Dezoito

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      A vida nunca havia sido fácil para Alisson desde que nascera. Sua mãe  era uma viciada em crack e engravidou algumas vezes, nunca sabendo quem era o pai dos filhos, dessa empreitada materna somente Alisson e o irmão Diego haviam nascido, talvez por descuido da mãe e não por vontade dela em ter filhos.

     Até os sete anos de idade morou com sua mãe, vivendo de ajuda de vizinhos caridosos ou da avó, sua mãe vivia chapada e cheia de dividas, não era raro aparecerem caras armados cobrando dividas de drogas, ela nunca tinha o dinheiro, ia pagando fazendo transporte de drogas para dentro das cadeias quando fingia ser parente de algum preso ou levando pacotes de uma cidade para outra. Um dia em mais um desses trabalhos a mãe tinha consumido parte da mercadoria ao invés de entregar tudo, o castigo veio rápido e como um aviso para outras pessoas não tentarem o mesmo, havia levado vários tiros e fora amarrada em um dos postes num beco.

      No mesmo dia a avó veio buscar Alisson e o irmão para morarem com ela.

      Aprendeu desde bem cedo a se virar sozinha e tentar cuidar do irmão, o morro da Caveira onde moravam era um dos lugares mais violentos da cidade, perdeu a conta de quantas noites passou sem dormir por conta dos tiros.

       Enquanto cresciam a avó ia ficando cada dia mais doente e irmão cada dia mais estranho e rebelde. Com 17 anos sua avó morreu e ela teve que assumir toda responsabilidade por Diego que agora tinha amigos marginais.

       Assim que acabou o ensino médio, começou um curso de enfermagem e enquanto não se formava aceitava qualquer tipo de emprego para pode sustentar a casa. Depois de dois anos se formou e conseguiu logo um emprego no hospital Madre Amparo, começou a trabalhar no pronto socorro, e depois de se especializar em instrumentação foi transferida para o centro de cirurgia.

     O salário não era alto, mas era melhor que viver fazendo bicos e adorava o seu trabalho. Enquanto essa parte de sua vida ia bem em compensação as coisas com irmão estavam cada dia piores, ele era violento e ela percebeu que ele vinha fumando maconha, pois sentia o cheiro. Foi quando ele partiu para drogas mais pesadas que tudo desandou de vez. Diego teve um surto tão violento que tentou estrangular a vizinha só por ela dizer " bom dia". Foi levado ao hospital, medicado, mas nunca mais foi o mesmo, talvez já houvesse algum tipo de doença mental pré existente, o fato é que ele tinha cada vez mais alucinações, e ficava violento, era perigo para si mesmo e para os outros.

        Alisson não teve outra opção a não ser internar Diego em um hospital psiquiátrico por recomendação médica. Doía ver o irmão ali, mas não tinha como cuidar dele de forma decente nem se largasse o emprego.

     Ia todo fim semana fazer visitas para ele, mesmo que estivesse de plantão, dava sempre um jeito, por sorte podia entrar a qualquer hora entre as 7 da manhã e 7 da noite. Não era um lugar bonito, o pátio era pequeno e mal dava para andar ali, o quarto era abafado e várias vezes encontrou o irmão deitado no chão. Reclamou com enfermeiros do lugar, mas não tinha o que fazer, era um hospital do estado. Queria muito poder tirar Diego dali, mas não tinha condições para isso.

      Como diz o ditado: " tá ruim? espera que piora", foi o que aconteceu, uma sexta feira ligaram do hospital marcando uma visita para o dia seguinte para falar sobre Diego. A conversa com a diretora foi breve mais arrasadora.

___Lamentamos ter que dizer isso, mas o hospital vai ser fechado por falta de verbas, você precisa arrumar outro lugar para o seu irmão.

___Mas onde eu poderia ir?

___Existem clinicas particulares e tem mais um hospital do estado que ainda funciona.

___Não teria como transferir ele para lá.

___Lamento, isso não faz parte do meu trabalho. Você tem 6 meses para ver isso, é um bom tempo.

       Alisson saiu do hospital com um misto de raiva e desespero, tanto pela situação em si como pelo descaso da diretora. Foi no mesmo dia procurar o outro hospital e teve um resposta desanimadora. Não havia vagas  e não tinha previsão de quando teria.

      A cabeça estava toda atordoada mas ainda tinha 6 meses para resolver isso, até la talvez houvesse vaga em algum lugar.

     Foi até o centro a pé e depois pegaria um ônibus até em casa. Apesar de ser um dia abafado, Alisson colocou o boné, era uma mania. Foi quando ouviu o barulho de tiros,  pessoas passaram correndo por ela e a policia tentando dispersar. Começou a correr para longe, quando viu uma garota levar um pedrada na cabeça. O primeiro pensamento foi : " vai embora, ela se vira" , mas menina começou a cair, teria desabado se Alisson não chegasse a tempo de amparar a queda. Tentou puxar ela para  longe da confusão, mas ela opunha resistência, como não dava para ser muito delicada nessa hora, puxou com mais força praticamente arrastando a outra até um beco.

      Olhou o corte e viu que precisaria de pontos, a menina estava confusa e com olhar assustado, queria muito pode acalmar ela, mas não sabia como, ofereceu um pouco de agua. E então sem que Alisson esperasse a garota lhe um beijo na boca. Foi nesse momento que percebeu que talvez tivesse sido confundida  com um garoto.

     Tirou o boné para que outra pudesse ver melhor. A situação era meio constrangedora, mas tentou fazer piadinha a respeito. Uma chuva começou a cair pra completar o caos do dia, as duas ficaram em silêncio encostadas um prédio, o espaço pequeno fazia as duas ficarem quase grudadas. Sentiu uma vontade tão grande abraçar a estranha, como a muito tempo não sentia, mas lógico que se conteve. Quando a chuva parou, ligou para um moto táxi que conhecia.

      Enquanto esperavam pensou em pedir o numero de celular para manter contato, mas desistiu. Era uma garota dos Jardins, uma riquinha que no dia seguinte nem ia lembrar que Alisson a tinha ajudado. Desistiu até de perguntar o nome dela. Disse somente como despedida.

___Se cuide garota dos Jardins.

      

Depois Daquele BeijoOnde histórias criam vida. Descubra agora