PRÓLOGO

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O inverno estava intenso naquele ano. E naquele dia em especial, o frio era cortante e apesar de não estar chovendo na hora em que saí de casa, resolvi levar um guarda-chuva e uma capa. Estava no fim do mestrado e não podia me dar ao luxo de ficar em casa por causa do mau tempo. Segui para biblioteca da universidade. Andando apressada entre os estudantes agoniados pelo fim do semestre, não prestei atenção em nada ao meu redor, o dia seria longo e não sairia da biblioteca sem a introdução do meu trabalho devidamente concluída.

Só que não planejamos o inesperado, por isso ele assim se chama. Não se espera, não se planeja e no meu caso, eu não desejava aquilo naquele dia frio. Nem sequer sabia ser possível desejar o que me aconteceu. Mas enfim, aconteceu. E como tudo que é inesperado, por si só me surpreendeu.

Cheguei à biblioteca por volta das 14h00. Cheia de livros e munida de apostilas, busquei a mesa ao fundo, que ficava distante do balcão de entrada, dessa forma evitaria distrações desnecessárias. Naquela mesa, poucos alunos costumavam ficar. Quando cheguei, só tinha uma menina escrevendo, rodeada de livros. Em silêncio, arrumei minhas coisas, circulei entre as prateleiras, pegando alguns livros que precisaria e sentei para começar meu trabalho.

Durante toda tarde, pessoas passaram, sentaram, saíram e não parei para visualizar nenhum rosto. Por volta das 17h00, estava realmente cansada e precisava de um café. Peguei minha bolsa e fui até a máquina que ficava próxima ao balcão. Peguei um expresso e na outra máquina duas barras de chocolate, o necessário para me abastecer durante o resto do tempo.

Em uma sensação passageira, me senti observada. Olhei ao redor e não havia ninguém prestando atenção em mim. O que era comum. Geralmente, eu passava despercebida. Pensei que talvez fosse meu cansaço me distraindo. Peguei meu café, chocolates e voltei ao meu lugar.

À mesa estava uma moça de cabelos presos, óculos e expressão desesperada. E em frente aos meus livros um homem, com a cabeça baixa lendo um livro, que não consegui identificar o tema. Voltei a me sentar e depois de alguns goles do café, já conseguia me sentir mais desperta. Mas a sensação de ser observada, havia se intensificado, foi quando levantei a cabeça e pude ver que não era apenas uma sensação, aquele homem em frente a mim me olhava.

Mantive o olhar fixo nele por alguns segundos e era o olhar mais intenso e enigmático que eu já havia visto. Engoli em seco e recuei, voltando a olhar para o livro, mas sem qualquer vestígio de concentração.

Senti que aquele homem continuava me olhar. Depois de ler e reler a mesma frase algumas vezes, comecei a ficar irritada, eu precisava de concentração e aquele estranho não me permitia. Por mais que quisesse não dar-lhe atenção, o olhar que ele me lançava parecia me consumir, me despir. Voltei a fitá-lo e dessa vez ele sorriu gentilmente. Eu estava tão absorta em seus olhos que não consegui retribuir seu sorriso.

Quando observei ao redor, percebi que já escurecia e a biblioteca começava a esvaziar. Apesar de só fechar às 20h00, os alunos não costumavam frequentá-la até depois das 18h00, por saber disso que gostava desse horário, sabia que teria silêncio de sobra para estudar. Mas naquele dia, aquele estranho e seu desconcertante olhar me impediam de cumprir minha tarefa.

A essa altura já chovia muito e num instante faltou energia no lugar. Os poucos estudantes que ainda estavam não se mexeram, assim como eu. E pude sentir que apesar da escuridão, ele ainda me olhava, pude sentir que nem se movia diante de mim. A bibliotecária, uma senhora ranzinza, não usava nenhuma desculpa para fechar a biblioteca mais cedo. Logo, surgiu com velas em pequenos pratinhos de vidro azul. Colocou um no centro da nossa mesa e disse entre dentes:

—A biblioteca fecha em duas horas, é melhor apressarem seus trabalhos de última hora.

E saiu. Foi quando voltamos a fixar nossos olhares. Engoli em seco novamente. Ele era um homem bonito. Jovem, mas bonito. Lábios grossos, olhos azuis e cabelos castanhos, com cachos que se em outros deixariam um ar infantil, nele parecia amadurecê-lo. A barba por fazer lhe conferia um ar desleixado. Vestia um suéter cor de rubi.

O estranho da bibliotecaOnde histórias criam vida. Descubra agora