Capítulo 1 - Reencontros extremamente precoces.

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"Ela se cansou

Não quis mais o amor de um cowboy

Mas ela me deixou

E como um pássaro voou

Ela trocou a bota e o chapéu

E agora mora num arranha-céu

E fala que tem vergonha de nós

Diz que não gosta de cowboy

Ela trocou a bota e o chapéu

Por um brilhante preso em um anel

E fala que tem vergonha de nós

Diz que não gosta de cowboy"

Ela não gosta de Cowboy – Loubet.

Meu pai provavelmente está tentando se livrar de mim. Não tem outra explicação para eu estar a quase uma hora andando a pé nesta maldita estrada de terra, de salto alto e debaixo do sol. Eu sei o tempo que leva da vila até a fazenda, como poderia me esquecer se o fazia todos os dias muitos anos atrás? Mas naquela época além de companhia eu também tinha sapatos adequados. Olhei para os meus pés sujos e doloridos e quis não pela primeira vez, desde que ele anunciou que eu viria pra cá, matar papai.

Quando meu pai anunciou minha sentença e eu percebi que não tinha como fazê-lo mudar de ideia respirei fundo e tentei negociar, achei que já que estava sendo mandada para o fim do mundo pelo menos minhas coisas viriam comigo, ledo engano. Papai foi categórico quando disse que eu estava sem cartão de crédito e sem carro, basicamente viria com minha coleção de bolsas e roupas de marca, mas era só, não tinha direito de trazer mais nada. Eu estava tão em choque que a próxima pergunta demorou um pouco mais para se formar, só que por fim consegui perguntar a ele como chegaria aqui se não tinha mais carro, papai teve a audácia de sorrir quando me respondeu.

- Como milhões de brasileiros se locomovem todos os dias, Lilly. Você vai de ônibus.

Talvez depois dessa eu tenha surtado um pouco. Mas eu tinha direito, né? Papai estava ficando louco e eu tinha horror a ônibus, preferia andar a pé com meus saltos, que naquelas latas de sardinha motorizadas que eu via pela janela do meu porsche branco incrivelmente lindo. Mas agora não fazia mais diferença, né? Eu havia passado pela tortura e já estava aqui arrastando minhas malas por essa poeira desejando não pela primeira vez que alguém, qualquer um viesse me buscar.

Eu sabia que papai tinha feito tudo isso de propósito, os cartões, o carro, a viajem de ônibus, a falta de carona. Era tudo para me testar, para ver se eu aguentava. Ele havia me dado um cartão com dez mil reais e tinha dito que esse era meu orçamento para a festa que tinha que realizar no fim do mês, ele queria que eu mobilizasse toda a vila, aquele amontoado de casas que não tinha evoluído nada em dez anos não podia ser chamado de cidade, com essa mixaria? Mas devia saber que essa não era a facada final, não mesmo, a cereja do bolo foi ele me dando cinco notas de cem e falando que era isso que eu teria para passar o mês, como alguém vive com quinhentos reais por mês? Papai tinha ficado louco, não adiantava mais discutir, eu já estava planejando usar o dinheiro da festa para o meu bel prazer quando ele sorriu e disse que se a festa não fosse um sucesso eu definitivamente não teria meu cargo na empresa de volta, empregada sim, administradora executiva da sede da empresa? Nem tanto. Meu pai era um monstro sem coração de sorriso gentil, isso sim.

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