Arquivo 8

562 122 66
                                    


- Não! Não! – As palavras saíram entrecortadas pela respiração ofegante do rapaz que ainda fitava horrorizado aqueles escritos que pareciam querer saltar da carta em suas mãos, respingando seus resquícios de tinta azul da caneta esferográfica nas palmas trêmulas de suas mãos.

Algo fora do comum estava acontecendo. Todo seu corpo parecia pulsar.  Deixando a carta cair de suas mãos naquela mesma calçada, o jovem não esperou uma linha de raciocínio ser formada e, por impulso, saiu correndo o mais rápido que pôde. Alcançou a porta de madeira por onde tinha acabado de sair uns minutos atrás. O tapete verde de entrada exibia uma bela frase convidativa "seja bem-vindo", que soava como uma ironia da atual situação em que se encontrava. Seu dedo agora tocava insistentemente a campainha enquanto aguardava a senhora. Nenhum mínimo sinal de resposta.
Terra caía sobre o chão de entrada, fazendo o pobre tapete verde se engasgar com aquelas palavras que ele exibia, que agora não pareciam ser tão agradáveis. Quanto mais o tempo passava, mais aflito ficava F, que agora balançava a perna chocando o solado de seu sapato contra o piso, o que contribuía para o soterramento do "seja bem-vindo". O olho mágico da porta o encarava, como uma pequena lente de uma câmera. Parecia ser apenas mais um lembrete que o dizia que não importava para onde ele fosse, continuaria sendo observado... Um forte som abafado no interior da casa se fez presente e a audição aguçada do rapaz pareceu ouvir sons violentos em seguida se sobreporem... 
Pegando impulso, ele fez seu corpo ser lançado contra a porta, arrebentando-a. Pedaços de madeira pendiam caídos ao chão, enquanto a porta pendurada expunha a fechadura entortada. Seu braço doía com o impacto. Ainda desorientado, o rapaz se levantou sem se importar com a  dor e tontura que se assomavam e prosseguiu adentrando a casa até encontrar a senhora de costas na cozinha, com um facão de legumes na mão. Sem reação, o jovem permaneceu parado na entrada do cômodo até ver a figura à sua frente se virar para ele, sorrindo em seguida.

- Está tudo bem? Ouvi barulhos fortes pensei que... - foi F quem quebrou aquele silêncio incômodo.

A mulher ficou parada no mesmo local e o sorriso permanecia ali. Os olhos azuis pareciam vazios e completamente fatais, como se pudesse matá-lo com o seu olhar. F estremeceu.

- Estava expulsando um rato da minha cozinha, obrigada por se preocupar.

Sua voz saía de forma calculada e ele podia sentir um pingo de ironia disfarçada ali. A mãe de V agora o encarava com uma feição maliciosa e irônica, enquanto balançava o facão de um lado para o outro. Ainda assustado, F a via caminhando a curtos passos em sua direção. Antes que pudesse alcançá-lo, ele retirou novamente a foto de V do bolso, esticando o braço para que ela pudesse ver a filha. A mulher parou no mesmo lugar. Dessa vez não pegou os óculos para identificar a pessoa ali na figura.

- Reconhece? Reconhece sua filha?

- Não, não reconheço. - Dessa vez a senhora não apresentou o mínimo de incômodo.

No canto inferior esquerdo da cozinha, pôde ver os óculos dela caído com a lente quebrada...

- Você ia espantar o rato com um facão? - Perguntou desconfiado, tentando analisar o resto daquele cenário que parecia esconder uma série de pistas sobre o que poderia ter ocorrido ali.

- O facão não era para o rato... - Ela respondeu voltando a se aproximar.
Antes de se virar para sair dali, F conseguiu ver a cortina da cozinha balançar com o vento; as janelas ali estavam abertas. Prosseguiu andando com um frio na espinha para sair daquele cômodo... Três quadros enormes da sala de estar haviam desaparecido da coleção. Aparentemente não havia ocorrido nada com a senhora e parecia estar tudo normal. Mas algo dentro de F o impedia de acreditar que estava tudo bem.
Antes de ultrapassar a porta danificada para sair da casa, sentiu uma mão o segurar firme… E, olhando para trás, conseguiu ver os olhos azuis da senhora que agora segurava seu braço com força.

5 DaysOnde histórias criam vida. Descubra agora