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A minha manhã foi como todas as outras. Eu acordava às oito e quarenta, tomava um banho rápido, ia para o refeitório e comprava alguma coisa, dava uma volta no hospital e em seguida saía para correr— costume que eu só comecei há duas semanas por sugestão do Cameron, e de vez em quando, passava em casa só pra dar um oi.

E hoje não foi diferente. Meu banho geralmente não demorava muito pelo fato das enfermeiras aparecerem mais ou menos nesse horário, para trocar os curativos e fazer toda uma análise do estado dela. Digamos que essa parte não é a minha favorita, por isso que prefiro sair antes da visita.

Eu sinceramente não sei se Camila tem apresentado uma melhora ou é só impressão minha, não gosto de perguntar pois eu nunca sei se vou escutar uma coisa boa ou ruim, mesmo sabendo que tenho que estar preparado para tudo.

Há um mês atrás o pai dela queria desligar os aparelhos. Eu tive que ter muitas conversas com ele e Luke para poderem me entender. Quando estava sem saída ligava para Sinu, que estava do meu lado, além de que, se alguém tivesse que fazer essa decisão, teria que ser Camila, e ela nunca deixou nenhum documento que permitisse isso.

Então, depois de muito tempo, consegui que desistissem dessa ideia estúpida.

Como eu disse, a minha manhã foi como as outras, exceto pelo fato de eu não estar com muita paciência pra enfrentar o refeitório cheio de visitantes, fora que só no café da manhã eu já gastava muito tempo.

Comecei a minha pequena maratona, que começava no hospital e eu percorria aproximadamente uns quatro quarteirões.

Eu ficava quase uma hora quando estava com vontade de correr um pouco mais, e como hoje eu estava com uma ótima disposição não foi diferente. Era uma boa distração e o ponto alto do meu dia, já que eu não ficava só tendo que falar sozinho e olhar para as quatro paredes daquele quarto.

Como eu não tinha tomado meu café da manhã ainda, resolvi passar em casa e ver se tinha alguma coisa preparada, só espero que Cameron esteja em casa porque eu não estou com as minhas chaves.

— Mas olha quem voltou! — ele disse assim que me viu.

— Eu não voltei, Cameron, só estou com fome. — ele revirou os olhos e eu comecei a procurar algo para voltar imediatamente.

— Tá achando que eu sou seu escravo agora? — ele ironizou e eu ri.

— Quem sabe, mas você cozinha muito mal, é um péssimo escravo — eu falei e comecei a comer uma salada de frutas.

— E como estão as coisas lá? — ele perguntou depois de um tempo.

— Na mesma — dei de ombros, ele já sabia disso.

— Nenhuma melhora?

— Pra ser honesto eu não sei, não gosto de perguntar.

— De verdade, você acha que ela sai dessa? — ele perguntou me encarando. Eu fiquei um tempo pensando no que deveria responder.

— São várias coisas para considerar, mas eu acho que... peraí — eu disse assim que senti meu celular vibrando no meu bolso — É a Lauren.

— O que a minha namorada quer com você?

— Não me pergunte, eu não sei — peguei meu celular e atendi a chamada — Lauren?

Você não vai acreditar, você não vai acreditar! — ela diz praticamente gritando, me deixando confuso.

— Vai com calma, o que foi?

Eu vim ao hospital, e quando eu fui para o quarto estranhei que a cama não estava mais lá. Eu tomei um susto enorme, até aparecer o pai da Camila me dizendo que ela tinha ido fazer uns exames porque tinha acordado! Você acredita nisso? Porque eu ainda estou chocada, quer dizer, isso é tão bom!

— E-espera, é sério isso? Você não tá brincando não né? — eu comecei a ficar histérico assim como ela.

Claro que não!! Agora eu tenho que desligar, ela está entrando no quarto.

— Estou chegando!

Eu sabia, eu sabia que estava certo quando dizia ela ia acordar. Eu não podia me sentir mais feliz como agora, eu sempre soube que valeu à pena ficar cada dia junto com ela, é inacreditável que agora eu finalmente vou poder conversar com ela de verdade, e ver seu sorriso todos os dias.

— Vamos ao hospital, ela acordou! — foi tudo o que eu precisei dizer.

O caminho era longe e a minha situação era de ansiedade extrema,
durante todo o percurso eu não conseguia parar de falar, era tanta felicidade que não cabia em mim, eu mal podia esperar pelo momento que chegasse e pudesse abraçá-la.

Quando Cameron estacionou o carro para entrarmos, eu sentia como se meu coração fosse sair pela boca, e por isso eu praticamente saí correndo até o elevador, provavelmente esbarrando em algumas pessoas, mas isso não importava agora.

Corri mais um pouco e enfim cheguei à recepção do seu andar, onde eu encontrei Alejandro.

— Onde ela está? — eu quase não conseguia falar por estar recuperando meu fôlego.

— No quarto, mas temos que conversar. — falou sério e eu não entendi muito bem, mas ignorei.

— Tudo bem, mas primeiro eu preciso falar com ela.

— Não, nós realmente precisamos conversar. — ele insistiu.

Respirei fundo e pedi para ele começar logo, nos sentamos em um sofá mais afastado.

— Não quero perder meu tempo, então é simples, eu não quero que você veja minha filha. — arqueei minha sobrancelha, como é que é?

— Você é louco? Eu estive aqui todos os dias com ela, e é isso que você me pede? Em algum momento ela vai sentir minha falta e perguntar por mim, e o que você vai dizer?

— Ela não vai perguntar por você, muito menos sentir sua falta, porque ela não se lembra de nada. — aquelas palavras foram como uma facada no meu coração, não podia ser verdade.

— Do que está falando? — eu disse incrédulo.

— Estou falando que ela perdeu a memória, e mal sabe quem é.

Eu comecei a suar frio e tentei controlar minha respiração, não acredito que depois de tudo vai ser simplesmente assim, isso não é justo.

— Isso não é possível, porque quer que eu simplesmente suma?

— Não é simplesmente sumir, só... fingir que nada nunca aconteceu. — não conseguia nem mais olhar para ele — Não vai ser tão difícil, afinal você não vai fazer muita diferença mesmo. — como ele tinha coragem de me pedir isso, e ser tão insensível?

— Você quer mesmo que eu finja que nada aconteceu? — eu perguntei, e eu juro que eu não sabia se queria chorar ou bater nele.

— É o que você vai fazer. É o melhor para ela. Só estou protegendo minha filha, até porque nem ela nem minha neta teriam passado por nada disso se não fosse por sua causa. Se você a ama, você sabe que essa é a melhor decisão.

Eu não queria ter que escutar logo isso, eu só queria estar com Camila. Eu comecei a sentir o mesmo pânico que eu senti no momento do acidente, era como se eu tivesse regredido.

— Nunca mais ouse chegar perto dela, ou tentar de alguma forma contar sobre tudo isso, você não iria gostar. — ele completou, apontando para a saída.

E eu poderia ter contestado ele e brigado. Mas eu fui um covarde, e apenas o que eu fiz foi ir embora. Querendo ou não ele estava certo, eu sou o responsável por ter estragado a vida dela e da minha filha. Deixá-la é o mais justo a se fazer, mesmo sabendo que eu nunca mais vou conseguir viver de verdade depois de tudo o que passei.

stalker ❀ sm+ccOnde histórias criam vida. Descubra agora