EM PRIMEIRO LUGAR...NÓS TRÊS!-Armando Scoth Lee-romance espírita gay

CAPÍTULO 5-MÁGOAS DO PASSADO- NA VISÃO DE ALEXANDRE ENDERSON

Doutor Alexandre Enderson Vidigal olhou para a sua agenda e viu que o primo viria a uma consulta no dia seguinte.

Santiago Henrique...como estaria hoje? Será que ainda se lembrava da vez em que fora encurralado pelos colegas de Alexandre e urinara nas roupas? Esses pensamentos rondavam a mente do urologista naquele momento, ativando a sua memória daqueles acontecimentos do passado.

Santiago era cinco anos mais novo do que o primo...realmente se tornara padeiro...tinha três filhas...lembrou o médico. Alexandre se lembrava também de alguém dizer que a esposa do primo sofrera um aborto na mesma época em que Caio, filho do médico, nascera. Por pouco os dois não teriam filhos na mesma idade, concluiu o primo mais velho.

Como a vida era engraçada, analisou o médico...como os valores mudavam! Tantas coisas aconteceram que os impediram de serem amigos, de terem uma vida como verdadeiros primos e não como praticamente dois estranhos!

Naquele tempo de criança, Alexandre ainda era muito revoltado por perceber  toda a diferença de tratamento entre ele e Santiago!

Lembrava-se exatamente do dia em que Santiago nascera...mesmo Alexandre tendo apenas cinco anos de idade! Certos fatos marcam a vida de um garoto!

Alexandre estava num dos cantos do quarto, sentado no chão lendo um livro quando as tias entraram. Talvez não o tivessem visto ali, pois as cortinas estavam quase o tampando. Não se policiaram ao falar:

_Jesus amado, o filho de Doralice parece um anjo! Meu Deus, ele é a coisa mais linda que já se viu nesta vida!_ gritara uma das tias encantada ao voltar da maternidade._O hospital todo parou pra ver aquela coisa fofa!E os olhinhos então...lindos! Tiveram que organizar a entrada das visitas, meu Deus! Diferente de quando o Alexandre nasceu...acho que quase ninguém apareceu, você se lembra, Belinha?

_Não me lembro...estava chovendo? Pra falar a verdade, acho que só fui vê-lo um mês depois, em casa. Engraçadinho._confessou._Mas eu concordo...que menino lindo aquele da Doralice! Deus caprichou, viu?!

E era a opinião geral: a criança nascera toda linda, perfeita, rechonchuda, olhos claros...alguns diziam que quase cinza azulado...bochechas rosadas...cabelos louros...boquinha rosinha, bem desenhada...um narizinho perfeito!

Alexandre, mesmo tão pequeno, já sentira a diferença de tratamento entre os dois.

Uma das vezes em que os dois primos saíram com as tias, ele ouviu a conversa entre as mulheres:

_Este é o Alexandre, filho do médico?_já ouvira alguém perguntar na rua apontando para o primo branco, aquele com o rostinho  de anjo.

_Não, Alexandre é o pretinho...este é o Santiago!_diziam orgulhosos já se esquecendo do sobrinho negro e concentrando todas as atenções no sobrinho branco._Olha só os olhinhos dele...e a boca...viu que as bochechas estão coradinhas?

Todos queriam tirar fotos com Santiago...todos queriam passear com ele...todos queriam assumir o grau de parentesco com ele...e onde ele ia era o centro das atenções!

Alexandre era o pretinho...no máximo o elogiavam como "engraçadinho ou inteligente" e só!

Alexandre era o que tinha que ceder os brinquedos para o primo caçula...Alexandre era o que não podia brigar com o primo branquinho, porque ele chorava e logo ficava vermelhinho de dar dó!

Na escola ele fora apenas mais um negro a entrar somente  por ser filho de médico, ou então, com certeza, teriam dito que não tinha vaga, como haviam feito com um colega da mesma raça. Tempos difíceis...vagas limitadas...quase todos os alunos eram brancos na escola principal...os negros costumavam estudar nas escolas de bairros mais afastados.