- Você precisa aceitar os sinais - insistiu Pietr, com a gata na mão e correndo pelas escadas do Golden Oaks. - Não force a barra, Jess. Ela disse para você permanecer alerta ao garoto - disse ele, abrindo a porta da senhora Feldman. - Eu sou o garoto.
- Papo-furado - disse a senhora Feldman - Fechem essa porta.
Sentindo-me intimidada, obedeci.
- Você é tão egoísta a ponto de acreditar que tudo está ligado a você, Pietr? - perguntou a mulher. - Só porque as cartas foram tiradas na sua presença, isso não significa que... - ela bufou um ar exasperado. - Se você é tão fascinado consigo mesmo, talvez devesse acariciar o seu ego e me contar mais, hum? - a senhora Feldman reuniu as cartas como se fossem abelhas nervosas e as embaralhou furiosamente. - Não toque em nada - ordenou ela quando Pietr estendeu a mão para pegar uma das cartas. - Vou puxar o seu coração e exibi-lo aqui. Agora.
Ela jogou as cartas de uma forma aparentemente aleatória e se inclinou, olhando sobre o colo para examina-las.
- Ah - sussurrou, analisando.
Segurei o braço de Pietr. Seus olhos piscaram para mim, brilhantes como fogos de artifício.
- Ah, não. Eu não... - ela se afastou até onde a parede permitia. - Eu não tinha me dado conta do que você é... Não achei que você fosse me encontrar aqui. Eu tentei - ela jurou.
- Que diabos... - murmurou Pietr, piscando os olhos.
- Senhora Feldman, do que a senhora está falando? - coloquei Tag ao lado dela na cama. O coração âmbar deslizou para fora da minha linha do pescoço, ficando pendurado entre nós. Hipnotizada, a senhora Feldman abria e fechava a boca como um peixe fora d'água.
- Ah, não é de se espantar que você esteja com ele... Você abriu a matryoshka?
- Isso... - ela passou um dedo com ossos salientes pelo pingente - Isso estava dentro dela. Recomendei esse design a pedido do meu pai. - Levantou a cabeça, balançando o corpo para frente e para trás, murmurando incoerentemente.
- Hazel Feldman - repreendi. - Ninguém aqui vai ferir a senhora. Pare de falar coisas sem sentido e converse com a gente.
Ela parou de balançar o corpo. Seu olhar deslizou atentamente para Pietr e, em seguida, de volta para mim.
- Ele é um oborot - contou em tom de segredo. - Um lobisomem.
- Sim. E eles têm ouvidos muito bons. - acrescentei. Minha mente acelerou. E se ela não soubesse que Pietr era um lobisomem... Quais segredos ela teria visto na primeira vez que leu as cartas? - Quem é você? A CIA?
- Não! - os olhos da senhora Feldman arregalaram. - A CIA está envolvida?
- Deixe para lá - disse Pietr com uma voz suave como um creme. - A senhora trabalhou na busca de uma cura? O que a senhora sabe sobre tudo isso?
- A pergunta deveria ser o que eu não sei - ela insistiu - Meu pai criou vocês... O principal cientista do Projeto Oboroht. Ele foi considerando um fracasso quando a primeira geração não se mostrou acentuadamente diferente, mas depois, apenas dezessete anos depois que o projeto foi abandonado, meu pai ouviu relatos de crianças estranhas, assassinos horríveis... Suicídios e monstros - ela tremeu - Ele percebeu que seu projeto não tinha sido um desastre completo, mas que estava ligado a uma cronologia canina. Ele tentou reunir seu... seu povo outra vez, encontrar vocês e se redimir, mas... Vocês morrem tão jovens...
Pietr desviou o olhar.
- Ele se tornou um homem diferente. Não pode retornar a União Soviética depois que soube que sua pesquisa havia gerado uma consequência tão trágica. Criar algo assim, uma bomba-relógio genética... Ele veio para cá para rastrear melhor a prole dos oborot, estudar e encontrar uma cura. Mas eu não queria nada daquilo. Eu... - ela apontou para as cartas. - Eu escolhi um caminho diferente. Na época eu acreditava que mágica e ciência se excluiam mutuamente. Se uma existia, a outra não poderia existir.
Ela olhou novamente para Pietr, analisando a expressão dele.
- Vocês são diferentes daquilo que eu esperava. Ele é lindo não é?
Enrubesci.
- Sim - concordei - Incrivelmente lindo.
- E você sabe e ainda assim... - com o corpo enrijecido, ela perguntou mais uma vez: - Você não vai me ferir?
- Nyet. Não vou - esclareceu Pietr, solene.
- Permita-nos testar aquela teoria. Ela viu... Aaah... - os olhos da senhora Feldman brilharam. - Ela o viu no seu aniversário, certo, Pietr?
- Da.
- Ela sabe quem você é de verdade.
- Ele só dividiu a verdade comigo por causa disso. - Apontei para o pingente.
- Não é verdade! - Pietr se levantou apressadamente.
- Você pensou que fosse um sinal por causa do coelho netsuquê.
- O coelho netsuquê... - murmurou a senhora Feldman, batendo em sua própria testa como se agora tudo estivesse extremamente claro. - Sua mãe? Eu dei o coelho para ela em Brighton Beach.
- O que? Eu preciso me sentar. - deixei meu corpo cair sem nenhum glamour em uma cadeira por ali. - A mãe de Alexi era a mulher misteriosa de Coney Island... Como elas se ligam?
- A mãe de Alexi... Ah... - A senhora Feldman fez uma pausa e respirou fundo. - Elas são... Eu sou as duas - disse ela. - Talvez você devesse estudar mais geografia, querida. Brighton Beach e Coney Island não são locais tão distantes um do outro.
- Por que você deu o concelho a mãe de Jess? - questionou Pietr.
- Foi uma profecia - ela deu de ombros.
- Não. As coisas são profetizadas? Nosso destino já está escrito nas estrelas? Não! Isso é Shakesperiano de mais. Trágico de mais. - engoli em seco, pesando em Romeu e Julieta. - Você quer dizer que eu não tenho escolhas na vida? Que existe algum plano maior que eu não tenho chance de mudar?
- Shhh - acalmou-me a senhora Feldman. - O simples fato de algo estar escrito nas estrelas não significa que nossos destinos estejam fixados. As estrelas podem transmitir a impressão de que não se movimentam, mas elas estão se movendo enquanto nosso universo retorna ao ponto do Big Bang. Jamais achamos que as coisas estão fixadas. Temos escolhas. Mas algumas coisas são altamente recomendadas - ela lançou um sorriso. - Acho que é altamente recomendável chamar a enfermeira para buscar meu cofre.
As sobrancelhas de Pietr se levantara.
- Embora eu tenha sido filha prodigia, nao abandonei a busca de meu pai pela cura. - ela apertou um botão em sua cama e uma enfermeira logo apareceu. - Traga a caixa HF169, por favor.
A enfermeira desapareceu.
- Enquanto esperamos, talvez possam responder minhas perguntas. O garoto que seus pais adotaram... - continuou Feldman.
- Alexi - disse Pietr.
- Ah. Ele está bem?
- Da.
- Que bom. E como é ele... Como é meu filho?
- Ele é inteligente, forte e bonito - respondi, acrescentando a última palavra mesmo sem enxergar Alexi dessa forma.
- Bom! E Pietr, na noite do seu aniversário... Jessie o aceitou como você é?
Ele admitiu com a cabeça, de forma lenta, como se estivesse incerto.
- Vocês se envolveram?
Endireitei minhas costas ao ouvir a pergunta.
- Nyet. - Pietr respondeu, relutante.
- Interessante - ela olhou para as cartas ainda espalhadas sobre a cama. - Não é uma tarefa fácil aceitar alguém que não sabe se é um homem ou um monstro - disse ela para mim.
- Não é difícil se você se importa com ele - declarei.
Ela concordou.
- Então por que? Por que você está tentando ficar distante dela agora? Você se envolveu com outra pessoa?
- Nyet. - ela estalou os dedos - Estou tentando protege-la.
- Ficando longe dela? Interessante. E ela está mais segura agora que você se mantém distante?
- Da.
- Nyet - contrarie. - Havia mafiosos no Golden Jump. Eu desisti da competição só para sairmos logo de lá.
- O que você acabou de dizer?! Por que não me contou que...?
- Quando, Pietr? Quando você estava dando uns amassos na Sarah? Quando você se recusava a atender meus telefonemas? Quando você se isolou na minha festa de aniversário? - expus toda a lista. Meu rosto queimava em consequência da raiva. - Você se esqueceu de que não dedicou nenhum tempo a mim... E, para mim, doeu mais cair do meu cavalo do que ter tomado aquele soco do cara na igreja.
Pietr estava diante de mim, segurando meus braços. Seus olhos, vermelhos como rubis.
- Você se esqueceu de que eu sou o garoto contra quem você foi alertada.
- Senhora Feldman? - a enfermeira abriu a porta. - Está tudo bem por aqui?
- Sim, sim - ela abanou a mão. - É só uma demonstração de drama adolescente.
- Está bem - A enfermeira deixou uma caixa numerada e uma chave sobre a cama. - Romeu e Julieta?
- Eu realmente espero que não - zombou Feldman enquanto a enfermeira balançou a cabeça e saiu. - Feche a porta - ela lembrou.
A senhora Feldman abriu o cofre e retirou um diário incrivelmente parecido com aqueles sobre os quais Alexi andava se debruçando em busca da cura. - Leve isso quando sair. Vocês agora devem ter todos os treze diários. Minhas notas estão nas margens.
Assenti com a cabeça.
Pietr me soltou e prendeu seu olhar ao meu.
- Está vendo isso, Jessie? - ele murmurou, arregalando os olhos de modo que eu não pudesse não perceber o vermelho que ali brilhava.
- Sim.
- É por isso que não posso... Por isso que eu não...
O baralho bateu contra o rosto de Pietr e caiu no chão.
- Você não é o garoto, Pietr Rusakova - gritou a senhora Feldman. Ele se virou.
- Como a senhora sabe?
- Essa mensagem veio de uma fonte específica. Algum de vocês conhece um espírito que está solto por aí?
Suspirei. Pietr olhou para mim enquanto eu lentamente erguia minha mão.
- Uma amiga minha acha que minha mãe está tentando se aproximar de mim.
Pietr arregalou os olhos.
- Que surpresa, não é mesmo? - resmunguei - Lobisomens, fantasmas... Feliz Halloween.
- Que surpresa - repetiu Pietr. Todavia, ele adotou um tom de quem estava realmente falando sério.
- Sinto muito, Jessie. Eu não tinha me dado conta - lamentou Feldman. - Algumas vezes os espíritos ficam presos. Em um momento ou em um lugar... Alguns conseguem se libertar, mas outros... - ela deu de ombros. - Quando sua mãe estava viva... Quem era o garoto sobre o qual você conversava com ela? Ou havia um garoto no local em que ela morreu? Pode ser qualquer uma dessas possibilidades...
Cai de volta na cadeira.
- Ah... Eles são o mesmo. Como a senhora - confessei para a senhora Feldman. - O mesmíssimo.
Vendo a preocupação no rosto de Pietr, tratei de acalma-lo:
- Não é você. É Derek.
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O segredo das sombras (CONCLUÍDO)
AcakJéssica não é mais a mesma garotinha rural. Desde que se apaixonou por Pietr, um lobisomem russo, sua vida se misturou com uma complexa trama de poderes envolvendo a família do rapaz. Pietr e seus familiares são os últimos indivíduos de uma linhagem...