Murilo estacionou dentro dos muros da mansão. O trajeto foi feito no mais absoluto silêncio da parte dele e só era quebrado pelos soluços baixinhos, incontroláveis, que sacudiam o corpo de Martina. Ela limpou os olhos, ansiosa para sair da presença dele, abrindo a porta do carro, caminhando apressada em direção à entrada principal.
Murilo a seguiu e antes dela atingir a pequena escadaria, sentiu uma tontura, o chão fugiu debaixo de seus pés e a única coisa que vislumbrou antes de perder a consciência foi o olhar apavorado de Murilo, lhe amparando em seus braços e tudo ficou negro.Quando abriu os olhos, algum tempo depois, pode ver com dificuldade, a figura da Dra Paloma, de braços cruzados, conversando com Murilo perto da janela na sacada do quarto.
Martina sentou na cama, passando a mão nos cabelos, arrancando o elástico que os prendiam.
Sua cabeça doía e então, a lembrança do que tinha ocorrido no shopping e no carro, vieram a sua mente. Ela estremeceu ao lembrar do jeito estúpido, que ele tinha lhe tratado.
Murilo mais que depressa correu sentndo-se à beira da cama, preocupado.
___ Martina, como está se sentindo? - tentou tocar seu braço, mas ela se esquivou.
A Dra se aproximou, observando o seu comportamento.
O olhar confuso, de Martina, saiu da face do marido indo para o da médica.
___ O que aconteceu? - indagou com a voz fraca.
Paloma puxou uma cadeira sentando a sua frente, informou:
___ Você desmaiou.
Martina arregalou os olhos tocando sua barriga.
__ E o meu bebê? - o pavor tomou conta dela. __ Paloma, aconteceu algo com ele? - os olhos se encheram imediatamente.
Murilo a abraçou para que se acalmasse. Desta vez, Martina, não o rejeitou.
___ Está tudo bem com ele, foi só um descontrole arterial. - a tranquilizou passando as mãos para ajeitar os cabelos ruivos que teimavam em cair sobre seu rosto.
___ Foi um susto, Martina. Gravidez tem dessas coisas. Murilo me disse que tem vomitado muito. Devia ter me ligado. - Paloma a censurou.
___ É que pensei que isso fosse normal. A vida inteira ouvi dizer que grávidas enjoam.
___ Nada que aconteça em excesso é normal numa gravidez. Já alertei Murilo que precisa ficar atento a estas coisas!
Ouviram a porta se abrir e Paula entrou sem pedir licença. Sua fisionomia demonstrou um total desagrado quando encontrou Murilo perto da esposa. Sua boca se apertou numa linha fina.
Murilo imediatamente, se afastou de Martina.
___ Como vai, Paloma? - cumprimentou e olhou para esposa do primo. ___ Um dos seguranças me disse que você não está bem, Martina? - indagou, fingindo uma preocupação que para ela não existia. Porém, o objetivo era impressionar Paloma.
Martina não respondeu, limpando as lágrimas no canto dos olhos, que ameaçavam cair.
Paloma tomou a frente.
___ Está tudo bem, Paula! - e voltando a atenção para sua paciente, comunicou: ___ E amanhã vou lhe esperar no meu consultório. O resultados dos exames de sangue que fez, na consulta passada, já estarão a sua espera lá. Vamos fazer mais um ultrassom para te deixar tranquila, Martina.
Preocupações e estresse não são nada bons quando se está em início de gestação. E você Murilo, poderá conhecer seu filho. Aposto que está louco para vê-lo!
Ele olhou para a amiga e sorriu.
___ Confesso que estou curioso! - seu olhar se voltou para a esposa.
Martina teve vontade de dizer umas boas verdades a ele, mas calou-se.
"Está querendo bancar o marido amoroso na frente de Paloma. Legítimo cara de pau! Depois de tudo o que me fez passar! Só Deus sabe, o quanto me magoou agindo com pouco interesse em relação a criança e a mim." - pensou irritada.
___Vou passar um remédio para amenizar as náuseas e recomendo que você repouse o máximo que puder, Martina. Assim que o medicamento começar a fazer efeito, quero que comece a se alimentar, tá bem? Vamos começar com alimentos mais leves. Normalmente, os enjoos vão até o terceiro mês. - recomendava enquanto escrevia no receituário.
Ela concordou e sentiu os olhos de Paula a fuzilarem de tanto ódio.
Paloma continuava a falar, alheia ao clima entre eles três.
___ E você, Murilo, não é bom que ela fique sozinha. Diminua seu ritmo de trabalho, fique mais tempo com ela! - sorriu para o amigo. __ Não estou falando como médica agora, mas como mulher. Grávidas precisam de amor e atenção e ninguém melhor do que o marido para dar isso a elas. E convenhamos, né, Murilo, você pode muito bem trabalhar uma parte do dia em casa!
Martina observou Paula ficar vermelha.
___ Claro vou fazer isso, Paloma! - disse pegando a receita da mão dela. ___ Vou pedir para um dos seguranças ir comprar imediatamente o remédio.
Saiu e Paula o acompanhou.
Paloma suspirou sentado na beira da cama e agarrando sua mão, indagou:
___ Aconteceu algo que a incomodou hoje, Martina?
Martina mordeu o lábio inferior, não poderia mentir à médica pelo bem de seu filho.
___ Eu e Murilo tivemos uma discussão...Bem, tem muita coisa acontecendo Paloma...- baixou os olhos.
___ Quer conversar?
___ Talvez, seja melhor perguntar a ele. Não estou autorizada a falar. Vocês são amigos e Murilo confia em você, vai te contar.
___ Vou conversar depois com ele. - suspirou. ___Sabe, Martina, no início de uma gestação, acontece um turbilhão de emoções, devido aos hormônios que se alteram no organismo. Seu corpo está se preparando para abrigar uma vida durante nove meses dentro dele...
___ Eu me sinto péssima, toda hora chorando, só que não consigo evitar.
___ Chorar faz bem, o que não pode é guardar mágoas.
Ouviram passos no corredor e Murilo voltando, ficou parado perto das duas.
___ Daqui a pouco, Martina, já vai estar tomando a medicação, Paloma!
Ela olhou para ele e depois para Martina, que abaixou ainda mais a cabeça com a sua chegada.
___ Não sei o que aconteceu entre vocês dois, mas vou falar como amiga, Murilo, seja lá o que for, cuide bem dela. Não só fisicamente, mas do emocional também.
Levantou pegando sua maleta.
___ Bem eu já estou indo. Nós vemos amanhã, tudo bem, Martina? - sorriu com ternura. __ Lembre-se, repouso absoluto! Ela está sob seus cuidados agora, Murilo!
Martina agradeceu à medica e Murilo a acompanhou até a saída da mansão.
Levantando, ainda um pouco tonta, foi ao banheiro, precisava tomar um banho.
Tirou suas roupas, amarrou os cabelos e entrou debaixo da água quente, deixando que a relaxasse por completo. Se assustou quando o box abriu e ele enfiou a cara para dentro. Ela cobriu o seios com os braços.
___ Pode me dar privacidade!? - reclamou.
Os olhos de Murilo correram por suas coxas e pararam em seu rosto, mais precisamente, dentro do seu olhar castanho.
Martina estremeceu, aqueles olhos negros lhe despertavam os desejos mais insanos.
___ Vou arranjar algo para você comer. - avisou.
___ Acho que vou esperar o remédio. Não aguento mais vomitar.
___ Tudo bem, então. - fechou a porta do box e quando desligou o chuveiro e saiu, Murilo a esperava com o roupão aberto para que se agasalhasse.
___ Obrigada! - agradeceu um pouco sem jeito por estar nua na sua frente.
Era incrível que em dois dias, a intimidade que compartilharam tinha se esvanecido.
Ela enfiou os braços no roupão macio e paralisou quando os de Murilo abraçaram sua cintura, amarrando o cinto a sua frente. Um arrepio subiu por sua espinha quando sentiu sua respiração bem próxima de sua orelha.
Porque ele faz isso! Parece que sente prazer em me torturar deste jeito! - pensou, enquanto ele subia suas mãos para ajeitar a gola, roçando os dedos em sua nuca, fazendo com que seu corpo se deliciasse com aquele toque e então, ele lhe surpreendeu, a pegando no colo e a levando para a cama.
Ela protestou, mas o enlaçou para não cair, escondendo o rosto na curvatura de seu pescoço, sentindo o cheiro do perfume dele a invadindo, trazendo lembranças das tantas vezes estivera assim, aconchegada em seus braços.
___ Murilo, que exagero! Eu posso andar perfeitamente! - disfarçou seus sentimentos.
___ Não quero que Paloma venha me dar sermão, como o que acabei de levar lá embaixo.
Martina não pode deixar de conter o riso.
___ Sério?
___ Só faltou me bater! Me disse que estou sendo negligente e não tive como rebater, ela tem toda a razão, tenho agido mal com você!
A depositou na cama com cuidado.
__ Quer que eu ligue a TV?
__ Por favor! - ela pediu. __ Murilo! - o chamou baixinho
__ Sim? - inquiriu, enquanto procurava o canal preferido dela, com o controle remoto
___ Não quero que pense que falei alguma coisa à Paloma. Jamais faria comentários sem a sua autorização.
___ Está falando sobre exatamente, o que?
___ Sabe... você e Paula...o bebê...
___ Não quero que pense nisso agora. - disse entrando no banheiro e trazendo a escova de cabelo, sentou na cama atrás dela.
Ergueu a mão, desamarrou seus cabelos, que caíram pesados sobre os ombros de Martina.
___ O que vai fazer? - surpresa com a atitude dele.
___ Pentear seus cabelos! São os mais lindos que já vi na vida.
Ela poderia impedir, afinal, não estava mal. Porém sentir o carinho de suas mãos a aquecia por dentro e por um momento, sentiu-se amada por ele.
Murilo começou levemente, passando a escova várias vezes, de alto a baixo, o toque suave dos dedos alisando as mechas cor de fogo.
___ Não posso culpar seu professor por dar em cima de você.
Martina suspirou, sentindo a magia do momento ser quebrada.
___ Claro que não foi culpa dele! - parou, pensando, escolhendo as palavras certas para não lhe irritar. __ Eu fui punida hoje, por que na sua cabeça, planejei me encontrar com ele. Otávio não deu em cima de mim e eu nunca estive interessada nele, apenas sentamos para conversar. Você que foi mal educado!
___ Ou você é ingênua demais ou disfarçar muito bem. Mesmo sabendo que está grávida, ele não tirava os olhos de você! Eu vi. Só faltava te devorar com o olhar. Um homem quando se sente atraído por uma mulher, não mede as consequências.
___ Murilo você tem trinta anos... sabe bem que, quando um não quer, dois não fazem... - pausou. ___O que soa muito contraditório se tratando de você... - lembrando de todo o empenho que teve para levá-la para a cama.
___ Não vou pedir desculpas pelo que aconteceu no restaurante do shopping e nem pelo que aconteceu no carro. Você é minha esposa!
Se fosse em outra ocasião, Martina teria retrucado à altura aquelas palavras machistas, mas estava exausta demais para discutir.
___ Você também é meu marido e no entanto, está dormindo com outra a duas portas do meu quarto. - falou com uma calma, que jamais pensou que existisse dentro dela. __Não espero nada de você, Murilo! O que esperava acabou na sexta à noitinha. Hoje, paguei pelo erro que você cometeu comigo quando dormiu com Paula. Eu nunca te trairia, é uma questão de caráter! Também não sou vingativa. Enfim, não quero brigar mais, não quero que interrompa sua vida por minha causa. Eu vou interromper a minha por um período, depois vou me refazer, vou provavelmente, encontrar uma outra pessoa... alguém que me ame com eu mereça... vou ter outros filhos... formar uma família...
Murilo calou-se diante daquele desabafo.
Ela continuou:
___ Posso te pedir uma coisa? - a voz saiu macia e baixa.
___Claro. - engoliu em seco.
___ Promete que nunca vai deixar meu filho esquecer de mim quando eu me for daqui? Promete que, por mais que ele conviva com Paula, sempre vai lembrá-lo que sou sua mãe e que quando ele crescer e perguntar porquê o deixei com você, vai falar a verdade? Vai contar que fiz isso por que não tive escolha? Que jamais quis abandoná-lo?
__ Martina... por favor! - sua voz embargou.__ Paloma disse que era pra eu cuidar de você e não ficar remoendo assuntos que possam te deixar nervosa. Mas se isso te consola, eu prometo.
Ela se virou e o encarou com um sorriso triste nos lábios.
___ Conta para meu filho que eu te amei de verdade e que ele não foi fruto só de interesse material, que de minha parte nunca quis usá-lo como uma mercadoria. Promete? - ela pediu com amargura, enquanto ele segurava a escova no ar, com olhos aflitos.
Murilo se levantou abruptamente e num gesto insano, jogou a escova com toda a sua raiva no espelho da parede, saindo em seguida, desnorteado, batendo a porta com muita força.
Martina tremeu, ao ouvir o estilhaçar dos cacos caindo ao chão
Definitivamente, Murilo estava se tornando um homem violento e aos poucos, o seu monstro interior estava vindo à tona.
Ela levantou com calma e indo ao closet, pegou uma caixa de papel, onde guardava um vestido de festa, dobrado e enrolado num papel celofane e o deixou numa prateleira. Juntou os pedaços pontiagudos do vidro espelhado na caixa, com cuidado para não se cortar. Era como se cada pedacinho fosse uma parte de seu coração, ali, esparramado e quebrado pelo tabuão do quarto.
Ao final, resignada e exausta pelos acontecimentos, pensando que não poderia mais se deixar abalar pela emoção por causa do bebê, tirou o roupão e deitou puxando o edredom por cima de sua cabeça.
A irritação dele já não a atingia mais. O que tinha falado era o que sentia. Fechou os olhos e aos poucos, a voz dos personagens do programa da televisão foram ficando longe. Adormeceu.
Quando acordou, o quarto estava numa penumbra e apenas a claridade fraca da TV, iluminava o ambiente. Estendeu a mão para olhar o horário, já eram cerca de 20 horas. Tinha dormido bastante.
Enxergou a porta abrir e Murilo acender a luz, parando na entrada.
Martina então, teve a consciência que estava nua da cintura para cima.
Puxou rapidamente o edredom se cobrindo.
Ele sorriu e fechou a porta, equilibrando uma bandeja numa das mãos.
___ Não precisa se constranger, eu conheço cada pedacinho do seu corpo. Se fechar os olhos, posso descrever cada curva sua, cada detalhe dele.
As palavras a fizeram corar e as lembranças da sua língua a invadindo quando faziam amor, correram pelo seu pensamento. Sentiu seu ventre formigar de desejo com as imagens, que jamais sairiam da sua cabeça, mesmo que se passassem cem anos.
___ Trouxe saladas e um grelhado de frango. Foi a comida mais saudável que pude encontrar e comprar. Não tenho dotes culinários para te impressionar, infelizmente!
___ Você saiu para comprar comida pra mim?
___ Tive um contratempo de negócios, coisas que não poderiam esperar mais e tive que sair. Então, passei num restaurante e comprei. Espero que goste. Depositando a bandeja na cama, lhe ajudou a ajeitar os travesseiros para que sentasse.
___ Pode alcançar uma camiseta, por favor?
___ Posso, apesar de preferir você assim, nua.
___ Murilo, não vai começar.
Ele sorriu e indo até o closet, trouxe a roupa, ajudando a vestir.
O toque dele em sua pele nua a arrepiou inteira.
___ Não vai jantar? - indagou a ele.
___ Daqui a pouco. Não estou com fome. Antes de começar a comer é melhor tomar o remédio que está aí, na bandeja. Paloma disse que ele dá sono. - alertou.
___ Que bom, assim eu consigo dormir melhor! Deve fazer bem para ele. - apontou o ventre. ___ Falando no bebê, sabe onde estão as roupinhas que comprei?
Murilo levantou e trouxe a sacola, que estava em cima da cadeira perto da janela.
___ Estão aqui.
___ Você já viu elas? - indagou, as retirando da sacola.
___ Não. Fiquei tão preocupado, que não foi eu quem as trouxe para cá. Quando desmaiou deixou cair tudo e um dos seguranças me acompanhou, enquanto eu carregava você.
___ Quer ver?- indagou estendendo as duas peças sobre suas pernas.
___ São muito pequenas. - ele concluiu, um meio sorriso no canto da boca.
___ São de recém nascidos. - explicou acariciando o tecido com ternura. ___ Vou guardar com os sapatinhos que comprei naquele dia.
___ Sapatinhos? - franziu as sobrancelhas.
___ Sim, os comprei e pus ao lado do seu prato, lá no atelier... Tinha planejado um jantar para te contar.
A expressão facial dele se contraiu. Os olhos negros a examinaram.
___ Eu sinto muito que não tenha dado certo.
___ Como disse, foi melhor! Eu sei que não sou a mulher que gostaria que estivesse com seu filho no ventre. Paula não pode engravidar e sei que se fosse ela a estar grávida você estaria exultando de tanta felicidade.
Murilo se aproximou pegando o Tip Top branco, acariciando o tecido fofinho.
___ Se eu pudesse voltaria no tempo, Martina. Não estou feliz com esta situação. Percebi que errei.
Ela baixou os olhos, tentando disfarçar o quanto aquelas palavras a atingiram. Ela escondeu num sorriso o que sentia.
___ Está arrependido é isso? Percebeu que não valeu a pena ter feito todo este sacrifício? - a voz saiu firme, a surpreendendo.
___ Não, está entendo tudo errado...
Ela interrompeu:
___ Murilo, vamos encarar as coisas sem mentiras. Óbvio, que tudo teria sido muito mais fácil para todos, se tivesse assumido a mulher que ama! Percebeu que tem um inocente que sofrerá com isso, não é mesmo? Você e Paula poderiam adotar e...
Ele devolveu a peça infantil a ela, ríspido.
___ Martina, vamos parar com esta conversa, ela não nos levará a lugar nenhum! Coma antes que esfrie! Vou buscar água para tomar seu remédio.
Saiu e ela que tinha segurado as lágrimas até momento, deixou que corressem livres, as limpando assim que ouviu ele voltando da cozinha com uma garrafa de água.
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Roman d'amourMartina Montesinos é uma garota rica, de língua afiada, na qual destila todo seu ressentimento em relação as atitudes do pai, um homem violento e machista. Ela entra em desespero quando o pai e o irmão boa vida, a usam como moeda de troca para sana...