Chuva Fria (Retribuição)

65 13 23
                                    

 Samael sentia que os olhos do capacete em forma de caveira focaram nele, estava paralisado de medo e emoção, aquilo não parecia real. Não ousava respirar, muito menos pensar, e sentia a confusão se espalhar como um melado que escorria pelos seus ouvidos.

— Pegue a garota e saia — a voz do motoqueiro soou como uma criatura vinda do inferno, um monstro feio de terror e ódio.

As pernas do rapaz tremeram, seu peito palpitava num ritmo constante e não sentia mais a dor da perfuração em seu estômago. O motoqueiro continuava a olhar para ele e como um lampejo de consciência firmou as pernas e foi até a garota caída.

Gabi gemia de dor, lágrimas em seus olhos escorriam na cor negra, não era normal alguém chorar lágrimas negras. Estava tão frágil e fraca que ele sentiu as lágrimas se formando em seus próprios olhos. A acolheu em seus braços e sentiu a pele dela, fria como mármore.

Uma nuvem de pequenas partículas negras surgiu ao redor do motoqueiro e se movia como um enxame que mudava sua forma.

Isso é um bortz? — Se perguntou Samael vendo aquela nuvem continuar a surgir ao redor do motoqueiro e em seguida tentáculos negros emergirem do chão, enormes como se o próprio inferno estivesse dando as boas vindas a aqueles que receberão o abraço da morte. — Se o motoqueiro é um silicante como a Monad havia dito antes, então isso seria um tipo de bortz, mas que tipo seria esse?

Fixou sua visão no manto do motoqueiro e a viu as partículas saindo dele, provavelmente pelos espaços entre os fios da vestimenta. Eram nanomáquinas que emergiram dos bunts, glândulas que existiam na coluna dos silicantes e produziam o en-soma, que por sua vez dava origem ao bortz — a forma predadora.

Os tentáculos se moveram golpeando os agentes que saíram do seu caminho. O motoqueiro apontou para o túnel atrás de Samael, o rapaz entendeu a mensagem, mas tinha algo a dizer a aquele ser, um pedido egoísta.

— Por favor — disse ele, — não os mate.

Não obteve resposta e o motoqueiro continuava apontando para o túnel. Samael correu e torceu para ele tivesse misericórdia, não queria perder ninguém, humano ou silicante.

Suas pernas se moviam o mais depressa possível, o ferimento em seu estômago havia se curado. Gabi estava quieta demais em seus braços. Ela ainda estava viva, mas por quanto tempo aguentaria naquele estado?

O caminho a sua frente era uma confusão. Por onde ir? Como sair daquele lugar? Qual era o certo e qual o errado?

Escorregou e caiu virando o corpo para suas costas bateram no chão, protegeu como pode a garota em seus braços. Levantou sentindo aflição e impotência. Desse jeito Gabi iria morrer.

"Samael"

O desespero se abatia sobre ele e sua respiração mudava para um ritmo mais acelerado junto da sua corrida. Se sentia um inútil. Notou que ela era tão leve. Seu corpo sempre foi leve assim? Parecia tão pequena.

— Samael!

— Quem? — Quase caiu ao ouvir uma voz e parar de súbito de correr. Aquela voz lhe era conhecia e ecoava em sua mente.

— Samael, sou eu a Rein, estou falando pelo link mental.

— Rein! por favor me ajude — suplicou e as lágrimas vieram à tona, — por favor... a Gabi... a Gabi...

— Se acalme. Agora me escute. Estou mandando um mapa com a trajetória até o Kafka, e acredite, você está bem perto. Você só precisa seguir ele o mais rápido possível.

O mapa aparecia na sua mente e o caminho parecia se iluminar a sua frente. Correu mais uma vez, virou a esquerda e em seguida para direita, seguiu reto por trecho mais estreito e subiu uma escadaria. Meteu o pé na porta de ferro que estava entreaberta e saiu para a noite chuvosa na superfície de Bienenstock. Conhecia aquela rua, se seguisse reto chegaria nos fundos do bar.

Serpente do Vazio - Irregular (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora