Dois pontinhos

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Murilo caminhava de um lado para outro, no corredor, em frente a porta, em que Martina tinha dado entrada na emergência do hospital. A falta de notícias estava o matando a cada minuto.
Andou até a janela, no final do corredor frio, de piso extremamente branco, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça, olhando a rua lá fora; os pensamentos lhe atormentando. Girou nos calcanhares rápido, tendo nos olhos e no coração o medo e o desespero, quando ouviu a voz de uma enfermeira ecoar no corredor.
__ Familiares de Martina Márquez Muniz?
Como um raio, Murilo correu em direção a ela, seguido por Ramon, que tinha ficado ao seu lado, naquelas quase, duas horas de aflição.
__ Sou seu marido? Como ela está? - ele inqueriu.
Por um segundo, que pareceu interminável, eles se encararam, até que a enfermeira baixou os olhos para a planilha que tinha nas mãos.
__ A paciente passou por alguns procedimentos e o sangramento foi estancado. - a moça informou.
__ E o meu filho?- indagou angustiado, temendo a resposta da enfermeira.
Ela esboçou um leve sorriso tranquilizador.
__ Estão bem e não há motivos para ficar preocupado. Os dois fetos não apresentaram nenhuma complicação na ecografia! Sua esposa vai ficar em observação e só amanhã, irá para o quarto. No momento, está sedada, um procedimento de praxe para uma melhor eficácia dos medicamentos administrados.
Ramon bateu no seu ombro, abrindo um enorme sorriso, o patrão o encarou sem cor, não entendendo exatamente, o que a enfermeira estava dizendo.
__ Você disse os bebês? - interpelou, deslizando a mão pelos cabelos, parando na nuca
A enfermeira sorriu e balançou a cabeça em sinal positivo.
__ Sim, são dois! Se quiserem mais detalhes terão que esperar o próximo plantão, infelizmente...ou felizmente, só tenho isso para lhe dizer no momento. Qualquer dúvida, podem pedir para as duas colegas que estão ali, no posto, naquele balcão. Com licença! - se retirou sumindo por entre as alas da unidade, em que Martina estava .
Murilo então, exausto, procurou um banco, sentando e com a cabeça entre as mãos, chorou baixinho. Necessitava daquilo para aliviar toda a tensão que tinha passado.
Ramon se aproximou, bateu em suas costas.
__ O senhor e Martina não deveriam estar passando por esse momento especial, assim, debaixo de tanto estresse. Desculpa, sei que não devo me meter, são assuntos particulares. Parabéns, o senhor será pai de gêmeos!
Murilo passou as mãos pela face, ainda olhando para o chão.
Ramon continuou:
__Não há nada no mundo, tão lindo quanto isso: ser pai. Ainda mais de gêmeos! - completou o segurança da esposa.
Murilo levantou os olhos e ainda tremendo o queixo, sorriu.
__ Tem razão! A notícia me pegou de surpresa. São os filhos da mulher que realmente amo! Graças a Deus, não aconteceu nada de ruim!- não quis dizer que as lágrimas eram um misto de arrependimento, alegria e surpresa. __ Será que Martina sabia e não quis me contar nada?
Ramon torceu a boca.
__ Dificilmente...senão teria comentado com Suelen. O senhor sabe, as duas são muito amigas!
__ Meu Deus! - suspirou se atirando para trás, encostando a cabeça na parede, abrindo agora, um largo sorriso. __ Preciso contar aos meus pais! - se mexeu, procurando seu iPhone no bolso traseiro da calça jeans.
__ Faça isso, vou buscar café, quer um também?
__ Eu aceito, obrigado! - fez sinal positivo com o polegar.
Ramon saiu à procura da cantina do hospital, se informando num dos balcões, onde as enfermeiras atribuladas trabalhavam.
Murilo clicou o número do pai.
__ Alô, meu filho? - Murilo ouviu a voz tranquila de Hugo.
__ Oi, pai! Estou no hospital com Martina...
Hugo o interrompeu preocupado.
__ Aconteceu algo com ela?
Ao longe, ouviu a voz da mãe se aproximando falando com o marido.
__ Não pai...quero dizer, ela teve uma ameaça de aborto, mas está tudo sob controle. Ela está bem e...
__ E...? Fala, Murilo! - o pai inqueriu já nervoso.
__ Os bebês também estão bem!
Ouve alguns segundos de silêncio, até que ouviu a respiração do pai do outro lado.
__ Bebês?
__ Sim, pai, são gêmeos!
__ Que notícia maravilhosa! Vou por no viva voz, sua mãe precisa ouvir isso da sua boca meu filho!
Murilo a chamou:
__ Mãe?
__ Mãe? - ela desconfiada, indagou. __ Nunca me chama assim, que notícia e é esta que seu pai disse ser maravilhosa?
__ A senhora será avó de gêmeos! São dois, mãe!- a voz embargou e Murilo já não conseguia falar direito, as lágrimas correram novamente.
__ Mas isto é muito mais que maravilhoso, meu filho! - Carmem exclamou. __Hugo, ganharemos dois netinhos!!
__ Ou netinhas!- Hugo completou.
__ Ou ainda um casal...- Murilo riu emocionado.
Murilo conversou mais um pouco, os deixando tranquilos sobre a saúde de Martina, passando uma calma que não existia dentro dele.
Alguns minutos depois, clicou o número do contato de Suárez.
As coisas precisariam ser apressadas. A operação deveria ser concluída o mais rápido possível!
__ Suárez?
__ Sim, Murilo!
__ Vamos agilizar a operação. A situação está insustentável e hoje foi a gota d'água! Não quero que fique pedra sobre pedra!
__ Será feito. Já estamos com tudo pronto, só aguardando alguns contatos.
___ Ok, vou ficar no aguardo. Me mantenha informado!
___ Pode deixar!
___ Vou desligar, o segurança de Martina está vindo. - avisou ao amigo.
Ramon sorriu e entregou o copo de café a ele.
___ Alguma outra notícia, seu Murilo?
___ Nenhuma. Assim que trocar o plantão vou me informar. - sorveu um gole do líquido quente. ___Martina me disse que já foi casado. - puxou assunto.
__Minha esposa e meu filho, não tiverem a mesma sorte que Martina e os bebês. - falou suspirando triste.__ Angelita sofreu um acidente e teve uma hemorragia muito forte com a queda do carro. Faleceu horas mais tarde.
Murilo fixou os olhos no copo de café, lembrando do que Martina tinha lhe dito naquela noite no iate. O modo como falava do assunto não deixava dúvidas que ainda sofria muito com a perda da família. Por um momento, se pôs em seu lugar, pensando em como seria sua vida sem a mulher que amava.
__ Eu sinto muito, Ramon! Nem sei o que faria se alguma coisa acontecesse à Martina...
__ Certa vez, ela conversou, assim, informalmente, espero que não se ofenda com isso e eu a aconselhei a nunca deixar as coisas entre vocês dois pra resolverem depois...Muitas vezes, pode ser tarde demais. Eu disse e fiz coisas à Angelita, que sei que causaram um enorme sofrimento a ela. Não deu tempo de nos perdoarmos totalmente, apesar de estarmos bem, algumas mágoas só seriam superadas com o tempo, entende? Ela morreu antes!
Murilo respirou fundo, bebendo mais um gole de café, balançou a cabeça.
__ Senti isso hoje, Ramon, quando a vi entrando naquela ambulância. Precisou acontecer quase uma desgraça para que eu me desse conta disso.
Ramon sentou ao seu lado.
__ Martina é uma boa moça. Nem todas que nascem em berço de ouro, assim como ela, são generosas, preocupadas com o seu semelhante. Imagina, que toma café todo o dia com a gente lá na mesa da cozinha!
__ Realmente, ela é incrível!
__ Desculpa perguntar, mas vocês discutiram? - indagou Ramon com cuidado e meio sem jeito, afinal Murilo era seu chefe.
__ Estamos tendo muitos problemas. Ela nunca falou a respeito?
__ Não muito, apenas uma vez, logo que descobriu a gravidez...sei também que tem problemas com a D.Paula. - não quis dizer que sabia que ele tinha a traído.
__ Então, ela é a raiz de tudo! Vocês todos sabem que eu e ela...a gente teve um caso... Paula não aceitou o fim.
__Sempre me perguntei se é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo. Qual das duas o senhor ama? - o encarou sério.
Murilo sorriu, nunca tinha tido uma conversa assim com algum empregado seu, mas no momento, não queria se sentir sozinho ali, esperando notícias de Martina e depois, Ramon era um cara legal, tinha que admitir, por mais que tivesse ciúmes dele.
__ Qual delas você acha que amo de verdade?- sorriu triste.
__ Martina, com certeza. Só um homem apaixonado ficaria assim, nessa agonia toda. Estou errado?
Murilo recostou-se na parede e olhou o teto alvo.
__ Nem um pouco. Martina é a mulher da minha vida! Já tive muitas, todas as que quis...Cometi muitos erros...no entanto, Martina...- suspirou profundamente. __ não tem explicação!Eu simplesmente, a amei desde o primeiro dia em que a vi!
__ Então, Paula é só tesão, mesmo? - Ramon o olhou intrigado.
__ Nem isso existe mais entre a gente! Só um imenso ódio por tudo o que ela está fazendo Martina passar. - confessou.
__Achei que ainda existisse algo, o vi saindo do quarto dela, enquanto Martina era carregada na maca.
__ É uma longa história, não sei se entenderia, aliás nem sei se contando à Martina a verdade, ela entenderia! Rezo todo dia, para que sim!
Ramon cessou a conversa, não queria dar a impressão de estar sendo curioso.
__ Quer mais um?- ele mostrou o copo.
__ Não precisa, obrigado! Se quiser ir para casa, tudo bem, Ramon. Está dispensado. Já é tarde! Só peço que amanhã chegue cedo aqui. Venha com outro segurança, precisarei de um carro aqui comigo.- pediu.
__ Só mais uma pergunta, estou autorizado a falar para Ana que Martina está internada?
__ Acho melhor deixar isso para Martina fazer. Não leve a mal!
__ Claro eu entendo, não se preocupe! Já vou então! - bateu no ombro do patrão e saiu provocando olhares e suspiros das enfermeiras no balcão.
Murilo até conseguiu esboçar um sorriso, observando a cena.

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