Capítulo 3 - Ela

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Estou acordada há algum tempo. Abri meus olhos com cautela para me acostumar à luminosidade do local, que, para minha surpresa, se trata apenas da luz do dia. Consegui erguer minha cabeça para ter um vislumbre do ambiente: um amplo cômodo limpo e estéril, com paredes brancas, sem quadros ou adornos. Há uma enorme janela à minha frente, e as cortinas finas deixam a luz entrar preguiçosamente, dando ao local um aspecto quase doméstico.

Ao olhar melhor, percebo uma mesa coberta de papéis em um canto. Ao meu lado, vários monitores exibem números, linhas contínuas e irregulares, informações que não consigo interpretar. Eles parecem estar conectados ao meu corpo. Isso parece um quarto de hospital, um pouco diferente do que eu me recordava.

Estou confusa. Por que diabos eu estaria em um hospital se estou morta? Tento mover o tronco para me sentar, mas não consigo. Só então percebo que estou amarrada à cama, com meus punhos e tornozelos presos. Estou presa!

_ Onde está minha mãe? Ela disse que tudo havia acabado! Onde estou?
Uma onda de terror toma conta de mim, e o desespero sobe pela garganta junto com a bile, se é que ainda tenho estômago. Tento manter a calma, mas meu campo de visão limitado não me oferece muitas opções. Ouço a maçaneta girar. Alguém está entrando! Imediatamente enrijeço e fecho os olhos. Não sei se é prudente que percebam que estou acordada; provavelmente me dopariam de novo.

Sinto alguém se aproximar. Acho que é a senhora que esteve aqui antes, pois os passos são pesados. Sinto sua mão roçar meus cabelos enquanto mexe em algo na cabeceira da cama. Então, ela me surpreende ao dizer:

_ Abra os olhos, menina! Não tenha medo. Não farei mal algum a você.
Penso nas suas palavras e decido correr o risco. Preciso de respostas. Abro os olhos e encaro os dela: cinzentos e sorridentes. Meu olhar é mais duro do que eu gostaria, e de repente me arrependo. Ela realmente parece uma senhora bondosa.

_ Onde estou? O que aconteceu comigo?
Falo num tom contido. Gostaria de perguntar se estou morta, mas me sinto constrangida; agora parece uma pergunta idiota.

Ela sorri e responde:

_ Você está no hospital, minha querida, se recuperando de ferimentos graves.

Hospital? Então sobrevivi! Onde estão Tobias? Caleb? Onde estão todos?

_ Como vim parar aqui? Onde estão meus amigos?

_ Essa informação não sei lhe dar, e mesmo que soubesse, acho que não estou autorizada a revelar. O Dr. Wes estará aqui em um minuto e poderá responder a todas as suas perguntas.

Ela fala calmamente, sempre sorrindo. Me pergunto se está sob o efeito do soro da amizade. Ela aperta um botão ao lado da cama, e uma luz vermelha começa a piscar.

_ Quem é o Dr. Wes?

_ Ele é o médico responsável pelo seu tratamento e sua reabilitação.

De repente, a porta se abre, e vejo um homem alto, vestido de branco. Seu rosto é severo, apesar de parecer ter não mais do que 30 anos. Quando nossos olhares se cruzam, um calafrio percorre meu corpo. Ele sorri, mas o sorriso é forçado, uma tentativa inútil de me tranquilizar.

Na Abnegação, como éramos privados de emitir opiniões e fazer perguntas, adquiri o hábito de observar as pessoas para compreendê-las. E o que vejo neste homem é alarmante.

Ele abaixa os olhos para o prontuário preso à parte inferior da cama, visivelmente tentando me fazer acreditar que não sabe quem sou, de onde vim ou por que estou aqui.

_ Beatrice Prior, parece que você está melhor! — diz ele, num tom frio e profissional.

_ Não me sinto melhor, principalmente amarrada a uma cama, num lugar que não conheço, cercada por pessoas que não faço ideia de quem sejam! — minha voz sai áspera, revelando toda a minha irritação.

_ Emma, nos dê licença, por favor — ele fala gentilmente, sem desviar os olhos de mim.

Só então percebo que Emma é a senhora que esteve aqui cuidando de mim enquanto eu estava desacordada. Ela atravessa o quarto, sorri e pisca o olho para mim antes de sair e fechar a porta.

_ Então, estamos sozinhos, afinal... Deixe-me me apresentar. Sou o Dr. Paul Wes Sheffield, mas todos me chamam de Dr. Wes.

_ Não perguntei quem é você! — respondo secamente.

Ele ainda não fez nada, mas sinto a raiva borbulhar dentro de mim, e tenho a sensação de que as razões para isso logo virão à tona.

_ De qualquer forma, Beatrice, essa informação será útil. Sou neurologista e cientista, e dediquei minha vida ao estudo do cérebro humano.

Eu o ouço, tentando entender meu papel nisso tudo.

_ Trabalho para a GSI (Governamental Scientific Intelligence), sigla que significa Inteligência Científica Governamental.

Isso explica tudo. Estou em sérios apuros!

_ Pelo que ouvi a seu respeito, você é extremamente perspicaz. Então, imagino que já tenha deduzido que o Governo não aceitou a história de que o soro da memória foi disparado acidentalmente.

Sim, já imaginei... Mas como estou ferrada, pergunto:

_ Onde estão meus amigos? Onde estou?

_ Muitas coisas aconteceram enquanto você estava desacordada, Beatrice. Você está sob custódia do Governo dos Estados Unidos, num hospital da base militar em Nova York. Quanto aos seus amigos, eles voltaram para Chicago, que continua sob vigilância dos Estados Unidos.

A confusão toma conta de mim. Como eles tiveram coragem de voltar e me deixar aqui? Será que não lutaram? Principalmente Tobias? Então, um pensamento terrível me invade.

_ E Tobias? Onde está Tobias!? — pergunto, desesperada.

_ Ele está em Chicago. Não se preocupe, todos estão bem — diz ele tranquilamente, como se fosse possível ficar tranquila nessa situação.

De repente, me ocorre que talvez tenham me deixado para trás... Não! Eles acreditam que estou morta!

Mordo o interior da bochecha até sentir o gosto metálico do sangue invadir minha boca. Meu coração afunda no peito.

_ Uau, Beatrice! Estou surpreso com sua capacidade de raciocínio. Seu cérebro é realmente uma preciosidade a ser estudada.

Ele confirmou! O maldito governo fez com que todos acreditassem que estou morta. Imagino o sofrimento de Tobias... E de repente, sua dor é a minha dor. Gostaria de estar morta para não sentir isso.

_ Bem, vamos aproveitar que você está acordada para observar sua atividade cerebral — diz ele, alheio ao meu sofrimento.

Ele empurra a cama em direção à porta, e só consigo pensar em uma coisa:
Preciso fugir daqui!

Convergente IIOnde histórias criam vida. Descubra agora