Arquivo 2

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" O mundo é tão bonito...
...ver tudo ao redor florescer, crescer e se fortificar..."

" Sim, deve ser..."

" Tudo ao redor se transforma, não é lindo? "

" Sim é... o que sinto por você também se transforma a cada dia".

" Promete que nunca irá esquecer de mim...
...aconteça o que acontecer?"

" Por que isso tão de repente?"

" Um medo bobo...
...já sentiu como se estivesse sendo...
observado?”

O dia havia apenas começado para F. O som enlouquecido de seu alarme sobre a cabeceira de mogno tinha lhe despertado de um sonho confuso, que para ele no momento eram apenas imagens embaçadas, assim como a vidraça de seu quarto naquela manhã de inverno. Ainda criando forças para se levantar e sair do conforto de suas três cobertas, que o enrolavam em uma espécie de casulo, o rapaz conseguia sentir as sensações daquele sonho quase incompreensível. Ele estava sentado, com as costas no tronco de uma árvore frondosa com enormes galhos folheados, enquanto conversava com alguém que estava entre seus braços, encostado em seu peito, a quem ele abraçava fortemente. Seus olhos se abriram encarando o teto descascado. O que mais o deixava inquieto naquele momento era o fato de não lembrar o rosto da pessoa que ele conversava; a pessoa que ele abraçava fortemente. Isso o deixou perturbado, parecia que ele estava deixando um detalhe muito importante ser esquecido... parecia que faltava algo.
      O som estridente do alarme voltou a tocar e parecia querer estourar seus ouvidos. O garoto de mau humor sabia que aquela ideia de despertador monstro não daria certo desde o início.
Hoje é dia primeiro! Hoje será um grande dia! – Dizia o relógio digital repetidamente sobre sua cabeceira.

- Que droga! Vai berrar no inferno! – Disse ele jogando o objeto verde contra a parede. Molas e ponteiros agora jaziam no chão.

F se levantou. O cômodo de seu quarto tinha cores frias e, apesar de estar amanhecendo, permanecia escuro, coberto pelas grossas cortinas que impediam a passagem dos primeiros raios solares. Uma angústia parecia se instalar em seu peito, seu corpo estava cansado e sua cabeça doía um pouco. Seguindo para o banheiro, o rapaz lavou o rosto e se olhou no espelho. Observou que tinha olheiras de quem acabou de acordar, que ficavam em contraste com sua pele branca, e que sua barba havia crescido rápido. Cresceu muito rápido dessa vez – notou passando a mão pelo maxilar quadrado enquanto tirava a roupa e deixava a água do chuveiro cair em uma torrente sobre seu corpo.
Indo em direção à janela ele pôde imaginar que o dia não faria frio. O céu estava saindo de um tom de azul para o branco; estava bonito, mas de certa forma uma melancolia se assomou àquela atmosfera. Então vestiu uma calça jeans preta, uma camisa azul social de botões e, por via das dúvidas, colocou um casaco jeans marrom dentro de sua mochila. Estava pronto para sair, mas parecia esquecer de algo...
Sua mãe estava dormindo, seu pai estava viajando a negócios, seu irmão mais velho não morava mais ali há uns 3 anos após se casar e seu outro irmão... F sacudiu a cabeça, tentando não pensar nele. Mas algo importante ainda parecia faltar. O relógio digital na parede marcava seis horas da manhã em um vermelho forte. Instintivamente ele retirou o celular do bolso e esperou receber alguma mensagem... algo. Como se ele esperasse um bom dia de alguém, mas isso não fazia sentido para ele. F se sentou na cozinha e parou para raciocinar melhor. Parecia faltar alguma essência especial em tudo. O que estava acontecendo? Será que ele deveria persistir em procurar por algo que seria apenas uma cisma? Será que deveria perder seu tempo ali sentado só porque não havia recebido uma mensagem de bom dia? Logo ele se deu conta de algo... O que havia feito nos dias anteriores? Ele não se lembrava. Sua mente parecia uma página em branco, como se nada estivesse escrito ali... Ou como se algo houvesse apagado o que havia ali.
             Ele lembrava de ter começado a tocar violino, mas por que?  Ele nunca pensou em tocar aquele instrumento. Alguém o tinha despertado esse interesse... mas quem? Ele pensou em seus amigos de trabalho e em seus amigos de infância, V e G. Eles poderiam ajudá-lo a entender ou, pelo menos ouvi-lo. Mas ao ver o horário no relógio, ele se despertou daqueles pensamentos profundos que o afogava em dúvidas e saiu de casa.
          Andando pela rua pavimentada, pequenas imagens lhe passavam na cabeça. Tão rápidas e embaçadas que eram incompreensíveis para ele. Podia ver um cordão de prata, um garoto de cabelo negro e comprido sorrindo para ele e vários amigos à sua volta.  Logo depois, F se viu deitado enquanto alguém beijava sua testa. Ele parou no meio da rua. Nada estava fazendo sentido.
E então tudo começou.
Neve, risos e um agradável aroma de café que pairava naquele ar gélido.
Uma figura vestida de branco passou ao seu lado, o cabelo negro esvoaçante e os passos incertos na calçada. Lhe remetia à lembrança da pessoa que sorria para ele nas imagens de sua mente. Impulsivamente F se virou chamando o garoto sem nem mesmo saber o que estava fazendo.

5 DaysOnde histórias criam vida. Descubra agora