Capítulo 18 🐾

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Durante nosso trabalho voluntário, Pietr me evitou. Jaikin, Hascal e Smith me deram as boas-vindas de volta ao nosso grupinho socialmente estranho, flertando comigo enquanto Pietr permanecia sentado na frente da van, com as costas retas e duras.
Eles se impressionaram com o que a maquiagem podia fazer no rosto de uma garota enquanto eu não podia esperar pelo dia em que eu já não precisaria daquilo e poderia retirar aquela porcaria que tinha penetrado em meus poros.
Pietr nos ignorou. Eu especialmente. Determinada a faze-lo reagir, flertei mais descaradamente.
Se meu teatrinho o deixou chateado, ele não demonstrou.
Eu havia levado um camaleão ao asilo Golden Oaks duas vezes, com Hascal e Smith. Por questão de alergia, Hascal levava um peixe dourado em um saquinho plástico. Tudo para nossa missão de animar Golden Oaks.
Smith tinha uma atração enorme por mim. A situação era complicada. Na melhor das hipóteses. O ponto alto daquelas viagens era visitar a Sra. Feldman no quarto andar. Ela provocava Smith com a mesma forma misteriosa como puxava cartas de seu baralho estranho e colorido, contando-lhe coisas que ninguém mais sabia.
Hascal também deixou-a a tirar as cartas, estupefato a cada vez que ela dizia algo que estava certo. Ele passou muito tempo especulando os resultados das cartas da Sra. Feldman. Eu adorava ver aquelas duas mentes brilharem ao mesmo tempo.
Eu estava tentada a pedir para ela tirar as cartas mim, mas não queria saber o que meu futuro reservaria se ele seguisse sem Pietr. E eu não poderia permitir que ela viesse a descobrir a estranha verdade de meu passado recente. Por isso, eu sorria e dava de ombros, passando a oportunidade sempre que ela oferecia.
Deixar passar até mesmo as coisas mais tribais, como essa, fazia meus dias se arrastarem. Pelo menos Smith parecia interessado em mim... Está bem, talvez um pouco obcecado. Co Pietr, os assuntos de todas as conversas (quando eu conseguia tirar alguma palavra dele) se limitavam ao tempo e a lição de casa. Eu não sabia o que fazer.
Parei Cat no corredor da escola certa manhã para pergunta sobre as coisas. Em meio a minha frustação, joguei minha mão ao ar.
- Não sei nada sobre isso Jessie. Ele nada me ignora do quase tanto quanto ignora você.
Ela me abraçou rapidamente e correu para a aula, deixando-me tão confusa quanto eu já estava.
Pietr assegur-se de evitar estar em qualquer lugar sozinho comigo... Qualquer lugar onde eu poderia perguntar o que de errado estava acontecendo entre nós. Eu imaginava como seria estranho meu aniversário se as coisas continuassem assim. E temia esse fato.

Quando a tarde de sábado chegou, eu já estava louca. Pietr estava em meus pensamentos com tanta frequência que eu tinha dado grãos para os cachorros e quase dei ração para Rio. No caminho de volta para casa, encontrei todo mundo do lado de fora. A bandeira laranja de segurança do nosso campo de tiros havia se soltado com a brisa, e o som das armas provava que meu pai e Wanda estava praticando tiro ao alvo.
Algumas pessoas iam ao cinema. Outras saiam para jantar. Pai e Wanda? Eles prefiram perfurar papéis com balas.
- Annabelle? - chamei várias vezes, encostando a cabeça em cada porta de casa. Nem sinal. Provavelmente estivesse lendo no celeiro. Agora era minha chance.
Roubei o telefone e digitei o número de Pietr. Meu pai não permitia que o número ficasse em discagem rápida, mas eu conhecia os dígitos de cor.
Cat atendeu.
- Cat sou eu.
- Você está de castigo.
- Sim. Preciso ser rápida. Pietr está aí?
Um momento de hesitação se instalou e eu logo ouvi:
- Pietr - Cat o chamava com um voz exigente - É Jessie. Da. No telefone afora. Da. Ela ainda está de castigo. Ela precisa conversar com você- Então em um volume um pouco mais baixo, como se ela tivesse colocado a mão sobre o fone, ouvi o apelo: - Puzhalsta, Pietr. Ela não entende, eu não entendo.
Outra pausa.
No andar de baixo, nossa porta da frente abriu e fechou. Meu coração acelerou, mas eu simplesmente não conseguia desligar. Ainda não. Pelo fone, ouvi claramente o som de batidas em um porta.
- Atenda. O telefone. Pietrrrr - bravejava Cat.
Silêncio.
- Jessie - ela sussurrou - Eezvehneetyeh. Sinto muito. Ele disse que... Ele disse que não quer calar com você. Sinto muito, mesmo...
Desliguei. O que tinha acontecido com a gente?

Terminei minhas tarefas bem cedo na manja de domingo e decidi verificar se meu pai tinha deixado café no balcão. Os efeitos de não dormir bem e de estar estressada se acumulavam. A cafeína me mantinha acordada quando mais nada me empurrava para continuar. Parei a porta da cozinha.
Meu pai estava sentando no canto da mesma do café da manhã (que ele chamava de "assento barato" sempre que queria provocar minha mãe), ouvindo rádio. Não sua estação de sempre, mas um programa semanal especial. Reconheci-o imediatamente.
Em vários pontos de Junction, as empresas pequenas costumavam subir seu espaço com outras. A academia de caratê tinha um restaurante chinês. Lojas de alimentos integrais tinham livrarias. E em um restaurante havia um programa de rádio.
Esse programa era apresentado pelo dono do restaurante italiano onde aconteceu o primeiro encontro entre minha mãe e meu pai. Todos os domingos, o dono do local transmitia músicas italianas e salpicava algumas frases italianas e notícias sobre a Itália durante a programação, afirmando que "Você não precisa ser italiano para amar minha música, só precisa ter amor por boa música".
Para meu Pai, aquilo era mais do que uma forma de entrar em contato com uma cultura diferente da nossa. Era uma forma de entrar em contato com a memória de minha mãe.
Ele estava sentando com os ombros curvados, balançando algo em sua mão. Uma fotografia. Mamãe.
Vacilei, e o chão coberto com linóleo crepitou atrás de mim.
- Ah! - meu pai olhou para mim, assustado, e passou a mão sobre os olhos - Oi Jessie.
Ele colocou a fotografia no bolso de sua camisa de flanela, girando o botão de sintonia de seu aparelho de som antigo.
- Ninguém toca anos 80 no domingo.
Caminhei até meu pai e coloquei minha mão em seus ombros. Ele suspirou.
- Sinto saudade dela, Jessie.
- Eu sei.
Mas eu não sabia. Não, eu não sabia. Eu presumia que ele tivesse esquecido minha mãe, afastando suas memórias para abrir espaço para Wanda. As palavras se estrangulavam em minha garganta, mas consegui dizer "Eu também sinto saudade" enquanto os braços de meu pai me envolviam.
Ficamos assim por alguns minutos, com uma respiração trêmula e balbuciando, numa situação lamentável. Algo que minha mãe certamente não apoiaria. Fato que logo foi apontando por meu pai:
- Ela não permitiria isso - disse abrindo um sorriso. - Ela diria para levantarmos e continuarmos caminhando.
- Ela teria me dito para parar com isso, colocar minha calcinha de gente grande e crescer.
- Ela me disse isso uma vez - comentou meu pai.
Olhamos um oara o outro por um momento antes de cairmos na risada. Ele logo esclareceu:
- Minha cueca de gente grande. É claro. - ele morria de rir. As lágrimas que rolavam naquele rosto abatido agora eram de alegria...

*****

Sei o que a Jessie e o pai dela estão sentindo. Não tem coisa pior que perder a própria mãe.
Mais cap. Espero que estejam gostando viu, comentem bastante...
Bjs no cocoro de vcs e até o próximo!
Ah tá sem revisão!

O segredo das sombras (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora