Capítulo 27

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De sua cadeira, a Dra. Jones olhou para a mesa quando entrei.
- Srta. Gillmansen. Não esperava que você fosse voltar.
Senti meus ombros se apertarem.
- Talvez você tenha tomado parte do meu tempo, mas valeu a pena tentar.
- É mesmo? - o olhar dela ameaçava apontar para mim.
- Sim. Aquelas coisas que eu disse da última vez...
Ela cruzou os braços e apoiou as costas na cadeira.
- Sim, sobre a Máfia russa, a CIA...
- E lobisomens.
Um sorriso formou-se em seus lábios:
- Quem se esqueceria dos lobisomens?
- Aquelas coisas que eu disse para você eram...
O canto do lábio da Dra. Jones se retorceu.
- Mentiras - ela concluiu.
Bem, pelo menos eu não precisava dizer.
- Você gostaria de recomeçar? - ela olhou para o relógio.
- Sim.
- Devemos nos focar na sua expressão de sofrimento por conta da perda de sua mãe?
Senti um aperto na garganta, as palavras queimando seu caminho em direção a minha língua, fiquei parada. Seca como poeira e com a boca entupida. Meus olhos ardiam. Mas assenti, tirei as mãos do bolso e me sentei.

Meu pai estava do lado de fora; a caminhonete, ligada. Eu o tinha feito concordar em esperar no estacionamento, assim eu não teria de sofrer mais um daqueles seus abraços de urso dentro do consultório. Ele assobiava.
- Ah, droga pai. A Wanda vem outra vez?
- Não, ela deve estar lá agora.
- Engraçadinho.
- Ei, quem foi que disse que seu cativeiro não pode pelo menos ser divertido para um de nós?
- Seria divertido se meus amigos pudessem me visitar - torci o nariz.
- Amanhã - ele prometeu. Seus dedos batiam contra o painel. Ele deu ré na caminhonete - Nem diga o nome dele - ele desafiou.
Então eu disse.
- Pietr é meu amigo.
Meu pai não sabia que isso já não era mais verdade.
Tenso, ele apertou o volante simplesmente ao ouvir a uma menção ao nome de Pietr.
- Deixe esse para Sarah. Eu sei que ele parecia simpático com você, mas você faz coisas idiotas quando está com ele. E eu sei que você diz que ele não bateu em você... que... Você caiu, certo?
Concordei. Eu tinha caído. Enquanto apanhava de um agressor que parecia da CIA.
- Então você fez coisas idiotas e se tornou desastrada? Não sei, não. Alguma coisa não está certa nesse garoto. Ele é perigoso.
- Mas a Wanda, com aquela coleção de armas de fogo, é...
- Bem prepara e charmosa - ele respondeu.
- Uau - eu tinha pensado em fazê-la desaparecer, mas precisava dela para me levar até os Rusakova. Eu só nunca tinha pensado... - Charmosa, pai? Que nojo!
Ele abriu um sorriso de orelha a orelha.
- Você conheceu a Wanda?
- Já fiz mais do que isso - disse ele, enchendo o peito.
Enrubesci por nós dois.
- Paaai...
- Beijos... beijos. Nossa, Jessie! Está vendo do que estou falando? Só falar naquele garoto já faz você pensar em coisas idiotas.
Em um piscar de olhos, tínhamos atravessado Junction e eu tinha deixado passar minha parte preferida da ida a terapia: a rua Principal. Meu pai estacionou o carro e olhou para mim.
- Pietr é problema Jessie. Ele é o motivo que fez você mentir...
- Não - Pietr tinha sido a parte mais verdadeira da minha vida. Até eu corrompe-lo.
Wanda se levantou ao ouvir nossos passos, com o estojo de seu revolver na mão. Abri minha janela, olhando na direção dela. Nosso sinal. Meu pai sacudiu a cabeça.
- Esse garoto é o motivo de você fugir. E dessa última vez...
Ele pulou, Wanda estava a sua porta, batendo.
Embora eu jamais tivesse pensado que agradeceria a alguém pela existência de Wanda, silenciosamente dei graças a Deus.  Sim, ela era grosseira, rápida demais e sabia demais, mas tudo isso provavelmente fosse parte das exigências de seu trabalho na CIA. E ela era minha carona. Eu não podia arriscar perder isso.
- Olá bonitão - ela cumprimentou.
Meu pai abriu a janela para cumprimenta-la.
Desviei meu okhar enquanto eles se beijavam. Não fazia seis meses da morte de minha mãe. Eu queria ver meu pai feliz. Queria, de verdade. Mas feliz era diferente de namorando. E beijar. E namorar e beijar... E quando eu estivesse mentalmente preparada para ver meu pai fazer isso... bem, definitivamente não seria com Wanda.
- Eu estava dizendo a Jessie por que ela e aquele Rusakova não devem se ver.
A expressão de Wanda se tornou seria.
- Ainda de castigo?
- Até amanhã - respondeu meu pai.
Eu me perguntava se o fato de Wanda fazer o papel de chofer também não a cansava. As desculpas que ela inventava para me tirar de casa envolvia atividades que não combinavam nem um pouco com ela. Porém, meu pai nunca questionava quando Wanda sugeriu fazer coisas de menina comigo.
Ele certamente esperava que aquilo aliviasse a dor que eu sentia por ter perdido minha mãe. Mas ir às compras não faria isso. Talvez o tempo ajudasse.
Finalmente. Wanda colocou o estojo de sua arma em meus braços assim que desci da caminhonete.
- Seja boazinha e leve isso.
Grunhi, descendo a colina com eles. Levantei a bandeira de segurança para mostrar que os ruídos ali no pasto eram reais. Enquanto levantava dois alvos, eu me perguntava se não devíamos estar sob um abrigo, caso o céu decidisse cair. O céu acima de nossa fazenda estava pesado, estampado por nuvens pintadas de azul acinzentado.
A brisa bateu, cegando-me com meu cabelo. Wanda puxou um elástico do bolso.
- Prenda os cabelos - disse, rindo de mim.
- Óculos de segurança - meu pai me lembrou. Coloquei as pernas dos óculos atrás de minhas orelhas, colocando meu mundo com um âmbar dos tiros.
Abrindo o estojo com a arma, fiquei parada. O brilho do aço polido contrastava com a madeira e o osso nas coronhas de cada um dos revólveres. Wanda inclinou o corpo e ofereceu ao meu pai o de osso.
- Modelo dezenove, cano de quatro polegadas Smith & Wesson; 357 Magnum.
Meu pai segurou o objeto mais como se fosse um filhote de passarinho que tinha caído do ninho do que um mecanismo mortal nascido de fogo e metal.
- Eu fico com esse - Wanda pegou o outro.
Ar ordens eram curtas no pasto da família. Olhei em vokta antes de anunciar:
- Prontos a direita? Prontos a esquerda? Tudo claro. Começar disparos.
Eles esvaziaram os revólveres rapidamente. Wanda terminou primeiro e logo estendeu a mão esperançosamente e pegou mais seis cartuchos. Ela girou o cilindro, derrubando as balas com uma velocidade que denunciava muita prática.
Em seguida, fechou a arma e a passou para mi. Meu pai observou, lutando para esconder sua curiosidade. Ele puxou a munição da minha mão.
- Wanda e eu estávamos falando de você e do seu potencial. Nós dois achamos que você devia voltar a praticar.
Examine a bela ferramenta da morte em minha mão.
- Eu não...
- A gente nunca sabe quando esse conhecimento pode ser últiu - acrescentou Wanda - Ele pode salvar a sua vida
- Não quero voltar a participar de competições de tiro ao alvo. Aquilo era... - olhei para meu pai - um sonho seu, e não meu.
O rosto de meu pai continuava sem expressão, mas eu sabia que as engrenagens em sua cabeça estavam girando. Ele detestava o fato de eu desperdiçar um dom, de eu ter uma habilidade e não tira vantagem dela. Meu pai permaneceu em um silêncio que esperava que eu quebrasse.
- Droga! Talvez eh partícipe de competições... De algumas. Mas do de tiro rápido. - tiro rápido permitiria que eu me defendesse. Olhei fixamente para Wanda, forçando-a a ler meu olhar. Ela assentiu, concordando em silêncio que as medalhas tem muito pouco valor quando você não está vivo para mostra-la. Ela piscou.
- Está bem Jessie - ele cedeu. Por enquanto.
Olhei para os alvos e escolhi aquele que parecia mais limpo. O de meu pai. Ergui o revólver, relaxei meus ombros e minhas mãos e acalmei minha respiração... Mirei para a imagem e atirei. A boca da arma subiu e, logo que desceu, atirei novamente.
O céu se tornou escuro, o alvo se dissolveu, sendo substituído por Grigori avançando em nossa direção naquela noite. Carreguei a arma e atirei novamente. Mais uma vez. Mais uma vez. E mais uma vez.
Minha pegada afrouxou e olhei para frente, lutando contra o fato de que não havia nenhuma ameaça.
Era só eu, atirando contra papel. Wanda tirou o revólver da minha mão.
- Você realmente acabou com o Centro desse alvo.
Meu pai sorriu.
Assenti com a cabeça e ele correu para verificar o que havia sobrado do alvo. Meu pai deixou escapar um grito de alegria e eu forcei um sorriso.
- Bom trabalho Jessie! - ele elogiou caminhando em nossa direção. - Parece que você não precisou parar em momento algum.
Wanda me observava. Ela sorriu para agradecer meu pai, mas suas palavras suaves estavam cheias de avisos:
- Você sabe que, numa situação real, você não vai ter todo esse tempo. Vai ser pop pop pop. Você não vai ter tempo para soltar o ar e se acalmar, não vai ter tempo de deixar a gravidade trazer a boca da arma de volta para baixo. Você vai ter que forçar seus músculos. - Ela fingiu que dava tapinhas em minhas costas e então gritou: - Ótima admiradora, essa garota!
- Eu não queria nada disso - chiei.
Wanda olhou para mim, seu sorriso tolo desaparecia tão rapidamente quanto um raio:
- Ninguém quer isso Jessie. Mas temos que dar conta do que recebemos, ou então morremos.
- Nossa! De repente, vocês duas ficaram tão sérias. - disse meu pai, correndo em nossa direção.
- Wanda estava me lembrando de que a prática leva a perfeição e de que ainda tenho muito a aprender.
O olhar de Wanda endureceu por um momento.
- Sim, todos nós ainda temos muito a aprender - ela afirmou. - Ei, eu isso organizar uma competição em algumas semanas. E posso emprestar para você a arma perfeita.
- Ótimo - concordou meu pai, beijando a bochecha de Wanda - O que você acha Jessie?
Fiz a resposta se arrastar por entre meus dentes:
- Ótimo. Tenho algumas coisas para fazer no celeiro.
- Almoço ao meio dia - gritou meu pai. Na verdade, caminhando na direção do celeiro para enervar com o cardápio que já tinha reorganizado duas vezes em meio ao meu tédio. Pensei sobre meu novo, novo, novo "normal": terapias regulares, ausência de minha mãe, nada de namorado lobisomem, andar a cavalo, tarefas na fazenda, colégio, edição do jornal e competição de tiros.
Que ótimo.



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Sem correção

O segredo das sombras (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora