Capítulo 44

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Por mais estranho que possa parecer, as coisas melhoraram entre mim e Sarah. Era quase como se estivéssemos de volta aos tempos pré-Pietr. Sarah engolia livros o dia inteiro, e eu não me envolvia em nenhuma manifestação pública de afeto. Max e Amy compensavam minha carência dessas demonstrações, e eu me preocupei quando vi, em uma manhã  Marvin olhar para eles, até Derek puxa-lo e levá-lo para outro lugar.
Um pouco distante dali, Sophia observava o nada quase com a mesma curiosidade com que observava nossos movimentos.
- Ela está aqui? - perguntei depois que todos tinham se espalhados pela escola.
Sophia franziu a testa, focando algum outro ponto, como se tentasse ouvir alguma coisa bem longe dali. Em seguida, assentiu.
- Ela se manifesta de forma cada vez mais clara - suspirou - Quando tenta. Acho que ela gostaria que você pudesse vê-la também.
Olhei para o mesmo ponto que atrairá a atenção extasiada de Sophia. Sem sorte.
- Eu sei que ela está por aqui ocasionalmente - assegurei.
- Ela está sempre por aqui. - corrigiu Soph.
- Ah... - pensando na minha mãe como testemunha da rápida sessão de amassos que eu tinha tido com Pietr na noite anterior, murmurei: Super vou ficar de castigo quando eu morrer.
Sophia gargalhou.
- O que ela está fazendo?
- O que os olhos não veem, o coração não sente... Acho que ela quer dizer que sabe quando é hora de tapar os olhos e os ouvidos.
- Minha mãe sempre teve um ótimo senso de humor.
- Ela também está feliz por você estar longe de Derek.
- Pois é, eu queria saber por que isso é tão importante... Quer dizer, eu sei que ele está envolvido com alguma coisa estranha, mas...
-  Fique longe dele Jessie - enfatizou Sophia. - Não importa o que acontecer. Você tem tido sorte, mas uma hora até a maior das sortes chega ao fim.
O senhor Belden saiu da classe, olhando para nós.
- Último sinal em três.
Corri para a porta...
- Dois.
...corri pela sala...
- Um.
...e me sentei ao lado de Pietr.
O sinal tocou. Belden bateu uma folha de papel cor de rosa sobre minha carteira.
- Detenção - declarou.
- O que? Mas eu consegui chegar...
- Correu pelo corredor.
- Isso é totalmente injusto - murmurou Pietr.
- O que o senhor disse, senhor Rusakova? - perguntou Belden.
Pietr fez uma pausa enquanto chegava a uma decisão.
- Isso é injusto. É um saco.
Outra folha rosa apareceu.
- Para você também- disse Belden, aparentemente bastante satisfeito. Mas Pietr estava ainda mais satisfeito.
Estávamos em meio a equações quando a carteira atrás de mim cambaleou e senti algo quente e molhado pingar em minhas costas.
- Meu. Deus. - Eu conhecia aquele cheiro de algum lugar.
Vômito.
Saímos de nossas carteiras e olhamos para Kylie Johansen tendo uma convulsão, espalhando aquele líquido como um irrigador de grama programado para jogar água em todas as direções aleatórias. Belden falava ao microfone de comunicado interna. A enfermeira já estava a caminho quando eu e Pietr afastamos nossas carteiras do corpo de Kylie, que se retorcia.
A enfermeira gritou para que tirassemos as coisas do caminho na sala. Os paramédicos chegaram tão rápido que eu me perguntava se Junction High os mantinham em stand-by. A porta da sala se fechou. Minha boca não fez o mesmo. Eu estava assustada. Olhei para meus colegas de classe. Stephen Marx segurava a cabeça como se tivesse uma enxaqueca extremamente forte e Lyn Marretti, pálida e trêmula, apertava seu estômago. Aliás, todos os meus colegas de sala, exceto Pietr, pareciam péssimos. E era eu quem estava coberta de vômito.
O senhor Belden olhou para mim enquanto os médicos levavam o corpo de Kylie sobre uma maca pelo corredor.
- Sem detenção - murmurou o professor, torcendo o nariz como se aquele fosse o pior cheiro que ele já tinha sentido na sala - Essa punição já foi mais do que o suficiente.

Pietr foi para a detenção e Max insistiu que Amy e eu devíamos acompanha-lo até um café após o colégio, já que eu tinha me livrado do moletom nojento e agora mais parecia uma fã alucinada do Junction Jackrabbits, dessas que usavam a camiseta de educação física em público. Civilizado como era Max, sua opção não seria nada como drive-thru ou café no Grabbit Mart. Em vez disso, ele estacionou o carro na frente do mais novo e mais europeu café da rua Principal de Junction. Quando nossa conversa sobre amenidades se reduziu a quase nada, ele me olhou nos olhos.
- Pietr, Alexi e eu vamos sair hoje a noite.
- Ah... - senti meu coração afundar. - Hoje a noite? - aquilo era repentino demais, assustador demais. Eu sabia que o tempo estava se esgotando. Eu sabia que a CIA não cooperava. Eles manteriam Tatiana viva se isso garantisse a eles acesso aquela família. Mas quando Wanda começou a tentar me manter distante dos Rusakova, os lobos decidiram que era hora de agir contra eles. Era hora de libertar Tatiana e de pensar em uma nova estratégia. Talvez um novo local.
Droga. Com Cat curada, só havia mais dois lobos e um humano contra uma rede de agentes. Eu já tinha sido avisada de forma bastante direta por um dos meus guardas caninos ocasionais de que eu não estava autorizada a ir.
Passei meu canudo pela base do copo, sugando os últimos goles do café com caramelo. A bebida sequer parecia doce agora que eu sabia de tudo aquilo.
- Quão ruim isso poderia ser, Jessie? - Amy deu um soco em meu braço. - Eles vão sair uma noite. Em Junction. Pietr não quer ficar com ninguém além de você. - ela passou o dedo dentro de seu copo para pegar o que restava de chantilly.
Max olhou. Agora eu podia entender o título da música "Hungry like the wolf".
Distraída, Amy lambeu o dedo.
- Que dizer... Eles realmente conseguiriam arrumar problemas em Junction?
- É verdade - disse Max. Sua voz de repente estava uma oitava abaixo. - Em que tipo de problemas eu, a gente... Em que tipo de problema a gente conseguiria se meter em uma cidade pequena como está?
- Com você ao volante? Vários! - chutei-o por debaixo da mesa para enfatizar.
Uma breve pausa em uma das seis ou sete farmácias da cidade e os Rusakova estavam novamente munidos de curativos, pomadas e uma série de analgésicos e itens de primeiro socorros.
Amy olhou para Max enquanto ele enchia a cesta. Ele deu de ombros, sorrindo.
- Você sabe que Pietr tem uma predisposição a ferimentos.
Amy assentiu, certamente lembrando-se do passeio de triciclo, quando nos duas nos assustando com a possibilidade de Pietr estar morrendo. Aquilo foi bem antes de eu saber que Pietr estava morrendo mais rápido mais rapidamente desde que completou treze anos e que coisas "normais" significavam tão pouco a saúde dele.
Fiz uma observação:
- Talvez eu soubesse disso, mas tinha certeza d este você não conhecia a palavra predisposição.
- Não sou só um rostinho bonito - brincou Max.
Amy sorriu.

O segredo das sombras (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora