Pois bem. Já conhece a protagonista deste livro.
Não sou capaz de saber o porquê e nem como, mas, depois daquela noite, fui incapaz de desvencilhar-me de Margareth. Ela tinha algo de especial. Por isso, decidi ficar um pouco mais para contar sua história.
Antes de começar a lê-la, peço que esteja ciente de algumas coisas.
Margareth foi uma donzela diferente para a época em que vivia. E é por isso que conto sobre ela, e não sobre outra pessoa.
Ela se apaixonou. E esse foi o principal caos. Mas há outros, com certeza. Muitos outros.
Não há, talvez, maneira certa de transmitir sua história. Foram anos e anos de organização para que as coisas ocorressem da maneira correta. Por isso, tentarei o máximo para transformá-la em algo compreensível. Está certo?
Comecemos pelo começo. Um mundo nada comum.
(E não se preocupe, farei o melhor para não cometer aparições, mas atente-se. Isso pode ocorrer.)
Quando Margareth abriu os olhos naquele dia, a primeira cor que enxergou foi o vermelho. O vermelho do sol das manhãs; depois, o de sua pele ressecada pela quentura do ar e, ainda em alguns minutos após acordar, o vermelho do sangue.
Incomodada, ela remexeu-se sobre o amontoado de palha que servia-lhe de colchão, com as bochechas marcadas pela superfície áspera e os fios de cabelo grudados ao rosto suado. Sua cabeça gritava sinuosamente para si mesma. Muitas coisas estavam erradas: os raios de sol penetravam forte em sua pele, os braços peludos ardiam como feridas abertas, e o cheiro ao redor era de morte.
Levantou-se bruscamente, com o cansaço pesando-lhe o corpo feito um manto de pedras. A confusão dentro de si perdurou por poucos segundos, deixando-a zonza e perdida. Mas ela ainda conseguiu bocejar uma vez e respirar fundo antes de notar que não estava em casa. Ao menos, não dentro dela.
Respirou fundo novamente. Foi neste momento que lembrou-se de tudo.
Passara horas da noite anterior, junto de Enrico, a fornecer ajuda àqueles que foram feridos durante uma violenta confusão que desencadeou-se a partir da levada de homens do Rei. Evento este que ocorria de última hora, sem aviso prévio e comumente acompanhado de armas e de estalos do fogo.
E por falar em fogo, a fumaça restante já começava a misturar-se entre as nuvens do dia, que caminhavam feito almas tristes pelo céu. O Reino Gálago inteiro, aos olhos de Margareth, parecia estar em luto. As árvores à frente da menina, aquelas que demarcavam o fim de seu vilarejo e o início da enorme floresta do oeste, padeciam com dificuldade o clima fúnebre que pairava pelo ar de Irbena.
Ela retirou-se de sua cama improvisada e, com apenas alguns passos à frente, sua respiração falhou. Da extrema ponta daquele monte que ela costumava chamar de casa, Margareth era capaz de observar todos os estragos do dia anterior.
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Vossa Alteza | ⚢
Fiction HistoriqueLIVRO UM. Em meio a uma guerra civil inabalável, a camponesa Margareth Allboire é vítima de um misterioso ataque em sua vila, situada no leste de Irbena, e precisa lidar com o novo lar que passa a habitar contra sua vontade. Certa de que o castelo d...