analisando bem seu rosto, percebo que ela não tem nenhum traço semelhante ao meu. Ela é mil vezes mais bela, sem nenhum defeito. As luzes parecem se dobrar sobre seu corpo. Eu entro em um tipo de transe, admirando, até que do nada, eu digo:
   — Tudo bem, aceito sua ajuda – balanço a cabeça, tentando me livrar do transe. – não tenho muito a perder.
   Ela me lança um sorriso estranho.
   — Ah, tem sim – ela então ergue a mão na direção da parede e um portal se abre.
   Do outro lado, vejo meu pai na biblioteca, lendo um livro grosso. Ele se assusta ao ver o portal. Eu olho para Hemera, mas ela não está mais na minha frente. Desapareceu em questão de segundos. Sem opção, eu atravesso o portal e entro na mesma biblioteca de ontem. Ele se levanta e me dar um abraço.
   — Que bom que você está bem – diz com os braços no meu redor.
   Eu não respondo. A sugestão da Hemera ainda afunda na minha cabeça, a probabilidade de Érebo sair do tártaro, o acampamento, a possibilidade de uma guerra. Em apenas dois dias de descoberta sobre quem eu realmente sou, estou cercada de confusão. Eu encaro meu pai e com a voz fria e cheia de questões, digo:
   — Temos que conversar.

    

Nix - A dama da noite Vol.I Onde histórias criam vida. Descubra agora