A segunda proposta

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Ao fechar a porta atrás de mim respirei fundo para me acalmar. Todos os meus instintos me alertavam para algo terrivelmente errado naquela história. Não conseguia pensar em nada que me envolvesse e pudesse ser do interesse deles, além de Ana, mas qual interesse poderiam ter nela?

Nem tinha chegado ao saguão quando fui abordado por dois homens de ternos pretos, semelhantes àqueles seguranças de filmes.

− Senhor Felipe Fraccini? - questionou-me um deles em inglês e assenti - viemos acompanhá-lo até a sala de reuniões.

Segui-os, tendo plena consciência de que eu poderia muito bem achar o caminho. Suas presenças tinham a clara intenção de me intimidar, mas por quê?

Chegamos e um deles abriu a porta indicando que eu entrasse, ambos ficaram do lado de fora. A sala de reunião era ricamente decorada, com uma imensa mesa arredondada no centro e dezenas de cadeiras almofadadas. As paredes possuíam decorações minimalistas de cores variadas, ao fundo uma grande janela de vidro tinha uma vista panorâmica do mar.

O ambiente era ocupado por cinco homens. Olhei ao redor e não reconheci nenhum rosto ali. Todos pareciam árabes, exceto um deles que não consegui identificar a nacionalidade. Falavam na língua nativa do país me ignorando completamente, permaneci em silêncio, de pé, aguardando. A cada minuto que passava me sentia mais insignificante e entendi que era justamente esta a intenção.

Ouvi-los conversando e rindo me fez pensar em Ana e em sua astúcia ao aprender a língua de outros países antes de viajar para eles. Lamentei não ter seguido seu exemplo, assim não ficaria tão ignorante quanto ao que acontecia ao meu redor.

Aguardei e após alguns minutos voltaram os olhos para mim e me mandaram sentar. Permaneci em silêncio, aguardando o que viria.

− Senhor Felipe Fraccini, estou aqui em nome do sheik Abdullah Adulyadej para lhe fazer uma proposta. E espero que, como cavalheiros, possamos chegar a um acordo que favoreça a todos.

Quem falou foi um dos árabes, porém, seu inglês era tão perfeito que sequer tinha sotaque. Todos olharam interrogativos para mim, como se esperasse minha concordância. Julguei que fosse a comitiva do tal sheik, pois nenhum deles se parecia com um, apesar que eu nunca tinha visto um sheik árabe fora dos cinemas.

Não deixei passar o fato de que falavam comigo sem se apresentar, mais uma demonstração de que eu não merecia qualquer tratamento formal ou respeitoso.

Então, é claro que me senti intimidado. Estava em um país estrangeiro, não tinha nenhum conhecimento da língua e me sentia vulnerável. Se a ideia era me deixar desconfortável, tinham conseguido com maestria.

− Estou ouvindo! - fingi uma confiança não sentida e nada me preparou para o que ouvi em seguida.

− Queremos fazer uma oferta por sua esposa! - explicou como se estivesse propondo um jogo de pôquer.

Olhei-os pasmo, julguei que, por estarmos nos comunicando em uma língua diferente, havia ocorrido algum engano.

− Desculpa, não compreendi.

Aquele que tinha feito a proposta trocou olhares com o estrangeiro, suspirou como se perdesse a paciência e me achasse um parvo.

− Em nome do sheik, quero fazer-lhe uma proposta para que você ceda sua esposa a ele. Estamos dispostos a lhe oferecer um milhão de dólares, mas este valor pode ser negociado.

Por várias vezes ouvi histórias bizarras de amigos que tinham viajado para países com culturas mais tradicionais. Nelas as mulheres eram trocadas por dinheiro, bens e até animais. Todavia, nunca levei a sério e sempre pensei que eram pilhérias para tornar as narrativas das viagens mais interessantes.

Como estive enganado. Eles realmente estavam me fazendo uma proposta por Ana, como se ela fosse algum objeto que pudesse ser vendido e descartado. Minha delicada e doce Ana.

Fechei os punhos com raiva. Minha vontade era socá-los até que os nós dos meus dedos se partissem. Enquanto eu assimilava a proposta, percebi que trocavam risos entre si e comentavam, em árabe, sobre a situação. Eles agiam com total naturalidade para com a situação.

− Minha esposa não esta a venda! - respondi entredentes.

− Meu rapaz, você vem de uma cultura diferente da nossa, mas é homem. Mulheres existem aos montes por aí. Inclusive, podemos incluir em nossa proposta algumas damas para que você possa usufruir sempre que vier ao nosso país... - um dos mais velhos comentou como se explicasse o óbvio a uma criança.

− Podemos dobrar a oferta, se você assim o desejar, não que uma mulher valha tudo isso... - retrucou aquele que fizera a proposta antes.

Naquele instante ele se tornou o alvo principal da minha ira. Não me interessava se aquele costume era recorrente no país, para mim não passava de uma barbárie. Pensar que falavam assim de um outro ser humano e, da minha Ana, era inconcebível.

Todavia, eu não era ingênuo. Estava em desvantagem ali e não poderia sair aos socos e pontapés com eles.

− Reafirmo que não estou aberto a propostas...

− Antes que continue e se arrependa de suas palavras, meu jovem - voltou a falar o mais velho - farei nossa última oferta: dois milhões de dólares e outro milhão em ouro...

− Eu...

− Ainda não lhe dei permissão para falar - cortou tão seco que me calei involuntariamente - esta é nossa oferta final. Nós lhe daremos algumas horas para pensar sobre o assunto. Fique a vontade em nossa sala. Voltamos no final da tarde.

Eu compreendia cada vez menos. Eles me manteriam ali, contra a minha vontade, para eu pensar em uma coisa que eu já havia declinado? Agora eu tinha me tornado um refém? E se recusasse? Um calafrio percorreu meu corpo ao pensar que poderiam me tomar Ana pela força.

− Vocês não podem me manter aqui... − reagi me levantando.

O estrangeiro se aproximou de mim com um sorriso maquiavélico rasgando o rosto. Quando estava bem próximo murmurou.

− Nós podemos. Podemos o que quisermos com você e sua esposa sozinha naquele quarto. Pense bem! Estamos sendo generosos lhe fazendo uma oferta. É muito mais fácil para nós se ela, de repente, se tornar viúva e... acidentes acontecem o tempo todo por aqui... Ninguém dará por sua falta.

A ameaça era clara. Ou eu aceitava a proposta ou dariam um jeito de se livrar de mim. Senti as forças se esvaírem e caí sentado na cadeira mais próxima. Percebendo que tinham me abalado sorriram e teceram comentários que eu jamais viria a compreender, mas supunha serem de escárnio e deboche pela minha situação.

Foram saindo um a um e ouvi quando a porta foi trancada pelo lado de fora.

Eu estava preso ali. Ana estava vulnerável e confiando que eu lhe cuidaria.

Como poderia protegê-la?

Realmente me deixaram preso ali por exatas três horas e meia, provando que as ameaças eram reais e, facilmente, executáveis.

Quando abriram a porta eu já sabia o que fazer, só esperava que Ana pudesse me perdoar um dia.

***

Curiosidade: não encontrei nenhum registro de lei que abra precedente para se"vender uma esposa". Todavia, há alguns anos, um casal de amigos viajou para Marrocos. Este país tem como religião predominante o islamismo. Enquanto, negociam tecidos nas feiras, o marido da minha amiga ouviu a seguinte pergunta: "eu troco meu camelo por sua esposa". Daí surgiu a inspiração para este capítulo. 😉

Bjinhos no coração das minhas leitoras 😘😘

Marido de aluguel [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora