Evelyn
Eu nunca disse para ninguém que eu já tive um relacionamento porque simplesmente é algo que me dói bastante lembrar, me dói relembrar os momentos que tivemos e o tanto de mal que ele me fez, o quão tóxico ele foi na minha vida, e o tanto de tempo que eu suportei sozinha e calada as humilhações e agressões de todos os tipos. Ele apareceu na minha vida de repente, eu tinha acabado de me mudar de abrigo pela milésima vez e a escola que ficava mais próxima a casa de acolhimento era justamente a que ele estudava.
Eu sempre fui reservada e estudiosa, sempre busquei fazer o que fosse preciso para ser uma boa aluna e não dar problemas as assistentes sociais que me acompanhavam pelo conselho tutelar. Estava com 14 anos e tinha começado a despertar os meus interesse sobre relacionamentos, mas ainda não havia beijado nem nada.
Elias se apresentou no meu primeiro dia na escola e durante a primeira semana de aula já era o meu melhor amigo, o único que eu tinha. Ele me trazia paz e segurança, então não foi muito difícil me ludibriar com suas cantadas baratas e me deixar apaixonada. Também me trazia confiança , então contei a ele todo meu passado e todos os dilemas que enfrentava por ser uma adolescente órfã vivendo sobre as rédeas do Estado.
Ele me tratava como princesa, como ninguém nunca havia tratado, com carinho, com amor, com proteção, era atencioso e elogiava meus cabelos, a cor da minha pele negra mesmo ele sendo extremamente branco, ele não tinha vergonha de mim e isso fez com em menos de seis meses já o amasse como nunca amei ninguém, como eu nem me amava.
Daí coloca-lo como prioridade em minha vida foi um passe de mágica, os interesses e vontades dele sempre estavam a frente dos meus, porque como sempre me dizia, eu sei das coisa Evelyn. E quem era eu para discordar, a verdade dele era absoluta e superior a minha. Então perder a virgindade aos 14 anos não foi uma escolha minha, foi uma necessidade dele. Eu não queria, não naquele momento, mas me deixei levar pelas palavras bonitas e promessas de amor e então aconteceu.
Nosso relacionamento não era comum, eu não conhecia seus pais, não ia na sua casa, nos restringíamos a nos vermos na escola e na casa de uma dos amigos dele que ficava próximo ao abrigo onde ficávamos algum tempo antes de eu voltar para "minha casa". Eu morria de ciúmes dele, ele era um rapaz bonito, era dois anos mais velho que eu, tinha a pele alva e os cabelos lisos pretos cortados num corte casual, a barba era rala , mas bonita, os olhos eram azuis. As meninas da escola viviam aos seus pés e mesmo que eu brigasse inúmeras vezes com ele por perceber que ele dava bola para todas elas, eu não tinha forças para deixa-lo e ele sabia disso.
Ele sabia que não ficávamos dois dias brigados porque eu sempre corria atrás e pedia perdão mesmo que eu não tivesse feito nada de errado. Ele me controlava em tudo, eu não podia falar com ninguém se ele não tivesse do meu lado, eu não tinha amigos. Eu achava que isso era bom, que ele queria minha atenção porque me amava e que afastava as pessoas de mim para me proteger das ruins. Ledo engano, ele só queria me dominar.
Mantínhamos relações mesmo que eu não quisesse, nos beijávamos na frente das pessoas mesmo que eu estivesse chateada e não quisesse contato. Daí as agressões passaram para um nível maior, ele começou a minar todas as minhas confianças, mesmo que fossem poucas. Então começou a falar mal do meu cabelo crespo e queira que eu prendesse porque o meu cabelo era "ruim", passou a falar mal da minha cor e dizer que era melhor eu ir para escola com agasalhos para não bronzear minha pele, porque eu era "preta" demais, e como se tudo isso não bastasse passou a controlar o que comia, pois eu estava "gorda" e a me humilhar pela minha condição "Por isso que nenhuma família te quis, você não serve para nada, para ninguém!". Posso listar mais outras dezenas de coisas que me fizeram definhar, que roubaram a minha pouca e já abalada autoestima. Ele me deixou no chão, destruída.
Eu não discernia mais o que senti por ele, eu amava e odiava-o na mesma proporção, ele me assegurava e roubava minha paz. E como se tudo isso não fosse suficiente para acabar com a minha vida, ele me agrediu fisicamente pela primeira vez. Um tapa forte e estralado no meu rosto foi dado porque eu o contrariei, disse que não queria ficar com ele na casa de seu amigo, depois veio o pedido de desculpas e o juramento de que nada daquilo voltaria acontecer, mas voltou, e dessa vez não foi só um tapa, foram vários murros que deixaram vários roxos por todas as partes do meu corpo.
Só que eu não tinha forças, eu não tinha a quem pedir ajudar, eu estava vivendo uma relação abusiva, tóxica e destruidora. Voltei para casa depois da surra que havia levado e ninguém percebeu as marcas no meu corpo ou a tristeza e o desespero em que estava vivendo, mas por uma obra de Deus a diretora do abrigo me chamou e comunicou que eu estaria sendo encaminhada para outro abrigo porque aquele estava superlotado e eles estavam mandando os adolescentes para outro porque preferiam ficar com as crianças menores. Mesmo sem ter noção naquele momento sei que foi Deus me livrando da morte porque se Elias não fizesse isso comigo eu mesmo faria.
A partir desse dia eu passei a construir barreiras em volta de mim, barreiras que me impedia de me aproximar das pessoas e que escondia os meus sentimentos e emoções, por isso, posso atestar com certeza de que Ana, Bruna e Joana foram bastante insistentes até conquistarem a minha amizade e eu sou imensamente grata a Deus, pois se não fosse assim seria uma mulher sozinha no mundo com medo de deixar as pessoas se aproximarem.
Sabe, eu sei que Benício não é igual, eu o conheço há cinco meses e sei que ele gosta de mim de verdade, que ele não quer me machucar ou me ferir, mas confiar nele não é algo fácil. Não é sobre ele, mas sobre o que eu vivi antes. Eu desenvolvi essa necessidade de me proteger dos males do mundo, da falta de reciprocidade, de me ferir, de me decepcionar , de não me apaixonar, porém isso não me faz mais forte e nem me impede de ser machucada ou de machucar, talvez isso só filtra aquilo que vem diretamente a mim. Eu já me interessei por outros homens antes, mas com Benício é diferente, ele faz eu me sentir importante, faz eu me sentir linda, forte e inteligente, ele exalta todas as minhas qualidades e mesmo conhecendo alguns dos meus defeitos parece não se importar. E é exatamente por isso que eu decidi dar uma chance para mim, para ele e talvez sejamos um nós.
CONTINUA...
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Me encontrei em você
SpiritualDuas pessoas diferentes que aprenderão juntas a amar, desafiando tudo aquilo que é imposto pela sociedade e por seus próprios medos. Um amor surgido de forma inesperada que será capaz de suportar grandes dificuldades.