Capítulo 2 - Ele

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Abro a boca, mas tudo o que consigo dizer é:
— Tris, eu senti tanto a sua falta!
Lágrimas quentes escorrem pelo meu rosto, uma cachoeira salgada sem fim. Quase não consigo vê-la através do véu de lágrimas. Queria poder dizer tudo o que estou sentindo, mas as palavras simplesmente não saem.

Ela me olha com uma expressão séria e distante. Tento me aproximar, tocar seu rosto, mas, antes que eu consiga, ela se vai. Simplesmente desaparece!
Eu grito, e sinto o som reverberar pelo meu corpo:
— Tris!!! Não, não, não. Não me deixe aqui sozinho mais uma vez!
— Tris, não consigo mais continuar sem você!
— Volte, volte, por favor!

De repente, mãos me sacodem, libertando-me do torpor. Meu corpo, encharcado de suor, treme. Meu rosto está molhado pelas lágrimas. Evelyn está aqui, segura minha mão e tenta me acalmar.
— Tobias, foi só um sonho. Vai passar — diz, com uma expressão torturada nos olhos. Pena! Não quero sua piedade! Libero minha mão da sua e cubro o rosto com o braço, não quero chorar na frente dela! Mas eu sei, não vai passar. Foi um sonho, mas ela realmente se foi, e não há nada que eu possa fazer para mudar isso.

Recobro a lucidez, seco o rosto com as mãos e tento parecer mais calmo.
— Tudo bem, foi só um sonho. Vai passar. Obrigado por se preocupar — respondo, tentando esconder-me atrás da apatia que venho ensaiando.
— Eu sempre me preocupo, você é meu filho, e eu te amo muito — ela diz, acariciando meu cabelo.
— Eu sei — respondo, enquanto me esquivo o máximo que o espaço limitado da pequena cama de solteiro me permite.
Mesmo percebendo minha atitude defensiva, ela me abraça. E, desta vez, não resisto como de costume. Não tenho forças para resistir. O abraço é constrangedor, desajeitado e parece durar uma eternidade. Quando ela finalmente se afasta, olho para o relógio ao lado da cama. São 4h30 da manhã. Ainda falta muito para amanhecer, mas não posso mais dormir. Tampouco quero ser consolado por Evelyn.

Afasto-me bruscamente, dizendo:
— Agradeço o seu carinho, mas você deve voltar a dormir. Vou tomar um banho para me livrar desse suor e tentar descansar novamente.
Ela assente e sai, fechando a porta atrás de si. Levanto-me de imediato, vou até o banheiro e deixo a água fria do chuveiro cair sobre mim, levando todo o desespero embora. Pelo menos por enquanto.

Às 7h30 da manhã, estou parado em frente ao prédio que agora abriga o nosso governo, a antiga sede da Franqueza. O edifício imponente, com sua fachada de linhas rígidas e austeras, parece não se abalar pela nova função que abriga. As janelas, altas e estreitas, deixam entrar uma luz fria e cinza, que pouco ilumina o interior sombrio.

Sinto uma leve pressão no ombro, é Johanna Reyes.
— Há quanto tempo está aí? — pergunta, com um sorriso tranquilo.
Minto, como sempre:
— Não muito, acabei de chegar.
— Então, vamos subir para mais um dia cheio de trabalho! — ela diz com animação.

A serenidade constante de Johanna me incomoda. Parece estar sempre em paz, e às vezes me pergunto se isso ainda tem a ver com o soro da Amizade, embora o sistema de facções e os soros tenham sido abolidos. Forço um sorriso e assinto com a cabeça.

Subimos ao 8º andar. Quando entramos, minha mente é instantaneamente levada de volta à lembrança da Tris, confessando que matou Will durante a simulação de ataque à Abnegação. Ela resistiu ao soro da verdade, mas confessou por não suportar mais o peso da culpa.

Logo entro na repartição pública, onde Johanna e eu trabalhamos. Ainda está vazia devido ao horário. O espaço onde passo a maior parte dos dias é um cubículo cercado por divisórias de madeira e vidro coberto por persianas. Minha mesa está ao lado de uma grande janela que ocupa toda a parede à minha esquerda. Essa janela é meu refúgio. Sem ela, não conseguiria passar tanto tempo em uma sala fechada.

A mesa é simples, com uma cadeira, um computador e um telefone interligado aos outros setores. Nada mais. Examino a pilha de papéis acumulados: basicamente, liberações de suprimentos para as famílias de Chicago. Agora, nossa sociedade vive de contribuições mútuas, com todos recebendo o básico para alimentação e higiene, e fichas de crédito para adquirir bens como roupas ou artigos de tecnologia. É um sistema de justiça, ou pelo menos a tentativa de um.

O som do telefone me arranca dos meus pensamentos.
— Alô?
— E aí, é o Quatro? A maricona do governo? — reconheço a voz, é Zeke.
— Cuidado com as palavras, ou vai acabar sem dentes! — digo, meio rindo.
Ele gargalha.
— Vamos almoçar, cara? Aposto que você esqueceu que precisa comer.
Sim, esqueci.
— Já estava de saída — respondo, outra mentirinha inofensiva.
— Hoje vamos ao Dinners. Shaunna, Christina e Cara também vão.
— Estava pensando em passar em casa, Evelyn deve ter feito algo.
— Quatro, você precisa de interação social. Não pode se isolar. Estou aqui embaixo, na frente do prédio. Vai descer ou vou ter que subir e te pegar pela mão?
Sem escapatória desta vez.
— Estou descendo.

Caminhamos até o Dinners. Shaunna e Christina conversam animadamente, enquanto Cara folheia uma revista, visivelmente entediada. Quando nos vê, diz sarcasticamente:
— Que demora! Achei que estava esperando para o jantar!
— Cala a boca, Cara — rebate Zeke.

Shaunna sorri ao me ver e diz:
— Oi, Quatro. Achei que estivesse me evitando!
— Por que faria isso? — tento disfarçar o desconforto.

— Não, Christina, só estive ocupado com o trabalho.
Ela parece não acreditar, mas Shaunna logo muda o assunto.

Durante o almoço, respondo mecanicamente às perguntas sobre o governo. De vez em quando, Christina me lança olhares de soslaio, como se estivesse tentando entender algo.

O ambiente ficou estranho entre nós desde aquele dia. Eu via em Christina alguém com quem poderia falar sobre Tris sem ouvir as habituais palavras de "siga em frente". Mas, em um dos meus dias ruins, acabei baixando a guarda e chorei na frente dela. Christina me abraçou, tentou me beijar, e minha reação foi afastá-la de imediato, irritado. Eu disse:
— Tris está viva dentro de mim, e sempre estará. Não existirá outra, NUNCA!
Desde então, evitamos esse assunto.

Zeke me acompanha de volta ao prédio do governo. Quando nos despedimos, ele sugere:
— Vamos ter uma noite típica da Audácia. Podemos ir ao complexo, beber, rir e conversar. Eu chamo uma galera.
Estou prestes a recusar, mas lembro: o depósito dos soros ainda deve estar intacto. Uma ideia me surge: Preciso saber se ela ainda faz parte da minha paisagem do medo.
Tomo minha decisão.
— Tá, pode ser. Que horas encontro vocês lá?

Convergente IIOnde histórias criam vida. Descubra agora