Há poucos dias, Margareth havia iniciado os seus serviços como ajudante na cozinha do castelo – e devia admitir, pelo menos a si mesma: era péssima naquilo.
Quem dera, fossem as contraditórias presenças de senhorita e senhora Bolgart, ao coexistirem entre si feito dois gatos, hesitantes em atacarem um ao outro, os motivos para a garota obter pouco sucesso em seu trabalho. Senhora Bolgart, também chamada apenas de rainha Anna, ou de majestade, já deixara claro desde o primeiro momento o quão pouco apreciava a presença da menina naquele castelo. Ela gritava tanto que o conteúdo que saía de sua boca mal parecia importante, comparado ao timbre irritante e rouco de sua voz.
Já Sienna, ou senhorita Bolgart, exprimia exatamente o oposto de sua mãe. Enquanto rainha Anna se expressava o suficiente para fazer a jovem se sentir como uma intrusa ali, Sienna Bolgart era calada o tempo inteiro. Tudo o que fazia em seu tempo livre era atacar a menina com seu impetuoso olhar de curiosidade, como se a mesma fosse um pequeno animal exótico.
Mas Margareth não agradecia à princesa por isso. Na verdade, dúvidas eram os únicos sentimentos que se afloravam em seu peito. Sempre aparecendo quando ela menos esperava. E tais dúvidas cresceram em dobro em seu primeiro fatídico dia de trabalho, quando Marga havia sido a escolhida para levar uma bandeja de uvas aos aposentos da rainha.
Para encorajá-la, os cinco rapazes que haviam feito a decisão disseram à garota que não havia com o que se preocupar, pois senhora Bolgart não dirigia a palavra a nenhum outro serviçal. E, sem outra escolha – até porque, o que mais ela faria? – a menina caminhava até o quarto da mulher com isso em mente.
Mas, assim que empurrou a enorme porta ornamentada que a separava da atmosfera canibal que era aquele quarto do tamanho de um salão, a rainha não demorou para lançar um olhar de desgosto à figura abarrotada da garota.
— Não é possível. — ela franziu o cenho, consternada, apesar de seu corpo ainda descansar sobre um dourado assento almofadado — Parece que aceitam que qualquer tralha entre em solo real.
Margareth não soube o que fazer com a reclamação. Era como se Anna Bolgart houvesse entregado-a a ela e dissesse "faça o que tem de ser feito", como se ela soubesse a resposta. Não sabia, e apenas focou em não encontrar seu olhar com os da rainha.
Foi naquele momento em que notou que Sienna Bolgart estava ali, acomodada em uma cadeira e carregando inúmeras cartas em sua mão. Apesar disso, se dependesse de suas ações, ela continuaria a passar despercebida pelo resto do dia, pois tudo o que fez, diante da falta de censura de sua mãe, foi lançar à serviçal um olhar calado e sério, quase que vazio por completo, como se fosse um fantasma, e voltar sua atenção para os papéis sobre o colo.
Mas até um fantasma parecia ter mais humanidade e mais sentimentos do que a figura ruiva.
Como havia notado, se sua principal arma se tratava de seu olhar e não de sua fala, Marga atentou-se mais a esses sinais e percebeu o desconforto que ela parecia sentir. Ela contorcia o lábio, de uma forma sutil o suficiente para que qualquer um que fosse inteligente o bastante para não encarar a figura da princesa não notasse. Parecia como um segredo que ela guardava à luz do dia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Vossa Alteza | ⚢
Historical FictionLIVRO UM. Em meio a uma guerra civil inabalável, a camponesa Margareth Allboire é vítima de um misterioso ataque em sua vila, situada no leste de Irbena, e precisa lidar com o novo lar que passa a habitar contra sua vontade. Certa de que o castelo d...