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M nunca foi de fazer amigos. Às vezes se sentia só, mas optava por não mudar seu jeito. Nunca sabia como falar com as pessoas, nem mesmo lidar com elas. Passou a maior parte de sua vida escolar assim, vivia para suas aulas particulares de violino desde os sete anos, e por isso nunca havia sentido essa necessidade de socialização, sua vida era dedicada ao instrumento.  De certa forma, sentia como se fosse uma espécie de autopreservação, como uma lagarta em um casulo... só que nesse caso ele se negava a virar uma borboleta. Por isso, prezava a amizade de seu único amigo na escola, o garoto magricela de cabelo cacheado, que havia lhe sussurrado aquelas palavras na sala de aula... Ele parecia de alguma forma... saber o que M estava passando.
O alarme de fim do intervalo tocou despertando o garoto de seus pensamentos. Os alunos começaram a lamentar o pouco tempo de intervalo seguindo em direção as escadas para irem para as suas salas. Todos andavam, exceto um garoto. Seu amigo permanecia parado no meio do pátio, o encarando por debaixo de seus óculos de grau.

- Vamos para a sala... – Disse M ao alcançar seu amigo, que parecia não responder a nenhum comando.

Seus olhos permaneciam assustados, vidrados, e isso começava a assustar mais M. Todo o pátio estava vazio, mas por algum motivo desconhecido seu amigo parecia fitar algo em uma expressão de terror atrás de si, como se observasse o horizonte. M não conseguiu se forçar a olhar para trás e se convencer de que não havia nada ali... Ele parecia ouvir o barulho de um suspiro pesado, como se todos os outros sons ali agora houvessem se dissipado e somente aquela respiração arrastada e pesada estivesse ali... se aproximando.

Um grito dilacerante cortou o ar.

M e seu amigo correram em direção ao som daquele grito feminino de terror, adentrando a ala da escola onde haviam as salas de aula. Os dois corriam rapidamente subindo as escadas somente para ver a trilha de sangue pelo corredor, que manchava o chão diretamente para o lugar onde um grupo de pessoas se amontoava, alguns choravam, outros gritavam de pavor ou permaneciam estáticos pelo trauma. Com o coração acelerado ele abriu caminho entre a multidão e viu o número 7 talhado na porta de madeira, e um corpo coberto por uma das cortinas da sala. Somente uma mecha ruiva pendia exposta para fora do pano...

Havia acontecido...

Uma morte na sala 7.

M trincou os dentes, lágrimas escorriam pelo seu rosto enquanto a ambulância retirava o corpo sem vida do local. Aquela noite ele não havia conseguido dormir. Suas pálpebras estavam pesadas mas o sono não o abraçava, olhando para a case preta de seu violino sobre a cama ele teve o súbito pensamento de tocar. Tocar por ela... tocar pela alma dela, oferecer seus sentimentos. Qualquer pessoa normal rezaria pela alma da pobre menina, mas ele era músico e sentia como obrigação tocar para que suas notas a alcançassem. Sua mão deslizou o zíper do case revelando o belo instrumento de cordas sutis e cor  avermelhada, que em seguida era posicionado sobre sua clavícula, enquanto sua mão direita brandia o arco no ar até alcançar a primeira corda.

- Descanse em paz... – disse ele enquanto pressionava os olhos.

Nunca fora bom de palavras, mas todo seu sentimento se manifestava através da música. Ele começou a tocar Tchaikovsky – Pas de Deux – The nutcracker se perguntando se era uma escolha apropriada para a situação.
Seu arco deslizava e se chocava contra as cordas transmitindo seus mais doces e sinceros sentimentos. Ele não era amigo próximo da garota, mas ele a conhecia. Uma menina sempre animada, sempre de bem com a vida... Deveria ter sido ele...
Seu arco descia e subia firme pelas cordas, sua mão direita estava enrijecida... Ele sentia tanto... lembrava que uma vez ela havia tentado puxar assunto e ele a ignorou. E se eles fossem amigos? 
O som do violino sozinho na música dava a impressão de que ela soava triste, ao contrário de como ele a interpretava. O som do acompanhamento do piano e orquestra logo vieram em sua mente como se estivessem tocando juntos em um concerto... Como se todos também se compadecessem pela perda. As notas começaram a ficar mais rápidas e enfurecidas... Ele se sentia culpado... Era culpa dele. O arco descia e subia violentamente pelas cordas enquanto seu cabelo negro esvoaçava com o movimento que seu corpo fazia. Uma última nota lisa e tranquila foi lançada ao ar. M deixou cair o arco de sua mão e desmoronou no chão em lágrimas.

Desde então, ninguém tocou no assunto e os dias de luto na escola começaram. O céu brilhava em um resplandecente azul e tudo pareceria excepcionalmente bonito se nada disso tivesse acontecido na sala 7. M havia pensado em diversas teorias para o que tinha acontecido. Haviam passado dois dias e desde então ele não recebeu mais nenhuma mensagem.
Na época que recebeu as primeiras mensagens misteriosas, ele pensou em deixar o celular em casa e não abrir mais nenhuma delas, mas sempre que fazia isso, parecia ver algo por trás de tudo... às vezes no reflexo do espelho, às vezes dentro da escuridão, e isso passava a atormentá-lo mais do que as próprias mensagens. Exceto aquela última mensagem... Aquela maldita última mensagem.

Seu celular vibrou...

Os olhos escuros de M se arregalaram e ele começou a ignorar as mensagens enquanto escrevia em seu caderno... Todos permaneciam parados, olhando o maestro guiar a orquestra, todos eles iguais, todos aqueles zumbis permaneciam parados e ninguém percebia nada... Ele queria gritar, pedir ajuda mas ninguém o entenderia...

Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro
Socorro

M escrevia incessantemente até rasgar o papel de seu caderno. Uma gota de suor havia caído sobre a tinta da caneta, ela havia ganhado o prêmio. M queria ser como aquela gota... e explodir. Seu amigo dessa vez não o olhava... Sim! Se ele pudesse responder ao seu amigo agora, diria que tem sim alguém o observando... mas de nada adiantaria, ele não queria ser recebido novamente em sua sala com um tapete vermelho de sangue. O garoto se levantou seguindo em direção ao banheiro. Enquanto molhava seu rosto com a água fria da torneira, permanecia debruçado na pia tomando coragem para olhar seu celular.
Logo o número começou a chamar em seu celular e M não suportava a ideia de ouvir a voz dele. Então recusou a ligação e observou a tela do celular. Ali havia várias mensagens recebidas e, olhando atentamente, começou a lê-las mentalmente.

"Como vão as aulas?"

"Espero que goste de animais..."

"Feche a janela quando for dormir, vai fazer frio essa noite"

"Espero que goste de espelhos"

Um frio percorreu a espinha do garoto, que agora se sentia perturbado naquele banheiro vazio cheio de azulejos brancos e uma luz fluorescente que vez ou outra piscava. M desceu a barra de rolagem do celular para ver as outras mensagens... Ele definitivamente não queria continuar lendo... O que veio a seguir o fez estremecer...
Uma foto dele próprio na sala de aula enquanto mexia em seu celular... Mais uma foto no corredor, e outra... na porta do banheiro antes de entrar...
Alguém estava ali... Naquela escola o vigiando.
O garoto que estava agora com as mãos trêmulas segurando aquele celular ouviu o barulho da porta do banheiro se abrindo lentamente... A luz permanecia piscando. Uma respiração arrastada e pesada inundou o espaço. Pressionando as costas contra a parede, M sentiu seu corpo pesar deslizando até que ele se encontrasse encolhido no chão, segurando o celular com força em uma mão enquanto sufocava o choro com a outra ao tapar a sua própria boca... Por um momento o som da respiração parou.

Seu celular vibrou.

M recebeu uma última mensagem naquele mesmo instante...
                
     
      "Você está sendo observado"

Quando ele levantou o olhar já era tarde demais...












Olá people! Aquele climinha de mistério encerrando o segundo capítulo. Me digam o que acharam, mandem estrelinhas, pois adoro constelações kkkkk Amoooo ler teorias então podem mandar sempre que quiserem nos comentários.  Deixei o vídeo da música que o M toca lá em cima no vídeo. Sei que pode parecer engraçado os nomes em letras mas não consigo imaginar de outra forma os meus bbs 💖 Até semana que vem galera!

5 DaysOnde histórias criam vida. Descubra agora