27 - Noite de garotas

612 70 19
                                    


Abri os olhos sentindo minha cabeça explodir de tanto doer, enquanto alguma criatura, sem noção, tocava a campainha do meu apartamento sem trégua. Remexi e encostei o pé em uma cabeça. Então me lembrei de que na noite passada Talita não me deixou ficar sozinha, se aboletando em meu sofá e me fazendo maratonar as séries que ela escolhia.

Fechei os olhos, de novo, incapaz de mantê-los abertos, pois ardiam como se tivesse acabado de picar cebolas, queria apenas voltar a dormir, já que minha visita tinha me deixado acordada até as 4h00, estava exausta. Mas a pessoa sem noção continuava apertando minha campainha como se não estivesse produzindo um barulho insuportável.

—Já vai! — gritei, me mexendo no sofá.

Talita pareceu acordar também.

—Quem tá batendo aí? — grunhiu.

—Alguém que não escuta! — reclamei, levantando.

Dei passos trôpegos como se tivesse bebido, só que não tinha, e isso era ainda pior, pois ficar de ressaca depois de ter bebido, ainda faz sentido, mas não era o caso.

Abri a porta e Bárbara entrou em meu apartamento como um furacão.

—Preciso falar com você, Lucy! — disse, parando no meio da sala.

—Bom dia pra você também — falei, fechando a porta e voltando para o sofá.

—Talita? O que faz aqui? — questionou com as mãos na cintura.

Minha amiga virou a cabeça para olhá-la com cara de poucos amigos.

—Detesto ser acordada! — resmungou e se virou para mim. — Posso dormir na sua cama?

—Vai lá.

Ela se arrastou em direção ao corredor e Bárbara olhava a cena atônita.

—Minha nossa! Então... Lucyyy, você é gay?! — perguntou com a mão na boca e os olhos arregalados.

—Hã?!

Meus neurônios demoraram a funcionar, mas em segundos entendi o que ela estava insinuando.

—Não seja boba, Bárbara! Talita é minha amiga e depois de ontem ela acabou passando a noite para vermos séries juntas.

Barbie me olhou desconfiada, deu passos lentos e cruzou os braços.

—Tem certeza?

Revirei os olhos.

—Bárbara, você não veio aqui pra me questionar sobre minha sexualidade! Então, quer logo dizer o que veio fazer aqui e me deixar em paz? — ralhei.

Olhei minha prima e seus ombros arriaram, ela murchou. Arrependi-me da forma como falei, mas já estava feito e seria melhor manter o clima estranho, facilitando que eu fizesse o que precisava. Ela foi até uma das poltronas e sentou.

—Tem razão, eu queria mesmo falar com você — disse, em um tom baixo, quase medroso.

—Então diga.

—Lucyyy, não entendi seu comportamento ontem! Na frente de todos, me tratando daquela maneira, foi tão... — Pareceu buscar uma palavra adequada sem forçar muito a barra. — Grosseira!

—Foi mesmo, me desculpe por aquilo — reconheci.

Ela pareceu surpresa com minha rápida anuência às suas queixas.

—Foi? Quer dizer, claro que foi, eu só não esperava que você reconhecesse... Quer dizer, eu...

—Entendi, Barbie — falei, tirando-a do desconforto. — Eu só acho que tem sido um mês complicado, estou cheia de trabalhos na editora. Um dos autores vai participar da Feira de Livros em Berlim e talvez eu precise ir com ele...

O estranho da bibliotecaOnde histórias criam vida. Descubra agora