Murilo desceu do carro e avistou Suelen vindo ao seu encontro pelo caminho de pedras avermelhadas.
__ Que bom que o senhor chegou! Como está Martina? - indagou secando as mãos no avental.
Murilo andou ao seu lado.
__ Está bem. - parou a olhando com um enorme sorriso no rosto.__ Vamos ter gêmeos!
Suelen soltou uma exclamação, levando a mão à boca.
__ Não acredito! Parabéns para o senhor! - sorriu também.__ Por isso sentia tanta fome! - concluiu.
E olhando novamente para o patrão, lembrou do quanto Martina deveria estar confusa, não conseguiu manter a boca fechada.
__ Pobre Martina! - se calou, logo em seguida, se dando conta do que tinha falado.__ Ah, desculpa seu Murilo, mas o senhor sabe que...Ah, vou confessar, Martina não tinha segredos comigo! O senhor não brigue, mas saiba que ela me contou tudo!
___ Não sei, exatamente, o que ela lhe contou, mas se quiser me pôr a par, me faça um café, por favor! Estou exausto!
Suelen, sem jeito, concordou.
__ Claro, faço rapidinho! - já saindo temendo a reação do patrão com o que tinha falado.
___ Suelen! - ele chamou.
___ Sim.
___ Você é amiga da minha mulher, não se constranja. Só o que sei que, ela só tinha a você para desabafar! - falou a seguindo.
___ Então, só o que posso lhe dizer que Martina está sofrendo muito com tudo isso. Imagina só agora, que terá duas crianças?! O senhor não sabe o que é para uma mulher carregar nove meses um filho, parir e não poder sequer segurá-lo nos braços! Martina chora todos os dias e o senhor não vê, por que não para muito em casa, mas eu e Ramon, que ficamos mais próximos, somos quem seguramos as pontas.
___ Nem preciso estar junto para saber... vejo isso no seu olhar todo dia...Martina não é mais a mesma pessoa..Era alegre, explosiva, não aceitava injustiças... Fez tudo o que fez, por amor à mãe. Acho que matei todos os sentimentos e sonhos dentro dela. - lamentou, entrando na cozinha pela porta dos fundos e sentando à cabeceira da mesa.
Suelen não respondeu, apenas pôs o café para coar, ligando a cafeteira.
__ Quer comer alguma coisa?
__ Não, obrigada! Só vim tomar um banho, pegar algumas coisas para ela e voltar...não quero deixá-la sozinha mais do que o necessário.
__ Mas precisa, não pode sair assim sem se alimentar. Vou preparar algo rápido, enquanto toma seu banho.
Murilo passou as mãos pelo rosto, desanimado.
__ Deve-se estar se perguntando o que acontecerá com os bebês, não é mesmo?
Suelen pôs uma xícara a sua frente em cima da mesa.
___ Tudo vai mudar de agora em diante, eu garanto a você! - ele respondeu a própria pergunta.
___ A favor ou contra Martina?- a cozinheira abriu a geladeira, pegando alguns ovos. __ Vou fazer uma omelete de queijo, tudo bem?
Murilo assentiu com a cabeça.
___ Martina só não será a dona desta casa, a mãe dos meus filhos e dona do meu coração se não quiser continuar aqui comigo. Por que depois, de tudo o que aconteceu, não posso pedir mais nada a ela, apenas deixá-la escolher e ser feliz com a sua escolha.
Levantou, servindo um pouco de café na xícara, bebeu num gole só e saindo em direção à sala, pediu que Suelen arrumasse uma maleta com objetos que talvez, Martina, fosse precisar.
Subiu, procurando uma roupa no closet e entrando no chuveiro, chorou mais uma vez, temeroso que, ao se livrar dos dois demônios que lhe assombravam, pudesse também perder Martina e os bebês.
Saiu do banho e ligou para Ernesto, o advogado que havia feito todo o contrato do casamento. Conversou alguns minutos e desligou. Precisava provar à Martina que tudo seria diferente dali pra frente.
A decisão estava tomada, deixaria Martina seguir livre logo após, a morte de Luís Alberto, nada e ninguém a ameaçaria mais.
Quando desceu, depois de comer, pediu a chave do atelier à Suelen, para pegar o único pedido de Martina feito a ele naquela manhã. Ela não conseguia lhe encarar e procurava somente conversar com Carmem, o ignorando totalmente.
Passou a chave, destrancado a porta, correndo os olhos pelo local à procura do que ela tinha lhe pedido.
Levantou um dos panos que cobria uma tela inacabada, lembrando do dia em que a procurou ali, quando soube de sua gravidez e do modo como ela ficava perturbada cada vez, que se aproximava dela. Sentimento que não enxergou em nenhum momento, depois que ela saiu da sala de procedimentos da emergência.
Passou a mão sobre o bloco, folheando à procura do desenho do bebê que ela tinha feito naquele dia. Achou e fixou os olhos admirando o quanto Martina era talentosa.
Tinha conseguido captar e misturar os traços dos dois na inocência típica das crianças. Sorriu, ao imaginar que pudesse ter, a correr por aqueles jardins, dois daqueles rostinhos angelicais. Contudo o que mais o chocou foi se deparar com um desenho que mostrava todo o desespero de uma mãe, tendo seu filho arrancado de seus braços por dois seres monstruosos sem rosto definido. Com o coração em sobressalto, se reconheceu num deles.
Quanto sofrimento estava causando a mulher que amava! Porque não abriu o jogo com ela?! Talvez, se Martina soubesse tivesse sofrido menos, sabendo que ele a amava acima de tudo! Mas Paula soube jogar para fazê-la sofrer. Pegou o bloco e os estojos de lápis e grafites e saiu, com a visão embaçada pelas lágrimas.
"Quem diria, hein, Murilo, que uma simples garota de cabelos vermelhos e temperamento forte o deixaria assim, neste estado, quase morto por dentro?!". E com os pensamentos martelando em sua cabeça voltou ao hospital.
Abriu devagar a porta, enxergando a mãe que conversava animada com Martina.
__ Murilo! - Carmem exclamou.__ Martina está louca por um banho, ainda bem que voltou logo!
Ele encarou a esposa, que murchou o sorriso assim que o viu.
__ Desculpe a demora, espero que não tenha me atrasado para a visita de Paloma.
__ Ela avisou à enfermeira que irá se atrasar um pouco. Dia de consultório cheio hoje. - a mãe avisou e olhando para a nora, acrescentou:__Preciso ir, Martina. Amanhã, volto bem cedo para vê-la.
E virando-se para Murilo, pediu:
__ Me mantenha informada sobre a saúde dela e dos meus netos! Mal posso esperar para contar as minhas amigas! - disse dando um beijo na face da nora e depois outro na do filho.__ Fiquem com Deus!
Saiu, fechando a porta atrás de si. Murilo sorriu para Martina.
__Trouxe suas coisas e também o que me pediu. - informou. __ Pedi à Suelen que arrumasse tudo, ela sabe melhor do que eu, do que mulheres internadas num hospital precisam. -alcançou a maleta de mão a ela.
Martina abriu examinado que havia ali, suspirando aliviada.
__ Tudo o que preciso está aqui e no momento, o que mais quero é um banho. Pode chamar a enfermeira, por favor? Tenho que me livrar desta agulha no meu braço, pelo menos por enquanto.
__ Claro, só um minuto. - saiu, voltando em seguida, com a moça de jaleco branco.
Martina não pode deixar de notar o quanto ele atraía as mulheres por onde passava e sentiu uma ponta de ciúmes ao vê-lo sorrir, sedutor, para a enfermeira, morena, de olhos verdes.
__ Quer ajuda no banheiro? - a moça ofereceu.
Murilo se adiantou.
__ Não, obrigada! Pode deixar que eu faço isso!
Martina abriu a boca para protestar, porém o olhar de Murilo, a fez desistir. Seria inútil discutir com ele.
Pôs os pés para fora da cama e tentou ficar firme em pé. No entanto, cambaleou e teve que sentar-se novamente.
__ Não pode sair assim.- a enfermeira repreendeu.__ Está fraca, precisa ir com calma! Perdeu muito sangue, melhor não abusar.
Murilo se aproximou e para sua surpresa, a levantou no colo, se encaminhando para o banheiro, que claro, por se tratar de um quarto particular, era enorme, com todo o conforto que o dinheiro pode comprar.
__ Para com isso! - ela reclamou.__Eu posso caminhar perfeitamente, só fiquei um pouco tonta, mas já passou!
__ Você é muito teimosa! - disse entrando e fechando a porta atrás de si com o pé, a depositando numa cadeira perto do box.
Fez menção de ajudá-la a tirar a camisola branca de algodão, porém Martina sinalizou com a mão, para que parasse.
__ Eu mesma tiro. Pode sair, por favor? - pediu com firmeza.
__ Nem pensar! Tire a roupa e entre aqui! - ordenou ligando a ducha, temperando a água.
Martina obedeceu, porém só ficou nua quando estava dentro do box com a porta fechada. Murilo riu.
__Se esconder para quê? Mas tudo bem, a última coisa que quero agora, é contrariá-la.
Saiu em busca da maleta.
Martina entrou debaixo da água, relaxando, por que a presença dele a deixava ansiosa e por mais que Murilo estivesse sendo atencioso, sabia que aquilo tudo não era por causa dela e sim, por causa dos bebês. Era melhor aceitar logo isso!
A felicidade da sogra, ao saber que seria avó de gêmeos, a deixou com uma culpa enorme pesando em seu coração. Além de ter uma decepção com ela, ainda perderia de conhecer os netos. Carmem não merecia isso!
Quando o silêncio do banho foi quebrado pelo ruído da porta de vidro se abrindo, ela nem se deu ao trabalho de abrir os olhos. A voz grave que soou as suas costas a deixou em alerta.
___ Suelen perguntou de você. Ela pôs na maleta seu telefone. - avisou sem jeito, tentando puxar assuntos triviais.
Martina não respondeu que já havia visto. Não queria conversar, não queria se deixar levar mais uma vez, pelos seus encantos. Estava carente, sentindo-se triste com tudo o que tinha acontecido e principalmente, com raiva de si mesma por ter dormido mais uma vez com ele; sentia-se como uma mulher sem dignidade que se sujeitava a ser um brinquedo nas mãos de um homem sedutor e conquistador. Raciocinando com frieza, continuou o banho como se ele não estivesse ali.
Murilo suspirou reclamando.
__ Até quando vai me ignorar desse jeito? Acha que não estou me sentindo culpado pelo que aconteceu?
"Este é o problema! Culpa. Só está aqui, por culpa, por pena... ! Não mereço isso. Em algum lugar por aí, alguém vai me amar como eu mereço!" - tentou se consolar, trancando o maxilar para não chorar. "Meus filhos não merecem estar passando por tudo isso!"
Sentindo-se totalmente limpa, desligou o chuveiro.
Murilo ainda continuava na porta.
__ Com licença, pode me alcançar um roupão? - pediu firme, mostrando que só falaria o necessário.
Ele se afastou, abrindo a peça para que ela se agasalhasse e enquanto ela amarrava a faixa, Murilo passou delicadamente, uma toalha pela extensão de seus cabelos, começando a secá-los.
Martina se virou, dando de cara com ele muito perto. A boca carnuda, o maxilar modelado pela barba baixa... os olhos negros marcados pelo cansaço e pela noite sem dormir, traziam o lampejo de um sentimento que ela não conseguiu identificar,
__ Pode deixar, eu faço isso! - desviou o olhar do dele.
Ele entregou a toalha felpuda e levantou as mãos em sinal de rendição.
__ Tudo bem, não precisa me olhar assim. Vou esperar lá fora!
Antes que ele fechasse a porta, Martina ouviu seu iPhone tocar.
__ Quer atender? - ele interpelou.
__ Sem problemas, atendo depois.- disse, pensando que talvez fosse Otávio. Pois havia várias ligações, do número dele, não atendidas.
Martina saiu do banho meia hora, mais tarde; fazia tudo com calma, ainda se sentia um pouco tonta.
Quando saiu, o encontrou numa conversa ao telefone, parecia irritado. Logo suavizou a fala e a expressão quando a viu e cortou o assunto pela metade.
__ Sim, claro, estarei aí. Não façam nada, tenho uma proposta a fazer a ele. Vou desligar, até mais! - jogou o telefone na mesinha ao lado da cama.
__ Alguém muito insistente quer falar com você. Seu telefone tocou mais duas vezes. - avisou. No olhar, um brilho desconfiado.
Martina afastou o lençol para deitar novamente. As recomendações médicas eram de que ficasse em pé, somente o necessário. Murilo apressou-se em arrumar os travesseiros.
__ À tarde, vou ter que sair, preciso resolver alguns assuntos urgentes. Vou contratar alguém para ficar aqui com você. Talvez, as enfermeiras conheçam alguém. Não tenho horário para voltar!
__ Posso ficar sozinha sem problemas. - replicou.__ Vou dormir e descansar e ainda desenhar, não preciso de ninguém aqui comigo, por favor não me contrarie!
__ Tudo bem, vou concordar, para não lhe deixar irritada! - passou os dedos pela face corada pelo banho quente.
Martina não via a hora dele sair, precisava retornar as ligações de Otávio e temia que ele voltasse a ligar enquanto estivesse ali. Se isso acontecesse ficaria furioso!
Algum tempo depois, quando Paloma já estava de saída e já mais tranquila, pois lhe garantiu que tudo estava bem com os bebês e que poderia ir para casa, no dia seguinte, Murilo saiu. Então, pode falar com Otávio, contando sobre a gravidez e a urgência em sair da Espanha. Ele a tranquilizou, avisando que havia alugado de antemão o apartamento de um casal de amigos, que moravam na Argentina e que ela poderia ir sem preocupação nenhuma para lá. Eles sabiam de toda a sua situação e a ajudariam, no que fosse preciso, até a chegada dele dali a um mês!
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UM TEMPO PARA AMAR 1° Lugar na Categoria, Cena Dramática #CDouradosnaliteratura
Roman d'amourMartina Montesinos é uma garota rica, de língua afiada, na qual destila todo seu ressentimento em relação as atitudes do pai, um homem violento e machista. Ela entra em desespero quando o pai e o irmão boa vida, a usam como moeda de troca para sana...