Capítulo 34

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A mãe dos Rusakova me observou com seus lábios finos e sobrancelhas erguidas. Pés de galinha brotavam em volta de seus brilhantes olhos turquesa. O que no passado eram linhas que se formavam com o riso, agora eram sulcos de preocupação e de raiva. Meu Deus... Ela era tão jovem e, ainda assim, tão velha...
- É um prazer conhece-la, senhora Rusakova.
Atrás de mim, Max lembrou os seguranças:
- Vocês disseram que poderíamos entrar.
Um dos guardas apertou um botão na parede. Um intercomunicador zumbiu, enviando uma resposta.
- Sim, permita-lhes entrar no cubículo.
Soltei-me do braço de Cat.
- Não, dois entram, três ficam de fora - sugeri. Meu coração pulava. Quão difícil seria não trancar a porta quando tivesse em uma cela todos os lobos que queria?
Cat ecoou minha sugestão.
- Max e eu entramos primeiro. Depois, Pietr, Jessie e Alexi.
A mãe  deles me deu um sorriso, e meu coração pulou.
- Garota esperrrta - disse ela, com palavras fortes, carregadas do sotaque russo e do rosnado de um lobo.
Quatro outros guardas armados entraram na sala como forma de preocupação. Alexi e eu olhamos um para o outro. Estávamos fazendo a mesma coisa: cuidadosamente tomando notas mentais. Números, armas, velocidade de resposta.
Eles digitaram um código em um teclado numérico ao lado da porta e um guarda apertou a palma da mão contra a superfície desse teclado. Luzes piscaram, e um alto-falante rugiu "vermelho, vermelho, vermelho", enquanto um fecho se destravou e uma porta quase imperceptível no cubículo transparente se abriu.
Cat e Max entraram, e a porta logo se fechou atrás deles. Eu me apoiava em um pé e depois no outro ao lado de Alexi. Pietr já havia me deixado para ficar ao lado da porta.
Pude ver abraços e lágrimas. Tatiana, a mãe, puxou a única cadeira e sentou-se. Max, o bad boy da família, fingou e caiu aos pés da mãe, jogando os cabelos contra o joelho dela. Tatiana suspirou e brincou com os cachos escuros, acariciando-os como se tivesse todo o tempo do mundo. Cat sentou -se do lado ao outro joelho da mãe, com uma postura rígida e absolutamente alerta.
Cat enxergava o que eu também percebia: estresse, desgaste e a idade arruinando a beleza natural de uma mulher sem sua família. De uma mulher que havia perdido seu amor.
- Quem é ela? - a mãe apontou novamente para mim.
- Mãe - Cat levantou a voz - Eu disse que ela se chama Jessie.
Olhei para Alexi.
- A demência senil começa cedo na nossa espécie - murmurou ele.
- Não sou senil Alexi - gritou a mãe - E posso ouvir muito bem. Quero saber quem Jessie realmente é. Quem ela é para minha família?
Tive a impressão de que definir minha ligação com eles não era algo que eu devia fazer. Afinal, o que eu diria? Quase namorei seu filho mais novo, mas minha amiga-que-as-vezes-é-uma-louca o fisgou primeiro, então nós davamos uns amassos pelas costas dela até que ele se transformou e agora estou saindo com outro cara de Junction High que seu filho parece detestar.
Isso não era uma boa primeira impressão. Cat simplesmente disse:
- Ela abriu a matryoshka.
A cabeça da mãe moveu-se tão rapidamente que quase saiu do pescoço
- Ela abriu?
Alexi fez que sim com a cabeça.
- E então...?
- Nada - respondeu Alexi - Ainda não tenho respostas. Estou confuso.
Tive a impressão de que o assunto era complicado demais para mim. Cat, Max e Pietr olharam como se também não entendessem. Todos os olhares se direcionavam para Alexi.
- Perrrdas não são aceitáveis - disse a mãe. Seus olhos brilhavam, vermelhos.
- Frequência cardíaca acelerada - anunciou o alto-falante.
- É claro que está - ela rosnou.
- Mãe, estou fazendo o melhor que posso com os recursos limitados - explicou Alexi.
Agora eu tinha certeza de que a CIA também estava cuidadosamente tomando notas mentais, tentando decifrar aquela conversa. Ela sacudiu a cabeça, deixando seus longos cabelos caírem.
- Eu não duvido de você, Alexi. Independentemente do que você tenha tido de fazer para chegar até aqui.
Com uma expressão claramente atordoada, Max olhou para ela.
- Você sabia? Você sabe?
- Alexi sabia que chegaria um momento em que ele teria de tomar decisões difíceis... A vida dele sempre foi cheia de decisões difíceis. - a expressão de Tatiana estava cheia de dor, e Alexi ficou cabisbaixo. - Meu pobre garoto - ela sussurrou - Ele fez o melhor para proteger vocês não fez? - perguntou Tatiana, olhando explicitamente para Max, que, com um piscar de olhos disse:
- Mas a máfia...
- Ele telefonou para a máfia vim buscar vocês? - Ela alfinetou - Ou ele ficou do lado de vocês? Ajudando vocês?
- Você sabe sobre isso?
- Eles conversam - murmurou a mãe, apontando para os acompanhantes e os seguranças - Fofocam como garotinhas mal-educadas para me irritar. - os olhos dela brilharam, e em seguida, acalmaram-se. - Você também não deve duvidar de Alexi - ela advertiu seu filho de sangue mais velho  - O simples fato de não compartilharmos uma herança direta não significa que não compartilhamos um legado. A vida é um enigma, não é, Alexi?
- Da.
- E falta uma peça?
- Da. Uma peça muito importante.
- Então ainda há esperança.
- Da. - disse ele relutante em concordar.
- Sempre há esperança - conformei embora não soubesse exatamente em que eles tinham esperança.
Alexi descansou sua mão em meu ombro. Seus dedos tremiam. Ele não fumava desde que tínhamos saído de casa, e o nervosismo começava a aparecer.
- Você precisa parar de fumar.
- Você está fumando? - rosnou a mãe.
Loucura. Ouvidos de lobisomens.
Alexi deu um passo para trás e abaixou a cabeça, envergonhado.
- Você é meu filho Alexi. Não por sangue, mas por escolha. Nós adotamos você. Eu não vou tolerar um filho meu se arriscando com algo tão mortal quanto...
Eu não aguentava as implicância contra Alexi. Ele estava acabado ultimamente. Antes que eu pudesse me conter, verbalizei o rumor que corria por toda a escola:
- Max está tranzando com várias meninas!
Ah. DROGA!
A mãe encarou Max. Os olhos dela brilhavam.
- Frequência cardíaca acelerada - o alto-falante gritou novamente. Max ficou um tom mais pálido. Não. Três tons.
- Mãe eu... - ele caiu contra o chão com a barriga para cima, cobrindo os olhos com o braço. E gemeu.
- Maximilian?
- Mãe, eu... Eu não estou - Max suspirou e lançou um olhar para mim. - Não desde Paris - especificou com uma voz suave
- O que? - Pietr, Cat, Alexi e eu perguntamos em uníssono. Max fixou seu olhar em mim.
- Essas coisas que você pressupõe... - ele riu - Eu tenho uma reputação.  Uma boa reputação - afirmou.
A mãe rugiu, ainda desaprovado.
- Mas eu só flerto! - Max protestou.
- Continuamente - resmunguei
- E você beija - lembrou Cat. Ele deu de ombros
- E apalpa - acrescentou Pietr.
Max se sentou, encarando o irmão.
- E daí? Você está o tempo todo brigando consigo mesmo por que não pode...
Cat o silenciou com um olhar, correndo seus olhos para mim em seguida.
- O que você está fazendo Pietr? - perguntou a mãe, com olhos estreitos.
- Estou me esforçando - ele murmurou -Isso... - seus olhos correu em minha direção antes de se distanciarem - Não é fácil. Não é fácil saber que já estou morrendo e que tentar viver coloca outros em perigo.
Cat se levantou, puxando Max para que também se levantasse. Ela chamou a atenção do guarda.
- Hora de trocar - disse Cat - Jessie você também.
Cat e Max abraçaram sua mãe e em seguida, durante alguns momentos tensos enquanto os guardas observavam com suas armas a postos, o alto-falante gritou, as luzes piscaram e mudamos de lugar. Cat e Max encaravam os guardas. Pietr, Alexi e eu encaramos a mãe dos Rusakova. Ela segurou Pietr e o abraçou, somente se afastando para olhar seu filho no rosto.
- Você não anda dormindo - ela suspirou. Então, lançou um olhar para Alexi e para mim e perguntou: - Por que ninguém aqui está dormindo direito?
- Estavamos procurando por você - murmurou Pietr.
- Todos vocês? - Ela olhou para mim.
- Não mais - Alexi respondeu em meu nome. - Nós, meros humanos, estamos fora de ação.
Ela assentiu com a cabeça.
- Eles gostam tanto de vocês que querem mantê -los vivos. Eu também procurei por vocês. - ela se lembrou - Houve um breve período em que estive livre. Segui o cheiro de vocês até onde pude, em meio a fazendas de criação de cavalos e parques... Mas o Rio dificultou as coisas. Encontrei a escola de vocês pouco antes de eles me capturarem outra vez. - ela suspirou
- Era você no colégio naquela noite... - conclui. Sentei-me em estilo indiano e lembrei-me: - Mas na chuva, naquela outra noite? Não era você.
- Por que você precisa abordar esse assunto? - perguntou Max. - Eu estava patrulhando. E voltei manco daquele encontro.
Meus lábios se curvaram sobre meus dentes quando me deu conta.
- Quem foi que disse que a resposta lógica para o ataque de um lobo é atacar o animal na virilha com um pedaço de pau? - ele me perguntou.
Pietr, Cat e Alexi contiveram o riso.
- Desculpa? - tentei.
Ele bufou.
Foi Tatiana quem fez que nos concentrassemos novamente:
- Se você abriu a matryoshka, onde está o pingente? - murmurou olhando para meu pescoço - É esse...?
- Não - respondi - Esse é o netsuquê de minha mãe.
- Você não deu o pingente a ela? - perguntou Tatiana a Alexi.
- Da. Pietr deu - Alexi olhou para Pietr confuso.
Pietr não tinha dito a ele que eu havia devolvido o pingente.
- Pietr?
- Eu dei para ela.
- De ele para mim - Tatiana estendeu a mão.
Pietr o retirou do bolso e o passou para sua mãe.
- Isso é seu - disse ela, caindo de joelhos diante de mim - Você abriu a matryoshka. Você é importante para nós
- Importante como? - sussurrei - Eu não sei quão importante sou para sua família. Vou ajudar como eu puder, pode ter certeza disso. Mas... - sacudi a cabeça.
Tatiana encostou suas mãos aquecidas em meu rosto.
- Shhh, Jessie - ela me silenciou - As vezes não sabemos qual é o nosso papel até que ele apareça diante de nós. E então, tudo o que podemos fazer é nosso melhor para vencer.
Ela se aproximou, prendendo a corrente em meu pescoço.
Olhei para Pietr. A corrente era nova. Mais pesada. Mais forte. A mãe dos Rusakova olhou para nós dois.
- É melhor vocês todos irem embora... o tempo...
O alto-falante gritou: "trinta minutos, trinta minutos".
- O tempo acabou.
Alguns abraços rápidos , mais algumas lágrimas e estávamos fora do cubículo e (com nossos seguranças armados) estávamos a caminho para encontrarmos Kent e Wanda.
Voltamos para o laboratório, onde Wanda discutia animadamente com Henry.
- E o que eu devo fazer com relação a isso? Espero que não haja trocas de fluidos corporais? Brinque de bobinho com...
O olhar aguçado de Henry a fez parar no meio da frase.
- Caramba! Vou cuidar disso - Wanda lhe assegurou, murmurando - E entãããão... A mamãe ficou feliz em vê-los? - perguntou olhando para nós e abrindo um leve sorriso.
Max olhou torto por ela ter usado uma forma carinhosa para referir -se a Tatiana.
- Todos nós ficamos felizes por termos a oportunidade do encontro - respondi, apertando o braço de Max. Ele se acalmou com meu toque, embora eu não estivesse certa se ouviria um sermão depois por tê-lo dedurado para sua mãe.
- Ótimo - disse Wanda, animadamente - Então vamos terminar esse pequeno encontro. Vamos querer uma amostra de medula e de pelo antes do próximo convite. Deixarei que escolham a data. E depois disso, talvez tenhamos de renegociar.
- Renegociar?
- Cat - adverti. - Ela disse talvez.
Wanda assentiu. Em seguida, nós a seguimos até a porta como cachorrinhos perdidos. Subindo as escadas, contei os andares. Se tivéssemos de fazer algo drástico, talvez estivesse escuro demais. Contar degraus poderia evitar que tropeçassemos.
Finalmente do lado de fora, Wanda esfregava as mãos para proteger -se do frio.
- Acredito que vocês saibam o caminho para casa, já que moram bem perto - ela murmurou.
Uau, eles tinham se tornado arrogantes.
O olhar de Wanda deslizou de Pietr para mim, como se ela estivesse avaliando algum perigo.
- Jessica, já volto para levar você para casa.
- Não se preocupe - respondeu Max. - Eu levo Jessica de carro.
Novamente ela avaliou Pietr com um olhar
- Aah. Tudo bem.
Wanda deu de ombros e voltou para dentro daquele lugar.
Atrás de nós, muitas coisas tinha feito sentindo.

- Não posso fazer isso - murmurou Cat enquanto Max tirava o carro da rua da casa dos Rusakova. A voz dela estava rouca. - Não posso ser como ela tão cedo...
- Cat- insisti - Você ainda tem anos de vida. Vocês todos ainda tem.
- Não tantos quanto você - disse ela - Por que eu não posso ser normal... em vez disso? - perguntou Cat. - Tão normal quanto Jessie?
Do banco do passageiro,  Alexi olhou para trás, para Cat.
- Você é muito afortunada, Ekaterina - disse ele - Você tem muita coisa que muitas pessoas matariam para ter... E muitos mataram.
- Eu daria tudo isso para viver uma vida normal e alcançar normalmente minha velhice. - insistiu Cat.
Eu não consegui manter a boca fechada.
- Algumas pessoas normais também não vivem muito. E se você deixasse de lado seus dons, sua habilidade de cura, e morresse atravessando uma rua? Esse tipo de coisa acontece Cat. Não existe uma duração normal para a vida. Existe apenas uma média.
- Talvez simplesmente estejamos destinados a ser assim - acrescentou Pietr. - Selvagens e fortes e... nada mais. Por que não aceitar o que está esculpido em nossa genética e ser tudo o que podemos ser, durante o tempo que podermos ser? Viver a vida de forma impetuosa?
Max virou o carro e entrou na rua da minha casa.
- Viver rápido, morrer jovem. - murmurou.
Ele estacionou, e eu não consegui sair do veículo rápido o suficiente.
- E o que você deixa para trás? - perguntei enfiando a cabeça novamente pela porta aberta e olhando torto para Max. Meus olhos atormentados mostravam que eu não tinha me atrevido a olhar para Pietr - E quem você deixa com nada além de suas lembranças? Quantos corações você fere quando se arrisca demais e morre jovem de mais?
Bati a porta do carro e segui para dentro da minha casa.

O segredo das sombras (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora