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CONFISSÕES

Querida Isobel,

Sinto sua falta todos os dias desde que você se foi e temo que sua ausência tenha me tornado incapaz de pensar com clareza. Algumas coisas mudaram desde a última vez que lhe escrevi, mas tenho em mente que isso era exatamente o que você e minha mãe planejavam quando compactuaram com esse plano mirabolante, não é? Você sempre teve um bom coração — Deus sabe o quanto eu a estimo por isso —, mas não posso evitar pensar que sua bondade e carinho, tanto por Willie quanto por mim, tenha causado mais problemas do que você previra. Dói na minha alma que você não esteja aqui para ver o homem que William está se tornando, mas farei tudo em meu poder para que ele se mantenha no caminho que lhe traria orgulho.

Passamos alguns dias em Fraser's Ridge com um casal de amigos meus, Jamie e Claire Fraser. Você provavelmente se lembraria dele, embora ele trabalhasse para a sua família sob o pseudônimo de Alex MacKenzie. Acredite ou não, fiz isso tanto por Willie quanto por Brianna (Quem é Brianna?, você deve estar se perguntando. Bem, eu chegarei lá). O garoto, como você deve ter imaginado, não ficou nada feliz com a condição ardilosa no seu testamento e está fazendo da minha vida um inferno por acreditar que quero me casar novamente e substituí-la por uma "escocesa caipira".

Você me conhece como ninguém, querida esposa, e é por isso posso confessar-lhe que temo que Willie esteja certo. Odiei-lhe por ter incluído daquela cláusula ultrajante na sua lista de últimos desejos e fiquei ainda mais furioso ao saber da participação da senhora minha mãe em tudo isso. Passada a cólera, todavia, entendo que seu ímpeto fora baseado em amor e preocupação. Não sei se deveria lhe agradecer ou me ressentir com as consequências de suas ações, mas andei pensando muito nesses últimos dias e fui confrontado com uma verdade tão desoladora que envergonho-me até mesmo de pensar em tal coisa.

Me casarei novamente amanhã. Brianna Fraser é filha de Jamie e possui o gênio inflamável e a teimosia irrefutável do pai. Sei o que está pensando e enche o meu coração de conforto saber que se preocupa comigo ao ponto de ficar indignada aí no Reino dos Céus. Entristece-me, entretanto, saber que Willie tem razão. Quero me casar com Brianna. Deus, eu a quis no momento que a vi e a dor de não tê-la em minha cama chega a ser insuportável quando me deito sozinho e sou atormentado por demônios cheios de pecado e veneno. Ela me pediu em casamento na viagem para a América, acredita? É determinada e fala o que pensa, assim como a mãe. Não a amo — ainda —, mas sei que é apenas uma questão de tempo. Essa jovem é uma força da natureza, capaz de fazer as montanhas se transformarem em pó se essa for sua vontade e eu sou apenas um homem cuja alma pecaminosa é incapaz de resistir ao poder dessa mulher. Que Deus tenha piedade da minha alma, mas quero me casar com ela e quero ser capaz de amá-la com falhei em fazer com você.

É errado, eu sei, e doentio, eu diria, mas essa ânsia em tê-la para mim fez com que eu me livrasse de um demônio do meu passado que eu achei que faria parte da minha essência até o fim dos meus dias. Percebi que minha obsessão com Jamie Fraser não passava disso. Um vício do qual consegui me livrar. Você sabe tão bem quanto eu que sou atraído por aquilo que não posso ter e Jamie sempre esteve fora do meu alcance. Vê-lo em Fraser's Ridge e não sentir absolutamente nada além de carinho foi como poder respirar novamente depois de anos prendendo a respiração.

Gostaria de acreditar que você não reprova minha escolha, querida, mas sei que minha decisão é egoísta e imprudente. Quero Brianna por quem ela é e não por causa do seu pai. Chame isso de obsessão se quiser, mas um noivo não deveria desejar louvar sua esposa em todas as vertentes do matrimônio? Não é inteligente, mas é inevitável. Rezo para que Willie não descubra quem ela realmente é e torço para que não esteja cometendo um pecado imperdoável ao colocar ambos nessa situação impensada.

Sou mesquinho, egoísta e não mereço seu perdão, mas o peço ainda assim. Queria tê-la desejado dessa forma, mas falhei como marido. Espero, contudo, que não lhe tenha falhado como amigo.

Com amor,

Seu marido e eterno admirador

John Grey


Ao terminar de escrever a carta, John encarou o papel por alguns instantes, o coração batendo com força contra o peito. Tentava escrever para a falecida esposa todas as noites, mas desde que Brianna entrara em sua vida ele parou. Se sentira envergonhado com os sentimentos que ela despertava nele que não conseguiu encontrar em si a coragem para abrir-se para o espírito de Isobel. Entendia agora que desejava Brianna por ela mesma e isso o fez sentir vontade de escrever novamente.

Levantou-se, já em suas roupas de dormir e caminhou até a lareira. Havia muitas árvores ao redor de Mount Josiah e a lenha cortada dos cedros enchiam o quarto com um cheiro amadeirado que o fazia se lembrar de sua casa na Inglaterra. Deu uma última olhada na carta, a tinta ainda úmida borrara onde seu polegar passara pelas palavras, e a jogou nas chamas.

Assistiu o papel queimar, rezando para que a fumaça chegasse até Isobel. Ouviu uma batida tímida na porta do quarto e esticou a mão para o roupão, passando-o pelos braços e enrolando a tira de seda ao redor da cintura enquanto dava permissão para o criado entrar.

Quem quer que fosse, continuou do lado de fora e John olhou por cima dos ombros, curioso. Caminhou em direção à porta, os pés descalços fazendo um ruído baixo contra o assoalho de madeira encerada. Abriu as portas duplas e deparou-se com uma mulher alta e ruiva parada do outro lado. Foi pego pela surpresa e depois pela confusão ao vê-la de roupão no meio do corredor.

— Brianna? O que você está... — percebeu, então, que ela não vestia sua roupa de dormir sob o tecido fino do robe. O vento frio que atravessava o quarto dele através da janela aberta fez os pelos do corpo dela se arrepiarem e ele conseguiu contar cada poro. Seus seios, intumescidos pelo estágio da gravidez, quase saltavam para fora do decote e os mamilos marcavam o tecido vermelho. A barriga protuberante estava ali, um lembrete claro do motivo pelo qual ela havia feito aquele acordo com ele.

— Não quero me casar com um estranho — disse ela, a voz tão baixa que John mal conseguira a ouvir. — Quero conhecer o homem com quem vou entrelaçar minha alma pela eternidade.

John deu um passo para trás involuntariamente, sem saber se aquilo era um sonho ou uma miragem. Brianna tomou aquele gesto como uma bênção silenciosa e entrou no quarto, visivelmente corada e nervosa ainda que determinada.

— Tem certeza? — a voz de John não passava de um sussurro estrangulado.

Como resposta, Brianna fechou a porta atrás dela. 

Canções de um incendiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora