Capítulo 14

93 11 9
                                    

Joana

Levantei cedo, antes mesmo que o sol começasse a nos iluminar. Hoje era dia de visita no hospital em que minha mãe Diana, trabalhava. Já fazia algumas semanas que eu havia começado esse projeto, de passar o dia no hospital, orando e visitando os enfermos e os próprios médicos, me afirmaram que surtiu bons efeitos no quadro clínico dos pacientes. O que eles chamam de sorte, eu chamo de Deus. A fé no Senhor, sempre nos fará alcançar o inalcansável e conquistar o impossível.
Fui até a cozinha e comecei a preparar o café. Pude ouvir meu pai tossindo no quarto e meu coração se apertou, afinal tem alguns dias que essa tosse vem persistindo, porém ele é teimoso como uma porta e se recusa a ir ao médico. Não deixa nem mesmo, Diana examiná-lo. Fico muito preocupada, tendo em mente que ele já não é mais um homem jovem. Ao menos, ele gosta quando leio algum versículo da Bíblia para ele e depois oramos juntos. Meu pai é falho como todo e qualquer ser humano, porém ele sempre foi cristão, e mesmo tendo seus momentos de fraqueza e tendo se afastado um pouco de Deus, nunca O deixou totalmente. Foi o meu pai que me levou a conhecer Jesus e eu sou eternamente grata a ele por isso.
- Caiu da cama flor do meu jardim? - Era dessa forma que meu pai me chamava. Me virei com um belo sorriso no rosto e o vi parado no batente da porta da cozinha.
- Bom dia pai! - Disse indo até ele e lhe dando um beijo doce no rosto - Hoje é terça! Dia de visita lembra??
- Ah sim! - Ele respondeu, indo até o armário e pegando a toalha para por na mesa - Sua mãe....? - Meu pai perguntou sem me olhar. Faziam dias em que notei que ele e Diana estavam estranhos, mal se falavam e eram raros os momentos que tinham juntos.
- Já foi para o trabalho! - Respondi terminando de coar o café.
- Por que não a esperou para irem juntas? - Sua voz saiu um tanto acusatória, e eu estranhei ainda mais. Afinal ele sempre tinha elogios em relação a esposa, mas ultimamente, se de tocar em seu nome, era motivo de lhe causar mal humor.
- Ela ia esperar! Mas foi chamada com urgência para uma cirurgia! - Peguei o bilhete que ela havia me deixado e o entreguei a meu pai, que leu em silêncio e o jogou de lado, terminando de arrumar a mesa pensativo.
- Pai, tem algo acontecendo? - Coloquei o café sobre a mesa e me sentei, puxando uma cadeira para perto e dando leves tapinhas,  indicando que ele devia se sentar próximo a mim.
Meu pai respirou fundo e me olhou pronto a negar, porém suspirou e se sentou. Ele permaneceu alguns segundos em silêncio e eu o deixei ter o seu tempo.
Por fim, ele se aproximou ainda mais e pegou em minha mão, levando seus olhos aos meus.
- Eu sinto tanto a falta dela! - Ele confessou entristecido - Desde que Diana virou médica chefe do hospital, não temos mais tempo para nós!  Aquela porcaria daquele bip, não para um segundo... - Mesmo que ele tivesse tentado evitar, uma lágrima desceu por seu rosto e eu a sequei com carinho e muita compaixão. Me doía demais vê-lo dessa forma - Quando ela está no trabalho, está 100% focada nele e quando está em casa.... Só pensa no trabalho! Mais onde eu fico nessa história??
E nesse momento meu pai me puxou para um abraço, daqueles bem apertados e eu pude perceber o quanto ele necessitava de mim agora. Portanto o abracei com toda minha força e todo meu coração, deixei fluir de mim todo amor e conforto que ele precisava.
- Pai... - Comecei a dizer e ele se afastou para me olhar e vi que seus olhos estavam vermelhos. Era incrível a capacidade que ele tinha de se acabar de chorar sem que ninguém notasse - Esse amor que há entre vocês dois, ainda existe, e está mais vivo do que nunca! E quer saber? Vocês são o casal mais lindo que já vi em toda minha vida... Não digo isso por serem meus pais, mais porque desde pequena os vi felizes na presença um do outro! - Tendo dito isso, acariciei seu rosto e ele deu um breve sorriso, com toda certeza resultado de uma boa lembrança e isso me fez ter uma boa idéia - Que tal se vocês tivessem hoje a casa só para vocês? Assim, podem sentar, conversar e viver bons momentos a dois! Recriar novas lembranças!
Vi em seu rosto um brilho se acender, mas logo se apagar e ele negar com a cabeça.
- Não! - Respondeu firme - E onde você vai ficar??
- Provavelmente passarei o dia todo no hospital e talvez eu durma lá! Os médicos me conhecem e tenho acesso livre a sala particular deles! - Sorri toda cheia de mim por esse tratamento vip que tenho por ser enteada da médica chefe. E também os médicos lá são todos uns amores, rapidamente fiz amizade com eles.
- Não sei não, flor do meu jardim... Hospital não é um lugar confortável e eu nem sei o que fazer para agradar sua mãe! - Meu pai se pôs de pé e ficou andando de um lado para o outro coçando a cabeça.
- Pai! - Me levantei e fui até ele o parando - Fica calmo! Primeiro: eu nunca liguei para conforto e o senhor sabe disso - Falei e o vi ter que concordar - Segundo: agradar a mamãe é ser você mesmo! E não precisa se preocupar com o que vão comer, tá tudo pronto na geladeira!
Novamente o vi relutar com essa idéia, mas logo seu semblante suavizou e ele me puxou para um abraço beijando o alto da minha cabeça.
- O que eu faria sem você? - Ele perguntou e eu me aninhei dentro do seu abraço.
Ficamos assim por longos minutos, até que senti o sol entrar pela janela da cozinha e percebi o quanto de tempo já havia se passado.
- Uau, o tempo voa! Tenho que ir pai! - Peguei minha bolsa que já estava arrumada sob a bancada da cozinha, uma maçã e dei um beijo na bochecha de meu pai.
- Quer uma carona? - Ele perguntou preocupado demais,  como sempre.
- Não! Tudo bem! - O garanti - Eu vou de táxi! Fique e ajeite tudo para sua noite romântica e não se apavore, vai dar tudo certo! - Lhe joguei um beijo no ar, que ele agarrou e colocou no coração e então eu saí pela porta da frente.
Coloquei meus fones de ouvido e logo Fernanda Brum começou a cantar com toda sua voz potente. Andei um pouco até o centro da cidade e então pedi um táxi que me levou até a porta do hospital.
Após, adentrar o mesmo, já fui recepcionada pelo doutor Marcos, que me estendeu o braço para que eu pegasse e me deu um copo de chocolate quente e uma barrinha de cereal.
- Olha só quem veio nos ver! - Ele anunciou quando chegamos na sala que todos os médicos e enfermeiros tomavam café. Na mesma hora todos vieram, me abraçar e me cumprimentar.
- É muito bom ver todos vocês! - Disse sorridente - E minha mãe?
- Ainda na cirurgia! - A doutora Luciana me informou sobre o ocorrido. Um rapaz havia sofrido um acidente de moto e a vida dele estava nas mãos habilidosas de Diana. Em minha mente, fiz uma oração a Deus pedindo pela vida do rapaz que provavelmente ainda tinha muito que viver e tinha uma família para voltar.
- Bom, se me dão licença vou começar a visita! Vejo vocês depois - E então deixei a sala e já comecei meu trabalho, pela área dos recém nascidos e por mim ficaria ali o dia todo. Eram tão pequenininhos e tão lindos.
Depois, fui para a ala infantil, onde tive que contar 3 historinhas e brincar de monta monta com as diversas crianças que haviam ali. Umas em tratamento intensivo, outras recém operadas, mas todas com aquele brilho inocente e aquela felicidade contagiosa.
Só depois de prometer voltar antes de ir embora, consegui sair da ala infantil. Eu amo aquelas crianças, tinha pra mm mesma que eram meus filhos emprestados e sempre me doía ter que dizer tchau.
Após fechar a porta, eu ia para a parte das gestantes, mas fui conduzida sem perceber a UTI. Particularmente ao corredor onde haviam os pacientes em coma.
Conforme passava pelas portas dos quartos, podia ver os rostos das pessoas. Haviam homens, mulheres, idosos. Todos ligados à diversos aparelhos e conectados à muitos tubos, era de verdade algo muito triste de se ver. Quantos sonhos, quantos planos, estavam ali presos? Estavam sendo impedidos de serem conquistados?
Caminhei até o final do corredor e me encontrei diante da última porta, e mesmo sem olhar seu interior, senti dentro de mim,  uma necessidade sufocante de entrar. Meu coração palpitava acelerado, e eu queria, mesmo que se tratasse de um quarto vazio, eu precisava orar naquele lugar.
Lentamente estendi a mão a maçaneta e a girei, abrindo a porta, notando a ausência do barulho estrondoso que eu estava acostumada as portas da minha casa.
Você está num hospital particular sua lélé! Meu subconsciente me alertou e eu ri de mim mesma, por esperar rangidos de porta, num lugar tão luxuoso quanto esse.
Adentrei o quarto e ao ver o homem deitado sob a cama, meu coração pareceu parar por breves segundos e eu prendi a respiração. Ele era muito bonito e diferente dos outros pacientes em coma, ele parecia estar apenas coxilando, de maneira que parecia poder despertar com o mínimo barulho. Percorri todo seu rosto com os olhos, encantada com a sua beleza, porém tinha algo familiar naquele rosto, algo que eu reconhecia.
Fechei a porta detrás de mim e me aproximei, e ao ler o nome do paciente na ficha perto da cama, levei ambas as mãos a boca. Não conseguia acreditar que era ele. Não conseguia acreditar que nos encontramos depois de tanto tempo. É claro que eu sabia que um dia nos veríamos de novo, mais jamais pensei que fosse nessas circunstâncias.
Lembro-me perfeitamente de uma tarde que tia Melinda foi em casa nos visitar com o tio Henrique, e eu me peguei ansiosa por ver Pedro, mas ele não fora. Éramos melhores amigos quando crianças, mas a maior idade chegou e cada um seguiu seu próprio caminho, foi viver sua própria vida, se esquecendo um do outro e agora aqui estamos um diante do outro.
Me aproximei mais um pouco e ergui a mão, acariciando seu rosto e uma lágrima escapou de meus olhos. Lágrima essa que sequei rapidamente e imediatamente comecei uma oração sincera a Deus, pedindo por ele, não sabia o que o tinha levado até ali, no estado de coma, mas confiava num Deus que levanta mortos, e que moveria céus e terra pela saúde de Pedro.
Quando a oração acabou, percebi que estava segurando sua mão e tentei soltá-la, porém não quis, portanto, me mantive daquele jeito. Novamente o olhei e muitas lembranças do passado, me vieram a mente.
- Pedro... - Sem intenção seu nome saiu de meus labios, como uma súplica, para que ele acordasse. E fiquei o olhando
E foi nesse momento que vi o milagre acontecer diante dos meus olhos, vi Deus responder minha oração e não conseguia conter a gratidão dentro de mim.
Pouco a pouco, os olhos de Pedro foram se abrindo e ele começou a se dar contade que se encontrava no hospital, até que seus olhos baixaram até nossas mãos unidas e antes que eu pensasse em soltá-lo seu olhar me encontrou e ele paralisou. Enquanto por minha vez, só consegui sorrir para ele.

 Enquanto por minha vez, só consegui sorrir para ele

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Um Anoitecer (Livro lll - TRILOGIA FASES DO DIA)Onde histórias criam vida. Descubra agora