Meu mundo

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Darian retornou para casa depois daquele trabalho cansativo, pois precisava de um bom resto de noite de sono.

O elfo morava em uma vila que, apesar de ser uma vila, era grande como uma cidade movimentada e bem miscigenada. A definição vinha do fato de o mundo se dividir em vários reinos enormes, dominados por uma raça específica. Dentre eles, está o reino dos elfos, um dos maiores e mais poderosos. Deste modo, o surgimento de vilas, onde a segregação entre as espécies era nula e a influência dos reinos era bloqueada, foi inevitável, pois muitos decidiam seguir seus próprios rumos na vida e encontrar seu ofício em lugares mais tranquilos como estes.

No entanto, sem intervenção de um rei ou governo de qualquer pessoa, não haviam leis ou regras oficiais a serem seguidas. Logo, o perigo era significativo para os mais fracos e vulneráveis, que tinham que contar com o bom senso da população. O que não era extremamente ruim, pois, na maioria dos casos, a organização e respeito nesses lugares era até mesmo surpreendente.

Moeda de troca? Sim, eles possuíam as moedas de prata que eram unificadas nos comércios desses tipos de vilarejo, mas nada os impedia de fazer uma boa e velha troca justa como nosso elfo havia feito na noite anterior.

Assim, podem até vir a questionar sobre o por que de um elfo, raça tão reconhecida por sua nobreza, estaria vivendo ali de serviços nem sempre bem pagos ou garantidos. E a resposta vem de suas próprias origens.

Darian nasceu no reino dos elfos e fazia parte do exército desde que se lembrava como pessoa. Um guerreiro notável e de destaque dentro daquela frota, que marchava em batalhas por todo o mundo. 

Terras eram conquistadas, retomadas e a paz mantida por toda a fronteira. Ou pelo menos era isso que ocorria antes de o rei ficar cego por sua ambição.

Os elfos passaram a travar batalhas descomunais contra reinos mais fracos ou até mesmo os mais fortes, e isso trazia um número de baixas exorbitante. O rei não se continha e queria sempre um domínio maior, pois não lhe bastava apenas administrar suas posses.

A insatisfação tomou conta do guerreiro e já não sabia ao certo se teria honra em fazer aquilo, massacrar cidades e ser massacrado constantemente. Logo, decidiu não levantar sua espada em uma guerra desnecessária e guiada pela arrogância de um rei tirano. Era de se esperar que permanecer ali dentre os elfos não lhe fosse mais permitido, o que o obrigou a deixar o reino como desertor e viver em um lugar qualquer.

Teve sorte por alguns conhecidos se mostrarem bastante prestativos e lhe ajudarem a encontrar um novo lar em uma vila. A partir daí, sua vida mudou completamente e ele a aceitou corajosamente.

Agora, morava em uma simples estalagem, cuja dona era uma humana de idade avançada e extremamente acolhedora. Permitiu que Darian residisse ali com conforto e um preço que o elfo poderia sempre pagar em dia.

Não era nada luxuoso. Um pequeno quarto de madeira com uma grande cama, um guarda roupas pequeno e vários pregos na parede para que pendurasse seus equipamentos. Havia também uma sala relativamente ampla e aberta, na qual Darian colocou uma mesa rústica no centro para que pudesse traçar suas estratégias e trabalhar seus armamentos. 

Para comer, ele não possuía uma cozinha- na verdade, nenhum quarto dali tinha- restando a ele e aos outros três moradores a missão de ajudar a senhora Lúcia nos ingredientes para os almoços e cafés feitos no fogão de lenha- combustível também adquirido pelos residentes.

Komarod, um orc de corpo pouco robusto e pele esverdeada, era um dos vizinhos de Darian. Sempre andando a passos pesados mesmo que não intencionais. Toda a brutalidade que sua raça lhe conferia era transformada em trabalhos pesados por toda a região. Era um exímio guerreiro com boas histórias a contar de seus tempos de guerra e aventuras pelo mundo a fora, sempre carregando um senso de humor contagiante nas restrições de um orc.

Também morando ali havia um casal extremamente peculiar de Hitreks, uma raça tão pouco avistada fora dos muros de sua terra natal, marcada por capacidades extraordinárias em relação à sua visão do mundo físico e não material. Seus corpos eram na cor cinza e seus olhos do mais puro branco. Eram capazes de ver a fundo o interior de qualquer criatura que lhes permitisse, sendo que àqueles que negavam tal invasão de privacidade, cabia provar que tinham um controle mental maior do que a voracidade daquele olhar.

Melina morava naquela vila por anos junto de seu marido Erwin que esteve ao seu lado desde o dia em que decidiram largar o reino para trás e viver as próprias aventuras. Infelizmente não foi uma decisão totalmente coluntária, afinal os elfos estavam em guerra contra os Histreks a anos e a morte era muito presente nas ruas da cidade onde moravam. A vontade era de ter uma vida tranquila, mesmo que para isso tivessem que enfrentar enormes desafios até encontrar a moradia atual.

- Melina, avise Lúcia que eu não comerei aqui como de costume, por favor. Sempre deixo avisado, mas você sabe como ela esquece- Darian disse dirigindo-se à Hitrek enquanto saía da estalagem trajando seus sapados de couro, uma calça comprida marrom escuro e uma camisa de malha fina azul. O único armamento que levava era algumas lâminas no cinto da calça.

- Claro, Darian!- respondeu Melina. Ambos os vizinhos de Darian eram bastante amigáveis e prestativos. Era como uma pequena família.

O destino do elfo era uma taverna mais ao centro da vila. O lugar ficava de frente para uma área aberta, por onde as pessoas transitavam e compartilhavam a região com algumas casas e comércios ao redor.

A taverna era ampla e aconchegante. Várias mesas estavam espalhadas por ali, além de uma extensa bancada onde os pedidos eram efetuados. A entrada era grande, com duas passagens separadas por uma viga de madeira.

Assim que chegou, encontrou o primeiro bêbado jogado na porta, inconsciente. Darian ignorou a cena e seguiu até o balcão.

- Vejo que lucrou bastante com o cidadão ali, Keth- Darian fez a observação enquanto um anão barbudo e de cabelo trançado ruivo se aproximava.

- Nem me fale, foi difícil dispensá-lo noite passada- respondeu Keth, enquanto começava a preparar uma bebida. O anão e o elfo eram grandes amigos desde que Darian havia chegado à vila. Ele passou a frequentar aquela taverna constantemente e fez de lá um belo ponto para conseguir seus contratos. 

Keth mantinha aquele lugar com a ajuda de alguns funcionários, também anões, e a taverna tinha grande fama por toda a vila de Artrix. Ele conhecia tudo de Darian e vice versa, de modo que foi o primeiro a ajudá-lo naquele lugar novo e deu a ideia de emprego. Sempre havia pessoas buscando contratar profissionais para trabalhos que não gostariam, logo, o elfo agarrou a oportunidade com uma condição: aceitaria apenas trabalhos considerados corretos por ele, ou seja, nada de matar alguém simplesmente para o lucro do outro. Era o que ele gostava de chamar de mercenário com honra, mas nunca colou.

- Imagino os perrengues que deve ter passado- comentou o elfo enquanto recebia sua bebida: uma espécie de chá cremoso repleto de variadas especiarias, extremamente energético. Perfeito para começar o dia ativamente.

- Mas me diga: como foi ontem? Conseguiu salvar o pobre Franks?

- Sim. Apesar de que passei um aperto em relação à minha espada. Coitada, já estava bastante gasta- Darian deu um belo gole de chá.

- Não venha me dizer que quebrou outra espada!- o elfo assentiu- Está precisando de equipamentos melhores, sabia? Se eu possuísse os materiais do ofício, poderia lhe dar algo descente, mas não há como moldar uma lâmina usando meu simples fogão a lenha.

- De fato... Porém, eu consegui uma boa troca com Franks! Ele me disse que tentará conseguir uma espada para mim com os anões das montanhas efervecentes. Estou certamente muito ansioso- Foi clara a expressão de espando no rosto de Keth.

- Uau... Creio que esteja mesmo, pois uma oportunidade dessas é única... Ficará pronta quando?

- Bom dia- disse um draconiano, se sentando em uma cadeira próxima e logo Keth foi o atender, à medida que Darian apenas acenou com a cabeça ao cumprimento. 

- Daqui um mês ainda, sem contar o tempo de transporte. No entanto, eu terei que me conter- Darian encerrou a frase enquanto girava em seu banco para sair. Deixou uma moeda de prata no balcão, se despediu de seu amigo e saiu.

Ele estava quase do lado de fora da taverna quando reparou novamente no bêbado jogado no chão. Teve um arrepio e um pressentimento estranho que preferiu ignorar, até porque o chá que havia tomado poderia causar algumas reações repentinas às vezes. Seguiu o rumo às barracas de venda.

As Auras do Passado (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora