Arquivo 5

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Saltando do ônibus, F, ainda atordoado, tentava sem êxito se acalmar. Na rua em que ele se encontrava havia alguns prédios espelhados paralelos uns aos outros. Um pequeno pássaro de barriga amarela bicava um pedaço de pipoca próxima ao calçamento. A cabeça do rapaz latejava ao sentir o cheiro de nicotina que exalava do cigarro de uma senhora que passava nesse momento por ele, seu nariz era sensível àquele cheiro forte. Ali a movimentação ainda não estava em seu auge devido ao horário. Ele não estava exatamente no centro da cidade, mas de onde estava poderia chegar em sua antiga escola e no trabalho de V se quisesse. O súbito pensamento de ir ao trabalho de sua amiga o instigou. Alguém deveria saber de algo lá. A passos largos, ele seguiu até o trabalho de sua amiga: o grande laboratório de ciências e tecnologia que era o maior orgulho dela. Passando pela porta automática de vidro, foi até a recepcionista que ficava por trás de uma bancada de madeira lustrada. A mulher, de traços orientais e que ostentava uma fina boca tingida de vermelho vivo, acabava de digitar algo no teclado até olhar para ele, que permanecia parado à sua frente esperando ser notado.

- Pois não? - Disse a moça, levantando uma fina sobrancelha quase extinta, o questionando.

- Gostaria de falar com uma funcionária...

A mulher agora tinha voltado com o som irritante de seus dedos, com as unhas também vermelhas, a teclar continuamente não olhando mais para ele.

- Qual o nome?

- V! Ela trabalha no sétimo andar... Foi aprovada no concurso... - F foi cortado abruptamente pela recepcionista antipática.

- Não trabalha ninguém nessa empresa com este nome, você deve ter se enganado senhor.

- Nãoooo! - gritou ele ao esmurrar o balcão, assustando a mulher à sua frente que arregalou os olhos. Agora podia ouvir um burburinho, que se formava atrás dele, de pessoas que estavam sentados nos sofás de espera.

- Não estou enganado! Você está! -
Ele continuou gritando com voracidade, e isso o assustava. Nunca havia escutado sua voz dessa forma... Nunca havia visto o olhar de pavor de alguém com medo dele...- Ela trabalha aqui! Eu quero a V de volta! - Ele continuou esmurrando o balcão até ser puxado violentamente pelo braço por dois seguranças que o arrastaram até o lado de fora e o jogaram para fora do prédio.

Para sua sorte, ele havia caído sobre um gramado que amorteceu sua queda. Seu corpo doía, mas o que mais doía era saber que ela já não estava mais ali... Ele perdeu V.
Ninguém se lembrava dela, todos os vestígios de que um dia fora real foram apagados da noite para o dia. Mas o que poderia mexer com as lembranças das pessoas e apagar os vestígios de alguém tão rápido? Será que estava perdendo sua sanidade? Ele não sabia...
Mas de algo ele tinha certeza, não iria desistir, até descobrir tudo... F se levantou do gramado e seguiu correndo para a casa de V.
A grande casa amarela permanecia no mesmo lugar; seria um vestígio muito difícil de ser destruído tão rápido. Ele chegou até a porta da casa, onde nada parecia diferente. Ao tocar a campainha, ficou ali esperando ser atendido. Não demorou muito para que a mãe de V aparecesse na porta o convidando para entrar. Um alívio preencheu seu pulmão de ar novamente, a mãe dela estava ali, da mesma forma que sempre esteve... A senhora de cabelos grisalhos, que parecia usar um chale em torno dos ombros, tinha acabado de colocar seus óculos e com seu sorriso terno se sentou em frente ao garoto na poltrona da sala e disse.

- Olá meu jovem, então você é amigo de V?

- Sim, sou eu F! Já se esqueceu de mim? - disse F rindo aliviado por saber que V estava bem.

- Me desculpe, a idade vem chegando e minha cabeça já não lembra muito bem das coisas. A V está no quarto dela lá em cima, pode subir. - disse a mãe, que havia acabado de mudar o tom de voz agradável para algo mecânico, olhando fixamente para o espelho atrás de F.

5 DaysOnde histórias criam vida. Descubra agora