- Você tem dormido bem? - perguntou a Dra. Jones. Sua voz saltitava por meu crânio esburacado. Alta.
- Não - murmurei - Continuo tendo pesadelos.
- Mmhmmm.
Ela anotou algo em sua maldita prancheta. Também alto.
- Seu pai está preocupado.
- Eu sei.
- Ele está mais preocupado desde que encontrou a arma. - senti minha cabeça saltar e estremeci.
- Do que você está falando? - O desconforto se arrastou por meu estômago, dando nós em meu intestino.
- Da arma que ele encontrou de baixo do seu travesseiro.
Na única vez em que meu pai esperava na lavanderia, não tinha passado pela minha cabeça que já não havia uma arma sob meu travesseiro. Eu era nova de mais em toda essa coisa de ser evasiva.
- Você tem medo de alguém?
Dessa vez, mexi a cabeça lentamente, mas ainda me sentia bastante desorientada para olhar diretamente para ela.
- Não.
- E por que você dormiria com uma arma de baixo do travesseiro?
Pensei. Muito.
- Eu sou atiradora e participo de competições. Peguei essa peça emprestada. Uma técnica de treinamento antiga incluiu manter a arma em mãos praticamente o tempo todo para se familiarizar com ela. Como acontece com os policias que usam coldres mesmo quando não estão em serviços. - fiquei em silêncio por um instante. - Meu pai disse de onde veio a arma?
- Ele confirmou que uma amiga da família, Wanda, emprestou uma arma para você. Para uma competição. - a Dra. Jones prendeu a caneta na prancheta, franzino a testa. - Nossa mente é uma coisa incrível. Ela explica - de formas estranhamente lógicas as coisas que incomodam profundamente outras pessoas. Seu pai pode aceitar suas desculpas. E devo admitir que não sei muito sobre a subcultura da competição de tiros. Mas também não estou certa de que esse é o único motivo para haver uma arma sob seu travesseiro - disse franzino a testa. - Você que se ferir?
- Não. Estou tentando entender as coisas, levar uma vida mais normal.
Anotações, anotações.
- O número de suicídios em nossa área aumentou muito nos últimos tempos. - ela comentou.
- Os suicídios na linha do trem. Sim, eu sei. E, ainda assim, aqui estou eu. Feliz por estar recebendo aconselhamento. Não deveríamos nos concentrar em uma expressão mais saudável da minha dor?
Anotações.
- Você parece meio desorientada. Anda bebendo?
- Já tenho muito poucos neurônios para desperdiça-los com prazeres temporários.
Anotações.
- Drogas?
- Simplesmente escreva "ver resposta anterior". A mesma filosofia se aplica. Veja bem, eu tive um almoço realmente nojento. Com direito a uma intoxicação alimentar de proporções épicas. Isso acabou comigo.
- Eu gostaria de colher uma amostra de urina.
- Me de seu copo de café.
Anotações.
A Dra. Jones se levantou, seus saltos batucavam um ritmo contra o chão. Empurrando um copo de plástico contra minha mão, ela disse:
- No final do corredor a sua direita.
Sai me arrastando, encontrei o banheiro e fiz xixi no copo. Fiquei por ali mais alguns momentos, descansando minhas mãos na pia gelada e observando minha imagem no espelho... Jogada de volta em minha própria direção sob uma forte luz fluorescente.
Nada boa.
Havia locais em que poderíamos esperar ver lâmpadas fluorescentes penduradas sobre espelhos. Locais como o inferno ou banheiros de escolas públicas, ou corredores da CIA. Mas não em um lugar onde se esperava melhorar a imagem que as pessoas tinham de si mesma. Ali, de pé, minha cabeça não passava de uma enorme bagunça.
Era essa mesma dor que eu sentia quando Amy tinha me encontrado vomitando pesadelos e flashbacks no banheiro. A intoxicação alimentar provavelmente só fez os efeitos se acumularam. Eu não me lembrava de quase nada entre os momentos em que Derek me pegou em casa e o momento em que me despedi do meu almoço ao lado do carro de Max. Era... Confuso. Até mesmo discutir com Max... Ele estava discutindo com Cat enquanto dirigia? Nada seguro! Até mesmo essa memória era como olhar para uma pintura que alguém manchou antes de ela secar. Como se eu tivesse batido meu cérebro contra meu crânio com tanta força a ponto de praticamente não ter sobrado nada.
Talvez eu devesse simplesmente ir para casa e dormir.
Mas a festa... Todo mundo estaria lá. Seria péssimo não comparecer a minha própria festa de aniversário.
Eu merecia me divertir um pouco. E ainda tinha algumas horas para me recuperar. O que a enfermeira tinha sugerido da outra vez? Biscoitos salgados e refrigerante de gengibre? Eu daria um jeito. Reidratar, relaxar e me preparar para a festa. Uma frase se alojou em algum lugar entre meu cérebro e meus lábios: " Vou descansar quando eu morrer", pensei. A dor que eu sentia em minha cabeça poderia ficar para amanhã.
Relembrando as palavras de Pietr, olhei para mim mesma no espelho. "Viver a vida de forma impetuosa", insisti com meu reflexo.
Ao final da sessão, senti minha cabeça leve, meu humor havia melhorado e meu estômago já estava mais calmo. Tudo estava melhor.
Saindo do consultório em direção ao estacionamento, parei e tentei lembrar o que tinha discutido com a Dra. Jones. Algumas partes vagas da conversa gaguejavam em minha cabeça. Cansaço. Só podia ser isso. Ficar doente de forma tão repentina me deixava cansada.
- Ei, Max. - lancei o melhor sorriso possível.
Sob o sol da tarde, o vermelho estonteante do conversível dos Rusakova se tornava ainda mais brilhante. Max parou onde estava e, polindo o para-choque, lançou uma carranca para mim.
- Você limpou o carro inteiro enquanto eu estava sendo questionada e torturada?
- Eu me mantive ocupado. Isso me impede de pensar de mais nas coisas.
Eu jamais imaginaria que Max correria esse risco.
- Bom saber. Eu pensei que você estivesse trabalhando tanto por estar estimulado a fazer alguma coisa.
Ele inclinou a cabeça, estudando minha expressão
- Você está bem?
- Muito melhor. A sessão foi boa. Empolgado com a festa de hoje a noite? - pensei alto quando vi minha fantasia na parte de trás do carro.
- Por que você acha que preciso estar empolgado com alguma coisa para trabalhar duro?
- É que eu nunca vi você tão envolvido com alguma coisa. Além de ir atrás de garotas. - esfreguei meus olhos e dei de ombros. Segurando a estopa, Max me observou.
- Você está bem - murmurou. Como se aquilo fosse uma surpresa.
- A terapia liberta. Talvez seja realmente como algumas garotas dizem.
- O que? - ele apertou os olhos... intensamente.
Eu tinha usado a palavra favorita de Max mais uma vez. Garotas.
Ele abriu a porta para mim e logo lançou a pergunta:
- O que as garotas dizem?
- Que os garotos que estão... frustrados - provoquei com minhas bochechas pegando fogo por conta do meu atrevimento - Ficam com tesão.
Ele bateu minha porta e foi até o banco do motorista. Pensei ter ouvido Max murmurando algo como "Ela está bem" enquanto entrava no carro. Ele olhou novamente para mim, abrindo um sorriso:
- Então, se eu cuido da aparência do carro eu estou com tesão... frustrado?
- Você está? Coçando por alguma coisa?
- Por que Jessie? - ele rugiu. O lobo mau estava de volta. E sorrindo - Você conhece uma garota que quer coçar para mim?
Eu me afundei no banco. Cada centímetro da minha pele pegava fogo.
- Menos garotão. - murmurei.
Max caiu na gargalhada.
- Talvez a ruiva boazuda? Amy?
- Namorando Marvin - lembrei ele.
- Ah é. - disse Max, franzino a testa - Estava pensando em mudar essa situação.
- Não mexa com Amy - avisei - Ela parece estar feliz.
Ele solenemente concordou com a cabeça.
- As vezes, Jessie, as coisas não são exatamente o que parecem.
Olha só quem fala. Um lobisomem.
Max colocou o carro em movimento.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O segredo das sombras (CONCLUÍDO)
RastgeleJéssica não é mais a mesma garotinha rural. Desde que se apaixonou por Pietr, um lobisomem russo, sua vida se misturou com uma complexa trama de poderes envolvendo a família do rapaz. Pietr e seus familiares são os últimos indivíduos de uma linhagem...