Apesar de estarem no outono, os jardins da mansão ainda continuavam verdes e viçosos.
Parecia mentira que já havia se passado mais de um mês, depois de ter rejeitado Murilo, na noite, em que seus sogros vieram até a mansão.
Carmem ligava quase toda a semana, para saber se estava correndo tudo bem com ela e o bebê, uma atenção o que só fazia bem a Martina.
Murilo parecia ter acatado o conselho da mãe de ficar mais em casa, porém Martina o tratava como um amigo e cada vez que ele se aproximava, ela se esquivava, arrumando uma desculpa para não ficar perto dele. Não que tivesse deixado de amá-lo, mas foi o único jeito de sofrer menos. No horário de almoço, sempre exigia sua companhia, com a costumeira mania de dar ordens, porém Martina agia com se estivesse em outro mundo, no qual escolheu se fechar.
Por várias noites, ficava acordada, esperando ele voltar de algum lugar, que nunca ficou sabendo qual era, talvez estivesse se encontrando com a mulher do batom rosa. A agonia nunca a abandonou e sempre ficava com os ouvidos atentos, até ouvir o barulho do portão e de seus passos na calçada, quase em frente a sacada de seu quarto. Só então, ia dormir e por vezes chorava.
Sua gravidez corria bem e uma leve barriga já dava para ser notada, quando ficava nua em frente ao espelho. Na sua solidão, a única companhia nessas noites era a criança que trazia no ventre e tinha se tornado a sua razão de viver.
Paula ficava a cada dia mais irritada, principalmente, por Murilo sair quase todas as noites, o que Martina entendeu que ele se dividia entre as duas. Provando mais uma vez, que o que Murilo gostava mesmo, era viver assim, no eterno jogo de conquistas e traições!
Naquela manhã, o sol estava radiante e Martina pediu a Ramon que a ajudasse a trazer um dos cavaletes até a beira da piscina para começar um novo trabalho.
__ Obrigada, Ramon! - disse arrumando a tela num lugar onde o sol não batia em seus olhos.
__ O que vai retratar hoje?- a olhou curioso.
___ Esse lado da mansão.Esta casa e muito bonita, vou ficar aqui, neste ângulo, de onde posso pegar o jardim.
____ Algum dia, se puder, poderia desenhar Ana para mim? Gostaria de ter um daqueles desenhos feitos a lápis...sabe, para deixar assim, na frente da minha cama e dormir enxergando o seu sorriso.
___ Claro que faço! Me manda uma foto dela por mensagem, para fazer uma boa captação de traços e providencio amanhã mesmo! Ana lhe falou que elas chegam a semana que vem?
__Me disse ontem. Não aguento mais de saudades.
Martina suspirou.
__ Nem me fale, estou louca para abraçar minha mãe!
Ramon se afastou um pouco para atender a uma chamada telefônica, indo para a ala dos fundos da mansão e Martina começou a esboçar na tela branca, com traços perfeitos o que queria retratar. Ela deixou que o lápis deslizasse dando forma a atividade que a mantivera ocupada em muitas horas de solidão e tristeza. A esperança de rever a mãe a alegrava um pouco. Ao menos, teria com quem conversar, nas longas tardes, em que ficava sozinha.
Otávio havia ligado algumas vezes, tendo o cuidado de ter trocado chip do seu celular, caso Murilo desconfiasse de alguma coisa e o combinado foi que, assim que Martina pudesse se ajeitar lá, na Argentina, daria um jeito levar a mãe.
Já tinha penhorado as jóias e depositado o dinheiro numa conta que seria transferido para de Otávio, um dia antes de pegarem o avião. Faria isso para não ter problemas com o fisco. O que conseguiu daria para viver um bom tempo, sem se preocupar, até arranjar um emprego para se manter. Sabia que não seria fácil e que teria vários obstáculos para transpor, porém não tinha saída, era tudo ou nada!
Sorriu com indulgência quando ouviu passos se aproximando, presumiu ser Suelen, que tinha assumido o papel de sua protetora e amiga desde que a conhecera, no entanto, se enganou.
O dono das passadas, fez sombra sobre o desenho na tela.
Martina virou-se, encarando Murilo que trazia uma bandeja com suco de laranja e sanduíches.
__ Achei que pudesse estar com fome, já são dez horas. - pousou a bandeja na mesa próxima a eles.
__ Não está cansado hoje? - indagou com ironia, se referindo a chegada dele na madrugada.
Por mais que quisesse demonstrar que não se importava, não conseguia, o ciúme era muito mais forte do que ela.
Martina largou o lápis dentro da sua maleta de material e sentou,
aceitando o copo, que ele serviu para ela.
__ Só por curiosidade, porque o tom comigo? Fiz algo que a deixei irritada?- franziu a testa.
__ Em absoluto! - respondeu categórica e Martina não pode deixar de notar o quanto estava bonito.
A barba bem aparada e modelada, o cabelo bem cortado. Vestia uma calça jeans de lavagem clara e camiseta branca de mangas compridas, que realçava o conjunto de ombros, braços e peitoral fortes.
Ele sorriu sedutor, sentando e cruzando os braços sobre a mesa, a obrigando a desviar os olhos dele.
Martina ficou um pouco sem jeito por ele ter notado seu olhar de admiração.
__ Suelen me disse que sempre faz lanche nesse horário. Fico feliz que está se cuidando... Notei que engordou um pouco.
Martina torceu o nariz.
__ Faz um mês que fica em casa todas as manhãs e só agora, soube que esse é o horário que faço lanche? - sorriu, apontando o descaso dele. __ Quanto a engordar é um mal que realmente, não me importo! Silhueta a gente recupera com um pouco de esforço e boa vontade depois. Minha preocupação é que meu filho tenha saúde, só isso! - a irritação voltou. __ E também, isso não deveria lhe preocupar nem um pouco, afinal, daqui há alguns meses, não serei mais nada sua e...
Murilo a interrompeu.
___ Que isso? Não precisa se irritar só porque disse que engordou um ou dois quilos! Mulheres quando engravidam engordam e isso é normal, não é?
Ela assentiu com a cabeça, na verdade, tinha ficado sentida com a observação dele.
__ Engordam, só que duvido que elas tenham um marido que diga isso a elas, assim...
__ Não falei para criticar...é que sempre sai na frente, com duas pedras na mão! Se eu disser que está linda assim e que não me importo nem um pouco, como você vai ficar daqui a alguns meses, não acreditará, aliás não acredita em nada do que possa vir de mim! - desabafou.
Martina deu de ombros e pegou um sanduíche, revirando os olhos de prazer com o sabor.
__ Acho que está dando importância demais para o que eu penso sobre você! Nossa relação é profissional, de negócios... portanto, se eu engordar ou não, se acredito ou não nas suas mentiras é algo irrelevante, não perca seu tempo me convencendo do contrário. Guarde sua energia para a moça do batom rosado..., aliás, já mentiu para Paula hoje? - ironizou.
__ Para com isso, pelo amor de Deus!! Quem disse que me encontro sei lá, com quem, que você criou na sua cabeça! - passou a mão na barba, sem paciência.
__ Eu não criei nada na minha cabeça! E acredito que sua prima também não. Está a cada dia, mais insuportável, como se eu fosse a culpada dela estar carregando um par de chifres de dar inveja a um Alce!
Murilo não pode deixar de gargalhar sob aquela comparação. A irritação dela, continha um indisfarçável ciúmes na voz.
"Nem tudo está perdido! - pensou.- ainda dá importância pra minhas atitudes em relação a tudo!"
Mudou de assunto, não queria que ela ficasse brava, sabia bem o quanto era explosiva.
__ Posso provar um desses sanduíches?
__ Claro, fica à vontade! Suelen sempre faz apenas um, acho que o outro é seu. Tá aí, um dos motivos, porque engordei. Suelen é exagerada, sabe fazer comida como ninguém e sinceramente, não estou conseguindo controlar minha fome ultimamente.
Martina enquanto comia se recriminou por estar sentindo tanto ciúmes dele. Estava cada dia mais bonito e mais sedutor e certamente, a moça das noites em que passava fora, estava sendo seduzida, assim como ela fora, meses antes.
Levantou para disfarçar o que aquela constatação mexia com ela e parou em frente ao cavalete, retomando o que estava fazendo, ficando de costas para ele.
Ouviu quando a cadeira arrastou e sentiu o seu perfume logo atrás dela.
___ Paula tem feito algo contra você?
Martina paralisou, o perfume que exalava masculinidade adentrou suas narinas, o traçado do lápis tremeu.
___ Sinto como se ela quisesse me aniquilar.
__ Quero que se mantenha longe dela, por favor!
__ É o que mais tenho feito, porém se ela me desafia, você sabe, não consigo ficar quieta...por isso a evito o que posso!
E sinceramente, tenho até medo de ficar sozinha com ela nesta casa imensa.
__ Ela não se atreveria fazer nada a você, carrega algo que ela quer demais.
__ Eu sei, mas o seguro morreu de velho. Não gosto do jeito que ela me olha.
Sentiu a mão dele tocar de leve os fios de seus cabelos por trás. Houve um momento de silêncio e só o que conseguiu ouvir foi a respiração dele muito perto de seu ouvido. Seu coração acelerou, ele tinha esse poder de derrubar todas as barreiras que havia construído. Martina lutou contra a sua fraqueza, respirando fundo e se afastando.
__ Está com medo também de mim?
__ Deveria? Se bem que esta história de ter que entregar o bebê assim que nascer, poderá gerar problemas a vocês dois. Vou confessar, tenho medo sim. Medo de que queiram se livrar de mim, até mesmo, na hora do parto. Não sabe como isso me atormenta dia e noite, Murilo! - confessou.__ Desde aquela tarde, do iate...isso não sai da minha cabeça.
Murilo suspirou fundo, chegando um pouco mais perto dela. Encostou todo seu corpo no dela.
__ Da onde tira essas paranóias!
Martina se virou e o encarou com tristeza, ele era incapaz de entender seus sentimentos, assim como entendia os de Paula.
__ Se estivesse no meu lugar, saberia de onde tiro tudo isso. Vivo sozinha dentro de uma casa com uma louca e um homem que mostrou sua verdadeira face logo após o casamento. Quer que eu me sinta como? Difícil manter a mente sã num ambiente assim.
__ Acha que eu seria capaz de te fazer algum mal? É esse o julgamento que faz de mim?
Martina voltou a olhá-lo dentro dos olhos. Era impossível não enxergar a mágoa refletidas neles.
__ Já conseguiu me fazer todo o mal possível, o que seria a morte perto do que está me fazendo passar? Talvez, ela fosse a solução para a dor que eu sinto. - queria manter as emoções sob controle, mas não conseguiu.
Seu queixo tremeu e duas lágrimas rolaram pela sua face.
Murilo gemeu algo ininteligível, puxando-a de encontro ao seu peito. Martina foi abraçada com força, esmagada de encontro ao seu corpo rijo que tremia de ansiedade. Fez um esforço para se soltar, ele a beijou repetidas vezes, com ternura, até que ela se entregou.
Martina queria ser forte, lutar contra tudo o que sentia, mas seu coração carente de amor e atenção a impedia de ser racional.
O calor do corpo de Murilo era o aconchego que precisava para todas as dores que assolavam sua alma.
___ Não podemos continuar assim, Martina... Está sempre fugindo de mim. É só eu me aproximar e você arruma um pretexto para ficar longe e mesmo junto, me ignora ou está sempre armada...Eu preciso te falar coisas, que talvez seja difícil de você entender...
A vozinha doce de Bia os interrompeu, ela puxou a barra da camiseta de Murilo.
___ Tio Murilo, minha mãe pediu para avisar que tem um moço e uma moça, esperando o senhor lá no escritório.
Martina se afastou imediatamente, se dando conta que bastava um gesto dele para derreter a camada fina de gelo que envolvia seu coração.
Murilo sorriu, diante do olhar inocente da menina
___ Obrigada, querida, por me avisar. Fica aqui e cuida da tia Martina, por favor!
___ Porque tia Martina está chorando? Você brigou com ela? Ela não pode ficar triste assim, ela tem um bebê na sua barriga!- repreendeu com as mãos na cintura.
Martina limpou os olhos e se abaixou para ficar na altura dela.
___ Tio Murilo não estava brigando comigo. Vem, vamos desenhar. - levantou e entregou uma folha a ela.
Murilo a encarou.
___ Te vejo na hora do almoço. - passou o nó dos dedos na sua face e
saiu em direção a entrada da casa.
Enquanto, Bia pintava, sentada à mesa de madeirinhas branca, Martina rodeou a ala direita da mansão, para ver se conseguia enxergar quem era o casal que estava com o marido no escritório.
Pelo meio de arbustos avistou a figura imponente dele, parecia furioso. Andava de um lado para outro e
seu coração quase parou quando avistou a tal moça, alta, loira e infinitamente linda, se aproximar dele, passando a mão por seus cabelos, um gesto, que no olhar ciumento de uma mulher, não parecia ser apenas de amizade.
Saltou de susto quando o iPhone tocou, atendeu com as mãos trêmulas.
Era Suelen, querendo saber o que faria de almoço, o casal almoçaria com eles.
Martina convenceu a pequena a recolherem a maleta com os materiais e seguiu para a cozinha.
Enquanto decidiam o cardápio, Murilo apareceu, parecia ansioso.
___ Martina, teremos visitas para o almoço...acho que deve subir trocar e de roupa.
Martina, respondeu atravessada.
___ Não precisa me dar ordens para me arrumar, óbvio que farei isso!
Não se preocupe, não vou lhe envergonhar!
___ Não acho que seja capaz disso! Assim que puder desça. São amigos que quando casamos não estavam aqui, vieram nos fazer a pequena visita e eu os convidei para ficarem para o almoço.
Martina passou as mãos pelos cabelos, vencida, suspirou.
___ Tudo bem. Só não posso garantir que a refeição saia no horário habitual, Suelen não estava preparada.
__ Sem problemas, eles entenderão. - girou os calcanhares e saiu.
Martina resolveu algumas questões com Suelen e seguiu para o quarto para se arrumar e enquanto fazia isso, a imagem da mulher acarinhado os cabelos do marido não saia de sua cabeça.
Quem seriam eles? Porque motivo, Murilo parecia ter se irritado tanto lá no escritório?
Escolheu uma calça preta, sapatilhas e uma blusa verde musgo, de malha leve, soltinha e mangas morcego. Trançou o cabelo de um lado e fez uma maquiagem bem leve, e se olhando no espelho em aprovação desceu ao encontro do marido.
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UM TEMPO PARA AMAR 1° Lugar na Categoria, Cena Dramática #CDouradosnaliteratura
RomanceMartina Montesinos é uma garota rica, de língua afiada, na qual destila todo seu ressentimento em relação as atitudes do pai, um homem violento e machista. Ela entra em desespero quando o pai e o irmão boa vida, a usam como moeda de troca para sana...