Um... Dois... Três... Puxo o ar... Um... Dois... Três... E o solto.
A dor não para de me acompanhar, aconchegando-se nesse ambiente turbulento e nos gritos que escapam tão desesperadamente da minha boca, rasgando minha garganta ao saírem e perturbando minha alma.
O suor escorre desde a raiz do meu cabelo, contornando meu rosto e pingando em meu peito.
Mais um grito me escapa.
Minha garganta parece já não ter força, minhas cordas vocais agora ecoam apenas um som rouco como trovões em um dia de chuva. Fazer força dói. Dói como pisar em cacos de vidro sabendo que eles cortariam minha pele. É o que sinto! Como se minha pele estivesse sendo rasgada, arrancada do meu corpo lentamente e nada, nada me dá foco.
Não sinto dor pelas contrações aguadas ou o choro desesperado de Katherine e mamãe. Não sinto dor pela criaturinha saindo tão lentamente de dentro de mim e gritando para o mundo com um choro agudo que está aqui. A dor, que sinto corroendo minha alma e tornando meu tormento maior, é porque não posso simplesmente olhar para essa pequena criatura e sentir o amor que esperam. Não consigo me virar para ela, pegá-la em meus braços e fazer o que as pessoas ao meu redor tanto queriam.
— Ana, por favor — mamãe implora, com a sua voz já fraca — apenas tente.
— Só a leve para longe de mim.
— Ana...
— Por favor.
— Querida — insiste mais uma vez: sua última tentativa depois de nove meses longos lutando para que eu acreditasse que posso fazer isso, mas não posso.
— Tire-a daqui, tire-a daqui!
— Anastásia...
— Mamãe, chega — Katherine grita, tomando o seu lugar e me envolvendo como um escudo humano, capaz de me proteger de qualquer mal — você não acha que ela sofreu demais? Já chega! Já chega!
Mamãe não insiste mais.
A única coisa ecoando pelo quarto é o chorinho insistente de alguém que está perdida nesse mundo novo, sem o colo da sua mãe para lhe acalentar e o seio para saciar. E embora, durante nove meses, eu tenha lutado constantemente, dizendo para mim mesma que poderia fazer isso, não consigo. Agora é claro que meu coração está quebrado demais para isso e nesse momento não posso ser o que essa criaturinha precisa.
Sequer consigo olhar para o seu rosto, embora imagine que seja como olhar para um anjo. Infelizmente, me encontro nas trevas e não quero ser a pessoa que vai estragar sua vida, transformando em escuridão tudo o que é luz.
Não posso estragar a vida de mais uma pessoa.
— Você tem certeza disso?
A voz de mamãe ecoa longe – da porta talvez – como o choro do pequeno bebê.
— Mamãe, já chega — Lucca resmunga para ela, irritando com a insistência.
— Ana... Você sabe que uma hora vai se arrepender e a sua filha ainda vai estará por você. Ela sempre estará.
Mas eu não sei se vou estar aqui para ela.
Não posso conviver com alguém assim, sabendo que é totalmente dependente de mim, porque não sou capaz de destruir um coraçãozinho tão puro. E se há algo que sei sobre mim: é que uma hora ou outra, acabo machucando as pessoas ao meu redor.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Meu Pequeno Ponto Seguro
FanfictionApós uma vida infeliz, que começou ainda na infância com a partida do seu pai e o buraco que sua ausência causou, Anastásia se isolou do mundo, encolhendo-se em uma bolha de sofrimento que parecia que iria durar pela eternidade. No auge da dor, cans...