O som leve, quase imperceptível como uma brisa de verão sendo soprada, o doce aroma de café e risos contagiantes de um grupo de meninas na mesa ao lado tornavam a cafeteria aconchegante naquela hora da manhã. A garota à sua frente remexia seus cabelos ruivos enquanto parecia fitar o nada com sua visão perdida. Um nada que anuviava seus pensamentos, que pela primeira vez se mantinham distantes e calmos. F a olhava intrigado e, de certa forma, achava cômico ver que a bateria dela parecia ter chegado ao fim. Os olhos esverdeados da menina vasculhavam o céu cinza e monótono, mais um dia comum, nada fora do lugar... mas esse dia era diferente.
- Dia 4 de abril - F disse a despertando de seus pensamentos. - Hoje é dia 4, você me disse para eu não esquecer... O que tem de tão importante hoje? Seu aniversário?
- Não! - A garota riu ao colocar uma mecha de seu cabelo por trás da orelha. Mas seu sorriso parecia cansado, ela demonstrava preocupação com algo. - É só... bem cinza não acha? Parece que vivemos em um filme preto e branco... nesses dias nada tem cor.
Fazia sentido. O céu se mantinha bem cinza ultimamente. Mas ao contrário do que aquela menina dizia, agora algo havia acrescentado cor aos dias de F... alguém. Apesar do comentário fazer sentido, ela não respondia a pergunta do rapaz.
- O que tem de tão importante hoje, I?
A garota não o encarava. Permanecia olhando pela vidraça ao seu lado carros que iam e vinham. O ambiente estava quente e o som de música erudita permanecia envolvendo aquela atmosfera. I parecia estar em um próprio conflito interno nesse momento.
- É só um dia importante. Irei fazer uma prova muito importante, estou com medo.
- Você vai se sair bem! - Disse F com um enorme sorriso tentando passar confiança. A garota o olhou soltando uma risada. - Se tudo der errado, ainda sim podemos nos balançar nos balanços no fim da sua aula?
Ela riu novamente, agora com mais autenticidade ao perceber que F havia repetido a frase que havia dito a ele mais cedo.
- Esse brinquedo não era para crianças? - Disse ela piscando ao se levantar da mesa de madeira. Havia sido relaxante estar com ele aquele dia antes de sua prova final, mas agora precisava correr para conseguir entrar no segundo tempo de aula sem que ninguém percebesse. - Preciso ir!
Os dois se levantaram e seguiram até a saída, onde receberam uma rajada de ar gélido que parecia ser capaz de lhes congelar os ossos. A pouca movimentação na rua o fazia lembrar das cidades fantasmas dos filmes de terror que via quando pequeno. Antes que seguissem seus caminhos diferentes, a menina sorriu e o abraçou bem forte. F se surpreendeu pela ação repentina, mas retribuiu ao abraço.
- Nos vemos então daqui a pouco nos balanços! - Ela disse enquanto se afastava sorridente.
- Nos balanços! - F confirmou e então se virou para seguir seu caminho.
Os dois se despediram e cada um foi para um lado. Passar o dia falando sobre besteiras como escola e jogos foram tranquilizantes, por um momento ele pôde se sentir apenas uma pessoa normal em mais um dia comum. Porém ao continuar andando pela rua movimentada, sentiu a impressão de ouvir passos o seguindo. Ao se virar, deparou-se com a calçada completamente vazia.
Com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta, tornou a seguir seu caminho confuso. Estava completamente sozinho ali, então por que ainda assim tinha a sensação de que alguém o seguia? Seus pensamentos se alarmaram ainda mais ao ver um vulto refletido no para-brisa de um carro à sua frente. “Tem alguém aqui!”, pensou. Começou então a aumentar sua velocidade de forma discreta e sem virar para ver quem estava ali. Os passos que o seguiam antes discretos, agora se tornavam barulhentos, mostrando a intensidade que a pessoa se dirigia até ele... F escutava os passos apressados com aflição, não havia mais ninguém ali para que pudesse pedir socorro, não havia saída.
Sem pensar duas vezes, F arrancou apressado, correndo o mais rápido que podia. Conseguiu ouvir um estrondo que vinha de trás de si – era o barulho de uma lata de lixo sendo derrubada no chão. Fosse quem fosse, agora estava seguindo seu exemplo de correr rapidamente. Ao contornar a esquina, adentrou um enorme galpão. O local era um entulhado de enormes caixas lacradas e alguns guindastes, tudo coberto de poeira e com um cheiro extremamente forte que irritava suas narinas. O rapaz, ainda aturdido, apressava-se agora em se esconder atrás de umas caixas. Com o coração a mil por hora, o som de passos não parecia ter o alcançado. Ele havia conseguido despistar seu perseguidor... ou era assim que preferia acreditar...
Alguns minutos se passaram, o suficiente para que seus músculos pudessem relaxar, e o som de passos pareceu reverberar naquele local vazio, onde até a respiração de F parecia ressoar. A crise alérgica do rapaz estava quase alcançando seu estopim em meio àquela confusão de poeiras e caixas. Seu corpo parecia completamente vulnerável pelo medo naquele momento.
Os olhos amendoados de F oscilavam em breves momentos pelas frestas entre as caixas para tentar ver algo. Somente uma sombra se esgueirando pelos cantos se mostrava visível, apesar de seus esforços. Seu suor pingava enquanto ele ouvia o som dos passos se aproximarem lentamente. Era aquele momento... não adiantava mais lutar contra aquilo... porque ainda o fazia afinal?
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