O cheiro de café sendo preparado despertou F. Seu quarto permanecia a mesma zona do dia anterior. Na penumbra ele podia ver o pobre despertador verde espatifado no canto da parede. Ele se limitou a pegar somente sua roupa de trabalho em meio à desordem e abriu as cortinas deixando seu quarto ser tingido com cores mais quentes, apesar da pouca presença do sol no céu naquela hora da manhã. Seus pensamentos sempre demoravam para se organizar assim que acordava. Vez ou outra ele sentava na ponta da cama e ficava parado com o rosto deitado entre as mãos, enquanto se preparava mentalmente para mais um dia; dessa vez ele sentia seu corpo tão pesado que nem se importou com nada e foi direto ao banho. O céu começava a dar seus primeiros sinais de luz ao mesmo compasso em que sua mente começava a clarear, em meio à nuvem de vapor d’água que se formava ao seu redor. A água quente do chuveiro percorria suas costas largas, com a pele branca levemente tingida de sardas naquela região. Seus olhos permaneciam fechados enquanto em flashs rápidos ele recordava o dia anterior. Seu celular sobre a pia de granito, começou a tocar cânon de Pachelbell. Os olhos cansados de F se abriram no mesmo instante; ele havia recebido uma mensagem. Suas mãos calaram o som da cascata que caía sobre ele. Seus pés fizeram curtas poças d'água ao sair do box indo em direção ao celular. Uma mensagem de bom dia estava lá, e no mesmo momento um sorriso se desenhou em seu rosto, apagando suas memórias obscuras do dia anterior. Ele respondeu M e, após se vestir, seguiu para a cozinha no mesmo momento em que sua mãe arrumava a mesa para o café da manhã. Sua mãe, com seus poucos fios brancos em meio àquela vastidão de cabelos escuros presos em um rabo de cavalo, não aparentava os seus quase 50 anos, tanto em aparência quanto em personalidade. Ela sorriu para ele ao perceber que ele a olhava.
- Bom dia querido! – Disse ela de forma suave à medida em que se sentava e cortava uma fatia de bolo de fubá para ela.
Aos poucos o rapaz começou a relembrar da conversa que teve com sua amiga por telefone no dia anterior enquanto devorava um pedaço de pão. Como ela deveria estar agora? Ele esperava que mais calma. Foi difícil para ele dormir àquela noite, mas finalmente a necessidade básica de seu corpo havia se encarregado sozinha de derrubá-lo no mais profundo sono. Mesmo assim ele não deixava de se sentir preocupado com sua amiga V. "Eu vou ficar bem". Aquela frase foi o que mais preocupou F. O que poderia estar deixando sua amiga tão atormentada? Ele estava se sentindo tão incapaz naquela situação toda, tão incapaz em poder ajudá-la. Sua mãe analisando sua expressão distante de preocupação se antecipou.
- O que houve?
- Estou preocupado com a V... Ela estava indisposta ontem. – disse ele, omitindo boa parte dos acontecimentos enquanto desviava o olhar da direção dos olhos esverdeados da mãe, pois sabia que ela notaria algo.
- Quem? – Perguntou ela passando geleia em uma torrada.
- A V, sabe... aquela garota que vem aqui em casa desde o que? Desde quando eu tinha 8 anos? – F riu ao terminar a frase, mas seu sorriso se perdeu quando ele viu o semblante confuso de sua mãe, com suas sobrancelhas juntas revelando uma das raras rugas de expressão que ela havia adquirido com o decorrer dos anos.
- Não lembro... – Disse a mãe finalizando aquele assunto e começando a falar sobre como havia planejado uma excursão com as amigas para suas próximas férias.
Mas F não escutava nada. Seus devaneios estavam distantes... Era impossível ela não lembrar de sua única amiga durante toda sua vida, a pessoa que mais esteve de seu lado desde a morte de seu irmão.
Havia acontecido novamente.
O ambiente por um momento pareceu se distorcer assim como um universo paralelo daqueles filmes de fantasia. Mas aquilo não era uma mera imaginação. Era a mais dura e crua realidade. Tentando não transparecer mais de seu terror, o garoto se levantou da mesa e pegou a alça de sua mochila carteiro se despedindo de sua mãe, que não pareceu entender muito bem o motivo de sua partida repentina.
Dentro ônibus, F tentava encontrar o número de V em sua lista de contatos, nada. As pessoas ali dentro pareciam todas inquietas o olhando vez ou outra, como se algo estivesse errado.- O que está acontecendo? – sussurrou ele em um tom desolado, enquanto procurava em vão mais uma vez o número de sua amiga na discagem rápida.
A menina sentada ao seu lado olhava para ele de rabo de olho enquanto tentava escrever em seu diário. O som agudo do sinal de ônibus assustou F. Ele lembrava do número de sua amiga de cabeça e agora tentava digitar os números com seus dedos estremecidos. Por algum motivo a operadora dizia que aquele número não existia... Como? Um dia atrás ele havia conversado com sua amiga através daquele mesmo número... Como ele deixaria de existir em menos de um dia? A cada tentativa mal sucedida, ele percebia pequenos olhos esguios que o encaravam. As janelas do ônibus estavam embaçadas pelo lado de fora, resultado da umidade climática que se instalava na cidade cinza. A menina ao seu lado escrevia freneticamente em seu diário rosa e aqueles olhos invasivos das pessoas no ônibus pareciam holofotes sobre ele...
Ele desviou o olhar decidido a não demonstrar sua aflição. Remexendo sua lista de contatos, decidiu ligar para G. Se havia alguém que definitivamente não esqueceria de sua amiga, alguém certamente seria ele.
Então ligou para seu amigo G....
...- Alô G!
- Fala F! Qual é a boa?
- Bem, eu queria saber se a V mudou de número. – Disse, enquanto logo em seguida reparava que a menina albina ao seu lado tinha parado de escrever. A caneta pendia suspensa no ar.
- Quem é V?
- Cara é sério, não estou com tempo para brincadeira. V nossa amiga tímida de óculos e cabelos curtos. – Disse ele com um sorriso nervoso. O som estridente do sinal de ônibus havia tocado novamente. Ele lhe parecia estranhamente um grito e toda vez que soava o deixava aflito.
- Eu realmente estou falando sério F, não me lembro de ninguém assim.
F desligou o celular. Estava acontecendo de novo e dessa vez com sua amiga. A menina de cabelos quase brancos sentada ao seu lado havia voltado a escrever. As janelas embaçadas quase não permitiam que se enxergasse a paisagem lá fora que corria depressa, como se fosse contra o tempo enquanto o ônibus se deslocava. Estranhamente ele notou que, apesar do ônibus ter parado diversas vezes, ninguém entrava... E ninguém descia. O ônibus havia parado no ponto que ele desceria para ir ao trabalho, como geralmente fazia a cada dia. Mas aquele não era só mais um dia, tudo era diferente. Permaneceu sentado, com todos aqueles olhares que pareciam conversar entre si, cochichar algo sobre ele... Estava começando a se perguntar o que era paranoia e o que era real. O som da caneta deslizando no papel, e o barulhento som das rodas do transporte não pareciam quebrar o terrível silêncio perturbador que se instalava no local. Mais um grito do sinal de ônibus, parecia pressagiar uma tragédia. Mais uma página virada em anotações em vermelho. A paisagem lá fora corria loucamente. Holofotes ora focados nele, ora o deixando na mais repleta escuridão no blackout do final de um ato teatral. Dessa vez todos o olhavam... Os olhos vidrados, como holofotes... Todas as pessoas dessa vez o encaravam de forma horrenda. As janelas permaneciam embaçadas... exceto um trecho da janela ao seu lado, onde se podia ver claramente uma mensagem que havia sido feita recentemente por alguém do lado de fora...
Ele demorou um tempo para conseguir ler por estar escrito de trás para frente.“Saia desse ônibus já”
Ele se levantou sobressaltado, sem disfarçar em nada suas intenções de sair dali. As pessoas não o encaravam mais, as janelas permaneciam embaçadas, o motorista o olhava de soslaio através do retrovisor e o ônibus soltou o seu último grito. Antes de descer, ele pôde jurar ter visto a menina albina que sentava ao seu lado observar a mensagem escrita na janela e olhar para seu relógio de pulso em seguida. Foi a última visão que ele teve daquele episódio aterrorizante.
Opa galerinha! O que acharam do capítulo? Eu felizmente sobrevivi as ameaças e tentativas de assassinato dos leitores que queriam capítulos novos o mais breve possível e estou aqui. Tirando a brincadeira hehe amo vocês 💖 Estamos chegando a 1 k de visualizações em menos de um mês e estou vibrando com essa aceitação maravilhosa. Então genteee recomendem muito o livro, leiam muito, curtam muito 🌟 pois essa força ajuda muitoooow.
Obs: pra quem não conhece a música que tocou no celular do F ao receber a mensagem, eu coloquei o vídeo la em cima .
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