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CARNE E SANGUE

Junho, 1769

Os ecos causados pela travessia através das pedras ainda ressoava por todo o corpo de Brianna Randall, dias após sua chegada no século XVIII. O formigamento no seu couro cabeludo deixara de ser incômodo já havia um tempo, embora ainda fosse tão notável que ela se via forçada a massagear as mechas ruivas com bastante frequência. Era uma sequela até que pequena quando parava para se lembrar do terror e da sensação angustiante que se seguiram ao momento em que cruzara os véus do tempo. Sua cabeça parecia que estava prestes a se rachar ao meio com o zumbido incessante que chacoalhara seus ossos e Brianna chegou a temer que eles fossem se desgrudar das juntas — tamanha fora a violência e intensidade do canto das pedras.

Ela atravessara no Beltane, no primeiro dia do mês de maio. As datas, como sua mãe dissera, eram importantes. Pensar em Claire fez com que seu coração fosse esmagado por um punho invisível, incapaz de bater regularmente e, ainda assim, esforçando-se ao máximo para mantê-la viva.

— Está inquieta, moça —  murmurou Archie MacAdam, o fazendeiro que a encontrou perambulando completamente sem rumo e ainda em estado de choque nas proximidades de Craigh na Dun havia um mês.

— E se eles não acreditarem em mim? —  perguntou para si mesma, sem perceber que havia falado aquilo em voz alta. A voz saiu trêmula, se pelo nervosismo do encontro iminente ou se pelo chacoalhar da carroça, não sabia dizer.

—  Os Murray? Não se preocupe, menina. Eles são boas pessoas, vão acolhê-la sem pensar duas vezes.

Brianna queria acreditar que sim, afinal sua mãe lhe contara muitas coisas sobre sua tia Jenny, seu tio Ian e a infinidade de primos que povoam a residência dos Fraser, Lallybroch. Ainda assim, não conseguia conter a incerteza por trás daquelas histórias. Cada pessoa tinha sua percepção de mundo e, por esse motivo, ela se sentia incapaz de confiar cegamente no que sua mãe havia lhe dito sobre sua família paterna. Confiava no julgamento de Claire, sem sombra de dúvidas, mas passara a vida inteira acreditando que seu pai era Frank Randall e, contudo, não podia acreditar nem mesmo na sua própria história.

— Estamos muito longe? — a impaciência era perceptível em sua voz, mas Archie MacAdam não pareceu se importar.

— Mais duas horas — respondeu o fazendeiro, apontando algo no céu com a mão que não segurava as rédeas. — Veja. Da para ver a fumaça daqui, eles devem estar se preparando para o almoço.

Por mais clichê que fosse, as duas horas pareceram durar uma eternidade. Infinitas vezes mais longas do que o mês que passara na pequena fazenda dos MacAdam, ajudando a esposa de Archie, Mary Anne, com as atividades domésticas enquanto o único cavalo da família se recuperava de uma pata torcida. Brianna havia atravessado as pedras no primeiro dia de maio, durante o festival de fogo. Por mais preparada que estivesse, os gritos de Craigh na Dun, a viagem em si e o nervosismo de estar em uma época diferente, fizeram com que ela fosse incapaz de se colocar no caminho até Lallybroch. Acabara se perdendo, sem saber para que direção seguir, quando Archie MacAdam a encontrou, encolhida debaixo de uma árvore enquanto devorava um sanduíche de pasta de amendoim com geléia. O jovem fazendeiro estava procurando uma de suas cabras, Dorothea, que havia se desgarrado do resto do bando e — por algum motivo que ele desconhecia — seguira desembestada na direção do misterioso círculo de pedras.

— Essa cabra maldita me fez persegui-la por quase cinco quilômetros — quixará-se MacAdam na hora, irritado demais para se incomodar com o fato de Brianna estar sozinha no meio do nada. — Você viu essa desgraçadinha passando por aqui, moça?

Canções de um incendiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora