Meu pai abriu a porta e eu caminhei ao lado da parede de metal, murmurando palavras doces para Rio enquanto a tirava do trailer. Por toda a nossa volta, cavalos e seus cavaleiros se aqueciam para o Golden Jumper. Eu teria de agradecer a Derek por ter me ajudado a participar. E agadecer-lhe novamente por não ter ido ao evento. Eu disse a ele que precisava me concentrar. E isso era verdade. Eu estava voltando a normalidade.
Essa seria minha primeira competição de salto desde a morte de minha mãe. Por mais que eu tivesse praticado e por melhor que Rio fosse, eu sabia que as arquibancadas estariam mais quietas sem minha mãe gritando sem parar por nós.
Estendi a mão para pegar minha pedra da preocupação, mas queria o pingente de coração de âmbar. Uma espécie de âncora. Naquela manhã, eu tinha colocado o colar com pingente netsuquê em forma de coelho que era de minha mãe. Aquecido contra minha pele, ele era sólido. Uma ligação com o passado.
- Vamos andar - disse a Rio - Alongar essas pernas.
Meu pai olhou em minha direção, com o rosto preenchido com aquilo que o meu escondia. Ele estava sempre do lado de minha mãe nesses eventos, assim como Annabelle. Isso era difícil para todos nós. Nossa caminhonete estacionou.
Olhei para a pista. Oito saltos, um liverpool com aspecto bem molhado. Totalmente realizável. Rio cavalgava com ostentação, ansiosa pelo torneio. Aquilo era mais do que uma competição ou uma forma de voltar a uma parte de minha vida que quase perdi quando minha mãe se foi... Aquilo era uma recompensa para Rio.
Enquanto Pietr me ignorava, Annabelle estava com a cabeça enfiada em um livro e eu não tinha ninguém além do meu pai lançando olhares de decepção contra mim, eu recorria a Rio. Ela merecia se divertir em uma pista cheia de obstáculos e água.
E eu também. Não havia mentira entre um cavalo e seu montador. Todos os movimentos que ela fazia, todos os músculos que ela repuxava diziam uma verdade sutil que eu reconhecia e entendia. A única forma de vencer uma competição de salto era com boa comunicação. Com uma comunicação aberta e sincera.
Quando Pietr e eu nos distanciando, Rio e eu nos aproximamos. Parecia no mínimo justo que ela tivesse a oportunidade de pular sobre cercas e de correr por terrenos regulares e mistos de um percurso estimulante. Eu queria vê-la feliz. E se eu ganhasse? Bônus.
Um número considerável de montadores da minha categoria já tinha ido embora quando Georgia Main foi anunciada. Levei Rio um pouco para trás, para que eu pudesse assistir. O cronômetro começou a contar e ela correu pelo percurso. Seu cavalo, que eu admirava já havia algum tempo, aproximava-se com agilidade dos obstáculos e voava com graça sobre cada um deles. Uma corrida quase perfeita em um bom tempo, mas eu conhecia Georgia suficientemente bem para saber que ela seria humilde ao se referir a sua performance. Ser uma estrela em ascensão não tinha subido a sua cabeça.
Fomos anunciadas, e eu montei, guiando Rio até o campo. Coloquei meu capacete e esperei pelo sinal. Observando a plateia, encontrei meu pai e Annabelle nas arquibancadas. Ela deixou seu livro de lado para assistir.
No entanto, outra coisa me chamou a atenção. Eu não era uma das pessoas que se adequavam facilmente ao público do evento. Eles eram refinados, elegantes, e em geral, endinheirados. Porém, notei que havia pessoas que não seguiam essa regra. E várias pessoas. Homens, altos, de ombros largos, com uma postura rígida e uma expressão dura, que transmitia a impressão de que sobreviveram a tempos difíceis.
Eles pareciam mais desconfortáveis do que uma montadora novata em seu primeiro percurso. Não faziam parte do público regular. Embora estivessem distantes uns dos outros, pareciam comunicar-se. O olhar de um para o outro, o toque de um celular minutos antes de outro.
Um deles olhava na direção da arquibancada. Então, dois, três. E quatro. Todos olhavam para meu pai e para Annabelle. A plateia estava salpicada por lobisomens. E não eram lobos que faziam meu sangue esquentar. Eram aqueles que fazia todo o meu corpo resfriar... Os homens marcados. A mafia.
Rio avançou ao ouvir o sinal, afastando-me do meu medo. Era um local público. Cheio de gente. Meu pai e Annabelle ficariam bem. Concentrei-me na tarefa que tinha em mãos: ajudar Rio a mostrar como ela era fenomenal quando pulava e pousava. Uma bela fera. Em cada salto, as suas pernas dobravam-se alta e regularmente, seu pescoço esticava-se, tão gracioso quanto o de um cisne. Ela empurrou as orelhas para frente, ignorando o estresse que eu emanava.
Eu não estava preocupada com o curso, mas sim com o que viria depois. Se fizéssemos bons saltos, acabariamos voltando as atenções para meu pai e para Annabelle. E então teríamos de ter esperanças de que chegaríamos a caminhonete antes de a Máfia dar seus passos. Mas se não fizéssemos bons saltos...
Rio nunca errava, embora meu coração batesse num ritmo diferente de seus cascos. Ela passou pelos verticais com facilidade até seguirmos em direção ao um oxer largo, com duas barras. Um de seus cascos traseiros encostou-se na barra, e eu aproveitei a chance.
Deslizei pela sela, caindo enquanto o público gemia. Cair. Rolar. Soava tão simples, mas era tão assustador. Minhas costas estalaram, minhas pernas se entrelaçaram e meus dentes tremeram com o impacto. Consegui parar. Com a cabeça no gramado. Aí! Rio deu meia volta, cutucando-me com seu focinho e fungando, confusa.
Os médicos correram em minha direção, examinando meu pulso com os dedos e imobilizando meu pescoço antes de colocarem meu corpo em uma maca e me levantar.
- Estou bem - assegurei. Embora não estivesse tão bem. Rio saiu da pista junto comigo, balançando a cabeça ao meu lado, contraindo os ouvidos sempre que bufava.
- Estou bem - repeti.
É claro que Annabelle e meu pai nos acompanharam.
- É sério! - reafirmei observando os mafiosos se agruparem e, depois se dispersarem. - Estou bem. Quero ir para casa.
Meu pai olhou para os médicos:
- Ela está bem?
- Vamos examina-la na ambulância - disseram os médicos - O senhor pode estacionar do lado.
Meu pai pegou Rio e se apressou para levar a caminhonete e Annabelle até o local. Observando-os distanciar-se eu quis segurar minha respiração até eles reaparecerem.
- Jessie - uma voz me chamava. Virei e vi Georgia. - Eu nunca achei que veria você cair - afirmou - Está tudo bem?
- Sim - os médicos me ajudaram a levantar - Estou bem. - eles colocaram uma luz contra meus olhos. Resisti a vontade de dar um golpe contra eles. - Nossa, parabéns por ter feito um percurso tão próximo da perfeição.
Georgia abaixou a cabeça e riu.
- Gracie é um ótimo cavalo. - alguém me segurou para verificar meu pulso, que explodiria se a Máfia reaparecesse - Você não tem que ir receber o prêmio ou algo assim? É melhor não se atrasar.
- Sim. Eu achei que vocês duas iam passar na nossa frente. Seria uma ótima forma de retornar.
- As coisas mudam. - comentei, lutando para manter o sorriso vivo quando me dei conta de que estava citando Pietr - Você realmente merece a Vitória.
Ela sorriu e caminhou na direção dos juízes, que a esperavam.
Então os médicos anunciaram o que eu já sabia:
- Ela vai ficar meio rígida por algum tempo, com alguns ferimentos. Mas, fora isso, está tudo bem.
Eles me levaram até o caminhão e meu pai nos levou para casa rapidamente. Durante todo o caminho, observei a rua pelo retrovisor, perguntando a mim mesma por que não estávamos sendo seguidos... Esperando estar errada a respeito dos homens que vi em meio ao público do Golden Jumper.
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O segredo das sombras (CONCLUÍDO)
RandomJéssica não é mais a mesma garotinha rural. Desde que se apaixonou por Pietr, um lobisomem russo, sua vida se misturou com uma complexa trama de poderes envolvendo a família do rapaz. Pietr e seus familiares são os últimos indivíduos de uma linhagem...