O médico ainda não havia passado e dado alta à Cintia quando Alisson saiu do seu plantão. Agora ela já vestia uma roupa comum, calça jeans rasgada no joelho, um blusinha azul escuro lisa e tênis all star preto. Se sentia impaciente e queria ir logo para casa, mal comeu o que veio no almoço.
___Esse médico não vai passar hoje?
___Relaxa Cintia, ele deve estar ocupado, logo baixa aqui e te dá alta. Ah, eu trouxe algo para você.
Ele enfia a mão na mochila e tira de dentro um short e blusa de pijamas e um par de chinelos havaianas.
___Não acredito que você lembrou de trazer isso, eu ia te pedir ontem mas me esqueci.
___Achou que ia te deixar ir embora com essa camisa de hospital toda aberta batendo vento na sua bunda?
___Eu fecho bem e não bate vento, mas achei que iria assim.
___Precisa de ajuda para se vestir?
___Não, eu consigo.
Foi um alivio tão grande vestir uma roupa mais confortável, aproveitou e começou a comer o almoço e então se lembrou que Alisson talvez não tivesse almoçado.
___Você quer metade?
___Não precisa, eu como em casa.
___Mas tem muito aqui, pega ao menos o docinho.
No momento que Alisson chegou perto para pegar o doce Cintia pode ver que no braço esquerdo dela havia marcas roxas, dava para distinguir claramente a marca de dedos. Ela passa mão de leve pelas manchas o que faz Alisson estremecer e se afastar.
___Alisson, foi meu pai que fez isso com você?
Mas Alisson se mantém calada, sentada no sofá e tenta cobrir desajeitadamente com a mão as manchas roxas. Fez se um momento de silêncio no quarto, quebrado só pela entrado do médico, que daria alta para ela.
Depois daquela pergunta Alisson ficou calada, falando só o necessário e Cintia também não conseguia puxar nenhum assunto porque sentia raiva do que o pai havia feito, e talvez nem fosse a primeira vez. As duas estavam no carro, com Alisson dirigindo concentrada, indo para casa nesse silêncio que só era quebrado pelo rádio ligado numa estação qualquer tocando algum tipo de sertanejo universitário. Foi quando teve uma ideia, na verdade era mais um desejo.
___Pode me levar a um lugar antes de irmos para casa?
___Depende de onde você quer ir.
___Eu mostro, segue o GPS.
E ela marca o local. Estavam basicamente perto então chegaram em menos de 15 minutos. Alisson olha em volta sem entender bem onde Cintia queria ir.
___É aqui?
___Sim, chegamos.
___Mas só tem uma praça.
___É nessa praça que quero ir, vem comigo.
Como de costume o portão não estava trancado e não havia ninguém a vista por ali. Andou devagar por causa da dor e parou debaixo da sua arvore favorita e então sentou na grama, fez sinal para Alisson sentar também.
___Sabe, boa parte das vezes que eu saia de casa para não ter que encontrar com você e meu pai eu vinha para cá. Isso aqui meio que acabou virando meu santuário particular. Eu chorei aqui, te xinguei, senti uma raiva terrível, senti paz, sentia segurança, eu senti tanta coisa aqui nesse mesmo local que estamos agora e então eu deitava e ficava olhando como o sol dançava no meio das folhas, como me acertava no rosto e isso fazia qualquer coisa que estivesse sentindo na hora passar. Eu trouxe até para você conhecer, mas não só por isso, mas também para te agradecer por ter salvado minha vida, por ter me cuidado quando precisei. Obrigada. Acho que agora podemos tentar ser amigas se você quiser.
Sem dizer nenhuma palavra Alisson vai até Cintia e abraça forte, por um segundo não notou e então sentiu uma lágrima cair no braço.
___Ei Alisson o que foi? Desculpa se disse algo que não gostou.
___Não é isso, eu não aguento mais esconder tanta coisa de você.
___Então não esconda, me conte.
___ Eu conheci seu pai no trabalho, todo mundo lá acha ele o máximo, como se fosse um artista sabe, eu nunca tinha sido assistente dele, até um dia que ele me escalou, eu estava tão nervosa que minha mão tremia, acabei levando uma bronca e achei que teria alguma punição. Foi então nesse época que tudo começou a desandar na minha vida. Meu irmão tem esquizofrenia grave e é muito violento, eu não teria como cuidar dele e tive que interna-lo, era uma clinica do SUS, tudo estava mais ou menos bem, mas a clinica teve que fechar por falta de recursos, eu teria seis meses para achar um lugar para ele, mas não achei, para piorar ainda mais ele tinha que fazer uma cirurgia cara e remover um coagulo do cérebro. Eu não tinha dinheiro para nada disso, nem se vendesse o barraco onde eu morava que não vale grande coisa. Se pai um dia me viu chorando no vestiário e me chamou para um café, ele sabe como fazer alguém falar e eu contei tudo à ele. No dia seguinte ele me fez uma proposta. Disse que precisava se casar com alguém para ter mais chances de se tornar diretor geral e me ofereceu isso, um casamento de fachada em troca de cuidar do meu irmão. Eu ainda disse que ele poderia conseguir alguma mulher que o amasse, mas ele argumentou que havia amado tanto sua mãe que não conseguiria ter um relacionamento com outra pessoa, também me disse que não ficaríamos casados muito tempo, assim que ele conseguisse ser diretor esperaríamos um tempo e ele me daria a separação, mas continuaria a cuidar do meu irmão.
Cintia ouvia tudo entre incrédula e curiosa.
___Alisson tenho certeza que meu pai nunca amou minha mãe. Você e ele tem um casamento de mentira então?
___Foi o que achei que seria, por isso aceitei, eu estava desesperada sem saber mais o que fazer e essa foi saída que me pareceu mais fácil. Só que seu pai mentiu, logo na primeira noite de casados já dormimos junto, eu não queria, mas ele foi bem claro, era isso ou meu irmão ficaria na rua e eu sem emprego. Então é isso Cintia, sou mesmo uma interesseira como você pensava.
___Eu não penso mais isso de você e agora menos ainda, você só queria cuidar do seu irmão e meu pai se aproveitou da sua fraqueza. Essa mancha no seu braço foi ele né?
__-Foi, ele ficou muito puto porque autorizei sua cirurgia, para piorar ele ainda proibiu minha entrada para ver meu irmão.
___Sinto muito por isso. A gente precisa fazer algo, você não pode continuar casada com esse monstro.
___No momento eu não posso fazer nada Cintia, eu só queria te pedir para não sair de casa, você lá é a única coisa que me anima um pouco, então por favor, não importa o que ele te diga, não vá embora.
___Eu não vou. Vem cá pra eu te abraçar.
Alisson chegou bem perto de Cintia e deu um abraço apertado e demorado e então sem que Cintia esperasse, numa cena tão parecida com o dia que se conheceram, Alisson lhe dá um beijo na boca, totalmente inesperado, mas desejado a tanto tempo.
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Depois Daquele Beijo
RomanceDurante um protesto no centro da cidade, Cintia, garota tímida e revoltada com a vida conhece Alisson, enfermeira que a ajuda com um machucado, depois disso as duas perdem contanto, mas o destino de forma cruel faz com que se reencontre algum tempo...