Capítulo 4 - Ano-novo

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Emi

O ano-novo chegou. A casa de hóspedes está totalmente ocupada com os convidados da festa dessa noite. Eu quase não tenho tempo para descansar. Dia e noite preciso cozinhar, servir e limpar. Quando chego ao meu quarto, praticamente desabo na cama e durmo. Ando tão cansada que minhas noites têm sido sem sonhos. Ou se os tenho, não consigo lembrar ao acordar.

O humor do senhor Tatsuo parece ter melhorado. Não sei se é pela festa de hoje ou pela carta que recebeu ontem. Eu estava varrendo a varanda da frente da casa principal quando vi o ashigaro apontar com seu cavalo na estrada. Avisei o mais rápido possível o senhor Takashi, que veio aguardar a chegada do homem com a mão na empunhadura de sua katana, pronto para agir. Ele pediu que eu aguardasse no interior da casa e que ninguém deveria sair. Não sabíamos o que o homem queria.

Corri até meu quarto, peguei minha wakizashi e me posicionei em um local estratégico. Eu vi o senhor Takashi olhar para onde eu estava. Ele sabia que eu o ajudaria caso fosse necessário. Assim que o homem se aproximou, avisou que trazia uma carta de seu capitão para o senhor Ikeda. Ele vinha em paz. Era uma carta vinda dos campos de batalha. Fiquei curiosa quanto ao seu conteúdo. Poderia ser a solicitação de mais homens para guerra ou um aviso que ela havia terminado. Meu desejo era que fosse a segunda opção. Mas, o senhor Tatsuo não teria informado a todos imediatamente? Ele não falou nada. Nem a senhora Issa sabe do que tratava a carta. Não deve ser nada ruim ou ele não teria ficado animado. Geralmente, ele está com feições bravas ou sua face não transparece nenhum sentimento.

Tão rápido o homem chegou, ele partiu. Ficou pouco tempo conversando com o senhor Tatsuo. O senhor Takashi ofereceu-lhe abrigo por uma noite, mas ele recusou. Ouvi-o dizer que ia para casa ver sua família após nove anos longe. Nove anos! É muito tempo! Quando será que veremos paz em nosso país? Com o fim da guerra, muitos pais voltariam para seus filhos e os veriam crescidos, maridos poderiam ter novamente as mulheres em seus braços e poderiam acabar com a saudade de seus familiares. As pessoas finalmente poderiam chorar seus mortos, sabendo que não mais perderiam seus entes queridos.

Os dias eram bem tranquilos antes dos convidados chegarem, mas os últimos dias têm sido bem corridos. Levantamos cedo e preparamos comida. Enquanto eles comem, limpo e arrumo seus quartos. Precisei organizar jogos e passatempos para entretê-los.

Provavelmente, em três dias todos terão partido e não sei se ainda serei útil em algo. A senhora Issa me disse uma vez que poderia ser um trabalho permanente, mas isso foi logo que cheguei e ela não comentou mais nada a respeito. Eu gostaria de ficar por mais tempo e poder ajudar minha mãe e minha avó. Sinto saudades delas, porém se eu ficar minha vida não voltará a ter aquela rotina de antes. Não que eu não gostasse de trabalhar na plantação de arroz ou na fábrica de saquê, mas aqui eu sinto que a qualquer momento tudo pode mudar. É aquela sensação de que algo bom está para acontecer e eu não sei o que é. Se eu partir, é como se minha vida não fosse ter o propósito para a qual foi destinada. Se meu pai estivesse aqui diria "temos que viver o presente sem nos preocupar com o dia de amanhã, pois não sabemos quando partiremos dessa vida". A morte é a única certeza que temos e realmente não sabemos quando irá acontecer, mas o nosso coração sente quando algo está errado e devemos sentir quando o fim está próximo. Quando eu dizia isso para ele, sempre recebia o silêncio e um sorriso em resposta. Eu sei que ele pensava como eu, apesar de nunca ter dito nada.

Hoje o dia será ainda mais corrido. Precisamos deixar tudo pronto para a festa: comidas, bebidas e enfeites. Ainda sei que terei que ajudar algumas mulheres a vestirem seus quimonos e se maquiarem. Mais empregados foram chamados para ajudar a arrumar a festa. Diversos pratos doces e salgados foram preparados para os três primeiros dias do ano, pois, segundo nossa tradição, não podemos cozinhar nos primeiros dias do ano. O senhor Seiji e Kazuo trouxeram alguns blocos de gelo para preservarmos o osechi ryori, ou osechi, um banquete especial preparado para festas de ano-novo. Provavelmente os retiraram de algum rio ou lago congelado.

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