Salada de Frutas

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Narração – Florence Bassan

 (Ouçam Young and Beautiful da Lana Del Rey até o fim desse capítulo)

     Algo havia mudado, eu sentia em cada fio de cabelo que algo me incomodava. Tentei me lembrar de como eu era e do último acontecimento que eu presenciava: corri em busca da pessoa que fez os Vingadores se virarem uns contra os outros, onde ele cravou uma faca longa em minha coxa, o que me deixou frustrada, atingindo sua cabeça contra uma rocha e arrastar o corpo para dentro do galpão que se encontrava os corpos dos cinco Soldados Invernais mortos. Steve carregava Bucky sem seu braço de metal e Tony estava caído, com o reator arc da armadura destruída.

     Rogers e eu compartilhamos um grande olhar, cuja decepção era evidente, ao correr em direção a Tony, segurando sua cabeça em meu colo e o embalando em meus braços. Desde então, o time do Capitão América estava desaparecido. Eu tinha escolhido um lado, mesmo não querendo e eu não sabia porquê; eu havia assinado o Tratado de Sokóvia por concordar com o governo, era o meu pensamento e eu tinha que o honrar.

     Depois de Tony se recuperar dos machucados sofridos, ele queria apenas ficar em sua oficina, reparando suas armaduras e construindo coisas novas, o que me fez mudar sua cabeça para aceitar uma viagem de alguns meses que poderiam nos ajudar a digerir tudo. Não entendia por que eu queria aquilo, eu odiava viajar; fomos para uma de suas casas na Rússia e depois para Tóquio, onde desfrutamos cada momento possível. Eu busquei conhecer toda a cultura local, como sempre gostava e Stark ainda reclamava das músicas clássicas que eu ouvia.

      Me sentia velha e até mesmo gasta, mas tudo pareceu mudar, naquela estranha viagem. Por muitos anos, passei por experiências, me sentindo um rato de laboratório. Primeiramente, ao contrário dessa dimensão, a S.H.I.E.L.D. sabia que a Hydra poderia voltar a qualquer momento e para isso, se estabeleceu estudos de onde possíveis lugares estariam abrangendo essas pessoas. Depois houve o processo de infiltração, que foi onde conheci Paige na Sala Vermelha e Harold, no projeto Soldado Invernal.

     Só que ser infiltrada lá não era tão simples. Não entrei disfarçada de cientista, eu era jovem, havia acabado de ser iniciada para ser um escudo no mundo e eu tinha idade suficiente para o projeto Viúva Negra, mesmo sendo uma das mais velhas; eu me sentia orgulhosa por estar ajudando a S.H.I.E.L.D. com informações, mas as torturas eram constantes, éramos treinadas para sermos espiãs e tudo agora voltava em minha mente, lembranças que passei décadas esquecendo.

     Eu era uma das poucas que sobreviveram à conclusão do projeto, quando o soro do envelhecimento retardo foi injetado em nossas veias. Achei que seria uma heroína ao retornar para as pessoas que salvaram a minha vida, mas eles me viam como uma assassina, por manter meu disfarce e seguir as ordens. Minha primeira missão na Hydra, foi descobrir os culpados da queda do avião dos meus pais, onde executei a missão bem, por não sentir arrependimento na vingança; a S.H.I.EL.D. possuía recursos de lavagem cerebral em desenvolvimento na época, onde implorei que todas aquelas lembranças fossem apagadas, por não conseguir suportá-las. Mas Trinity sempre tinha essas informações, enchendo o peito ao dizer que a organização havia criado um soro que retardasse o envelhecimento e que eu continuaria daquela forma por décadas. Eu me recordava da minha idade verdadeira: 63 anos.

     O pai de Jared, Alaric, quem havia me resgatado no final da operação, foi onde começou uma amizade próxima com a família dele, depois o conhecendo na Academia. Mas agora, as memórias estavam desencadeadas em minha mente, assim como muitas coisas sofridas na Sala Vermelha. Sentia um enorme vazio no peito e algo queimar e relâmpagos de memórias invadirem as minhas pálpebras, entre elas, os olhos de Tony e uma maca com equipamentos macabros.

     Tudo isso era do provável passado incerto que eu havia ocultado de. Algo me dizia que mais memórias me atormentariam com o passar do tempo; mas algo faltava. Meus olhos se acostumavam com o quarto escuro e reconhecia o local como a torre dos Vingadores; meus pés tocavam o chão frio e um leve arrepio percorreu a minha espinha, meu corpo vestia um vestido tão leve que me fazia se sentir completamente nua, meus cabelos estavam soltos e bagunçados, caídos pelos ombros e costas.

     Uma pequena fresta da varanda estava aberta e eu fui até lá, vendo meu reflexo na televisão. A brisa fria invadiu meu corpo e avistei um céu estrelado; agradecia mentalmente pelos quartos ficarem em um dos últimos andares, toda aquela luz de postes da cidade ofuscava a maravilhosa visão que se tinha ali. Minhas mãos foram para meu pescoço, encontrando algo fino e delicado, um colar da lua que reluzia. Me perguntei como havia o adquirido, pois não me recordava de como ele havia parado ali.

     As estrelas me lembravam alguém . Jurava ver estrelas cadentes caírem pelo céu e desejava essa pessoa comigo, como se esses pequenos astros pudessem realizar os meus pedidos; uma pulseira fina de ouro estava em meu pulso esquerdo, com um cheiro forte de um coquetel inebriante do revigorante limão italiano e a tangerina com suas folhas verdes evocando a seiva e um ímpeto desafiador da pimenta rosa, um Gucci Guilty masculino. Minhas mãos seguraram forte as barras da sacada e eu me inclinei para frente, como se quisesse voar.

  - Boa noite, senhorita Bassan – Ouvi Friday me cumprimentar e mal percebi que pouco tempo tinha se passado desde que levantei – O senhor Stark pediu que o informasse quando estivesse acordada. Ele se aproxima agora.

 - Obrigada, Friday – Sussurrei e logo uma brecha de luz invadiu o quarto, encolhendo meus olhos e a encarar um Tony Stark diferente do que eu lembrava.

     Embaixo dos seus olhos carregavam olheiras fundas, o cabelo bagunçado, o que mostrava que ele não dormia bem á dias. Me sentia descansada, como se realmente tivesse colocado o sono em dia por meses; ele estava com uma blusa simples, aquelas que ele costumava usar para ficar na oficina e uma calça de moletom. Consigo, uma pequena bandeja com frutas. Meu estômago roncou e só agora percebi que estava com fome; ele repousou-a em cima da cama e se aproximou, me envolvendo em seus braços.

     Me surpreendi com tal reação. Sua mão segurava minha nuca e a outra estava envolvida em minha cintura; seu perfume era Gendarme V, com a bergamota com a mistura de limão indo ao manjericão, totalmente diferente do da pulseira. O segurei pela cintura e deitei minha cabeça em seu peito, devido não ser alta o suficiente. Passamos um bom tempo assim, até ele me soltar lentamente, ainda com a mão ao redor da minha cintura.

 - Parece que não nos vemos a meses do jeito que você me abraçou – Eu dei um leve repuxão nos lábios e ele imitou o gesto.

 - Tem tanta coisa acontecendo, pequena Florence, que eu só precisava disso – Concordei lentamente e voltei a o observar – Que tal assistirmos algum filme? Trouxe frutas, pois sei que não gosta de salgadinhos.

 - Será ótimo – Sorri – Vamos na sala ou permaneceremos aqui?

 - Bom – Ele olhou para o relógio de pulso – São duas e oito da manhã, acho melhor aqui –
Concordei e corri para a cama, me jogando ali – Friday, coloque aquele filme que escolhi a uns dez minutos.

 - Sim, senhor Stark – A inteligência artificial ligou a televisão e Tony se sentou lentamente ao meu lado.

     Ofereci uma colher para ele, que ponderou e depois aceitou. Coloquei leite condensado em uma parte, caso ele não gostasse e ataquei os kiwis; ele me observava tanto, cada movimento e cada gesto, que me sentia um pouco incomodada, mas não chamaria a sua atenção. Depois de fazermos nossa pequena bagunça no pote de vidro, deitei em seu peito e em minutos ele adormeceu.

     Sua expressão estava calma e aquele cenho franzido em preocupação finalmente estava desfeito. Me sentei, acariciando seu rosto com as costas da mão; sentia que ele tinha feito muito não só por eu, mas pelos Vingadores e eu não sabia como o retribuir. Seus lábios se abriram em um sorriso e imediatamente senti minhas bochechas corarem.

 - Sabe, se quer me beijar vai em frente – Ele abriu os olhos e meu rosto fortemente ardia.

     Mesmo sempre sentindo o instinto fraternal com Tony, me sentia frustrada por não saber o que estava acontecendo comigo; balbuciei algo e encarei minhas mãos. Sua risada soou, era gostosa de ouvir e rara – Se corou é porque realmente gostou da ideia – Ele direcionou a luz do celular para o meu rosto e eu corei ainda mais.

 - Para com isso, Tony bolinho – Ri, de uma maneira desesperada, enquanto ele me jogava na cama e me fazia cócegas.

 - Quando vai esquecer esse apelido ridículo?

 - Quem sabe quando você voltar a bater seu recorde com aqueles quinze bolinhos que comeu? – Arquei a sobrancelha e ri, dando um gritinho fino em seguida; ele se jogou ao meu lado e nenhum dos dois a essa altura assistia mais o filme.

     Ele deitou de lado, me observando e eu fiz o mesmo. Sua respiração e a minha se tornavam uma só; ele fechou os olhos e eu passei a mão por seus cabelos, tendo uma inevitável vontade de o beijar.

Continua...

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