Seis

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     Quando a agulha foi enterrada pela segunda vez na pele, Cintia sentiu lágrimas se juntando no canto dos olhos, mordeu o lábio com força para não dar ao pai o gostinho de vê-la chorar, e então mais vez, e outra e depois outra, ao todo foram quatro pontos, mas que pareceram mil, aguentou firme todos eles, por fim Francisco colocou um curativo no local.

___ Pronto, é isso. Vou escrever o nome de um antibiótico e você vai tomar, peça para Berenice ir comprar, ou você mesmo vai. Disse ele rabiscando o nome no bloco de receitas e carimbando.

     Cintia pegou e já ia saindo da biblioteca quando ele acrescenta.

___ Não se esqueça de que não pode beber enquanto toma isso ai.

      A raiva fervia dentro dela, o modo como ele falava fazia parecer que ela vivia bebendo. Saiu sem responder nada, só queria se fechar no quarto e tentar dormir um pouco. Foi até a cozinha e deu a receita para que Berenice comprasse o remédio, não sentia a mínima vontade de sair de casa agora.

      Assim que entrou no quarto, trancou a porta e chorou, de dor, de saudade, de canseira, de tristeza pela falta de carinho do pai. Pegou o porta retrato no criado mudo que ficava ao lado da cama com a foto da mãe a segurando no colo aos 3 anos de idade, a única foto delas que ficava a vista na casa toda. Olhou com tristeza e sentiu aquele aperto conhecido no peito, sentiu pela milésima vez todas as lembranças voltando na sua mente.

    A mãe havia sido uma mulher linda, Delores  Ferraço de Sá, filha de um fazendeiro de café e político influente, tinha conhecido seu pai Francisco em uma festa de faculdade, ela estudante de direito, ele estudante de medicina bolsista e pobre, não era de admirar que Delores houvesse caído de amores por Francisco, Cintia já vira muitas fotos do pai quando jovem e tinha que admitir que era um homem bonito e com estilo, mas também sabia como ele podia ser insensível à tudo que não fosse de interesse próprio.

     Depois de um namoro relâmpago logo se casaram e o sogro bancou todo o curso de medicina de Francisco e arrumou vaga em um hospital para que Francisco começasse logo a exercer a medicina.

     Foi nesse época que Delores provavelmente teve sua primeira grande decepção com marido, ela queria filhos mas ele nao. Isso nunca foi segredo para Cintia, em quase todas as brigas ele fazia questão de dizer o quanto ela era indesejada. Então o avó morreu, e Delores só tinha Francisco em quem confiar e se apoiar, mas desde que se entende por gente Cintia nunca viu o pai sendo carinhoso ou amoroso com a mãe, era sempre frio e distante enquanto ela fazia tudo para agradar.

      Delores sempre havia sido uma pessoa ativa que praticava exercícios então quando morreu de ataque cardíaco, ainda bem jovem,  isso foi um choque enorme para Cintia. Achou que isso talvez a aproximasse do pai, mas ocorreu justamente o contrario, ele se afastou mais ainda, principalmente por conta do testamento que a mãe havia feito, tudo que Delores tinha havia ficado para Cintia, mas ela só poderia ter posse de tudo quando fizesse 26 anos e ainda tinha 19, faltava muito tempo pela frente, enquanto isso o tio, irmão de sua mae era seu tutor e cuidava de tudo, mas Cintia percebia e ressentimento que seu pai sentia por ter sido preterido na herança.

      Foi até o banheiro, tomou um banho morno demorado e colocou um pijama, deitou na cama e pegou o porta retrato com a foto da mãe, abraçou forte contra o peito e acabou adormecendo em meio as lágrimas.

Depois Daquele BeijoOnde histórias criam vida. Descubra agora